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Dieta amarga

Fechamento de lojas, vendas patinando, brigas com franqueados. No Brasil e no mundo, o modelo de negócios do McDonald's parece estar numa encruzilhada

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Após quase sete anos à frente da subsidiária brasileira do McDonalds, o executivo carioca Marcel Fleishmann se prepara para passar o bastão. A partir de janeiro, ele será o responsável pelas operações da maior rede de fast food do mundo em 18 países da América Latina -- incluindo México, Porto Rico, Venezuela, Colômbia, Peru e toda a América Central --, mercados responsáveis por 55% do faturamento da empresa na região. (O Brasil, um país estratégico para o McDonalds, representa atualmente 30% de suas receitas na América Latina.) Sob a gestão de Fleishmann, a subsidiária brasileira tornou-se -- ou se manteve -- um modelo de gestão de recursos humanos, bons serviços e inovação tecnológica.

Fleishmann poderia estar no melhor dos mundos não fossem os problemas, alguns deles antigos, outros mais recentes, que lega a seu sucessor, ainda não escolhido. Problemas que, em boa medida, são derivados de um modelo de negócio desafiado em todo o mundo e que vêm obrigando o McDonalds a se reinventar. No último trimestre de 2002, a rede registrou o primeiro prejuízo de sua história de 48 anos -- 343 milhões de dólares. No fim do ano, suas ações valiam 60% menos que três antes (até hoje não recuperaram o valor). Para contornar a situação, o americano Jim Cantalupo, que um ano antes havia se aposentado da rede, foi chamado para substituir Jack Greenberg no comando mundial da empresa. Cantalupo chega num momento em que o lobby antigordura, o acirramento da concorrência e o desinteresse de alguns franqueados tornam a venda dos clássicos hambúrgueres e batatas fritas um negócio cada vez mais complicado. Em dois anos, cerca de 700 restaurantes da marca foram fechados no mundo.

Tais dificuldades -- com maior ou menor intensidade -- vêm se repetindo no Brasil. Cinco anos atrás, o tíquete médio do McDonalds era 6,34 reais, em valores corrigidos pelo IPCA. Hoje, a venda média é 5,61 reais. Nesse mesmo período, o McDonalds passou da 62a posição entre as maiores empresas instaladas no país para o 110o lugar, segundo o anuário Melhores e Maiores, publicado por EXAME. A situação torna-se compreensível quando se analisam a queda de renda do brasileiro e o impacto da desvalorização cambial. Mas não deixa de ser uma questão a ser administrada.

Talvez devido a esse cenário a empresa viva hoje o pior momento de uma crise de relacionamento de pelo menos quatro anos com parte de sua rede de franquias. Atualmente, 37 de seus 109 franqueados movem ações na Justiça. "Esses franqueados querem os mesmos ganhos anuais que tinham até 1999", afirma Fleishmann. "Mas eles se esquecem de que os ganhos mudaram para todo mundo de lá para cá."

O clima anda tenso também com parte dos franqueados que não estão em litígio. Numa convenção da Associação Brasileira dos Franqueados McDonalds (ABFM), ocorrida em meados de outubro, em Trancoso, na Bahia, vários deles teriam brindado com champanhe a notícia da saída de Fleishmann da presidência. "Comemoramos porque essa mudança pode ser um sinal de que o relacionamento entre as partes vai mudar", diz um franqueado presente ao encontro. "Precisamos de mais flexibilidade e transparência para negociar." Executivos do McDonalds que acompanharam o evento negam que o brinde tenha acontecido. "Isso é mentira", diz Alcides Terra, vice-presidente de recursos humanos, treinamento e franquias da rede.

Independentemente de quem está com a razão nessa história, o fato é que o quadro é de tensão e, mais cedo ou mais tarde, deve levar a mudanças. "O modelo do McDonalds foi revolucionário quando surgiu", afirma o consultor Marcelo Cherto, especializado em franquias. "Mas, passados quase 50 anos, talvez seja hora de repensá-lo." Ao contrário da maioria das redes de franquia, o McDonalds não é remunerado pela venda de produtos aos franqueados. As batatas, os pães, os queijos e os demais ingredientes que compõem o cardápio são vendidos por fornecedores selecionados pela rede. A principal fonte de receita do McDonalds é o aluguel das lojas. Com mais de 31 000 restaurantes em 119 países, a empresa é a maior proprietária de imóveis comerciais do planeta. Em tempos de expansão econômica e de crescimento rápido da rede, essa atividade imobiliária era altamente eficiente. Mas, com a retração da economia mundial, o modelo foi colocado em xeque. Com a demanda em queda, muitos dos pontos passam a ser deficitários. O destino de muitos deles -- seja da própria empresa, seja de franqueados -- é fechar as portas. Diante desse quadro, a principal meta colocada por Jim Cantalupo passou a ser rentabilizar os restaurantes já existentes. "Cantalupo sinalizou que o McDonalds deveria deixar de ser uma grande imobiliária para se tornar uma grande empresa de refeições", afirma um executivo ligado à operação brasileira.

No Brasil, as dificuldades foram agravadas por uma combinação de expansão rápida, um mercado em mutação e variação cambial. O McDonalds chegou ao país em 1979 e teve um crescimento espetacular na segunda metade da década de 90 -- impulsionado pela onda de consumo que seguiu o Plano Real. "Nessa época, as vendas nas lojas praticamente triplicaram", diz Terra, que há quatro anos vendeu sua franquia da marca para assumir a diretoria de RH da empresa. Em 1997, quando Fleishmann assumiu o comando da operação, a rede tinha 297 restaurantes no país. Três anos depois, esse número chegou a 544 unidades. Desde então, a expansão perdeu vigor. A empresa encerrará 2003 com dois restaurantes menos que no ano passado. "Estamos seguindo o ritmo que a economia do país exige", diz Fleishmann. "Assim que houver uma retomada, vamos entrar em cidades com população entre 50 000 e 100 000 habitantes." No momento nenhum novo franqueado está sendo treinado. Enquanto isso alguns concorrentes abriram espaço aproveitando mudanças nos hábitos de consumo e uma maior sensibilidade a preço. É o caso da Giraffas, rede de refeições rápidas que nasceu em Brasília há 20 anos e hoje soma 130 restaurantes em seis estados e no Distrito Federal. Ou do Habibs, que com suas esfihas conseguiu ocupar a segunda posição entre as redes de fast food brasileiras.

A variação cambial trouxe consigo um aumento considerável nos custos do McDonalds e de seus franqueados. A rede trabalha com contratos de financiamento de lojas, máquinas e insumos com preços atrelados ao dólar. Com a maxidesvalorização de 1999, a operação ficou mais cara e os conflitos com os franqueados começaram a aparecer. O principal problema, segundo os franqueados que hoje brigam na Justiça, é a cobrança do aluguel. "O McDonalds cobra de 20% a 23,5% sobre o faturamento das lojas a título de aluguel, mas paga aos donos dos imóveis de 3% a 6%", afirma Jacques Rigler, dono de quatro restaurantes e quatro quiosques em Curitiba. Como move uma ação contra o McDonalds desde o ano 2000, ele não paga mais aluguel, royalties e verba de marketing. Os valores são depositados em juízo, mas Rigler calcula o aluguel com base no que acha justo -- a quantia paga pelo McDonalds aos donos dos pontos -- e não no que foi acordado em contrato. Tal procedimento é adotado por muitos litigantes, todos eles reunidos na Associação de Franqueados Independentes do McDonalds (Afim), criada há três anos. Segundo o McDonalds, as dívidas desse grupo, referentes a aluguéis, royalties e propaganda, são de 75 milhões de reais.

Para amenizar a situação de alguns franqueados, o McDonalds tem concedido com cada vez mais freqüência um desconto temporário no aluguel, internamente chamado de temporary rate adjustment (TRA), ou ajuste temporário de taxa. "O TRA é uma ferramenta usada no McDonalds em todo o mundo, mas aqui se tornou mais freqüente a partir de 1999", diz Terra. De acordo com franqueados em litígio, desde o fim do ano passado a rede só concede esse desconto no aluguel em troca da assinatura de uma confissão de dívida. "Fui procurado em setembro do ano passado para assinar esse documento em troca de um desconto", afirma Antonio José Acioli Maciel, dono de dois restaurantes em Maceió, ex-presidente da ABFM até janeiro deste ano e que atualmente está processando a empresa. "O objetivo do McDonalds é lançar esses documentos como recebíveis para limpar os livros." Segundo Terra, a confissão de dívida é um instrumento usado "há muito tempo" e nem todas são lançadas como recebíveis. "Cada caso é analisado separadamente", diz ele.

A onda de conflitos está levando o McDonalds a recomprar alguns restaurantes. Nos últimos anos, 74 lojas de franqueados foram adquiridas pela rede -- dez delas por determinação judicial. Com isso, a operação mudou de perfil. Até 1999, 44% dos restaurantes eram operados pelo McDonalds. Atualmente, a participação de lojas próprias é de 68% do total. É uma distorção do modelo original. "O que o McDonalds quer mundialmente é uma operação baseada em franqueados", afirma Terra. "É assim que funciona em 85% dos restaurantes em todo o mundo."

O santista Ronald Luiz Marinho foi um dos franqueados a revender suas lojas ao próprio franqueador. Marinho comprou o primeiro restaurante em 1992 e chegou a ter nove unidades na Baixada Santista. Em janeiro deste ano, pressionado por dívidas, se desfez de todos os pontos. (Por questões contratuais, ele não revela o valor da negociação.) Marinho, no entanto, não desistiu completamente do McDonalds. Desde o início do ano, opera uma loja em Itatiba, no interior de São Paulo. "Ainda acredito muito na marca", diz ele.

Uma das razões do sucesso mundial do logotipo celebrizado pelo americano Ray Kroc é a padronização. Onde quer que veja os arcos dourados, o consumidor sabe que encontrará o mesmo BigMac -- feito da mesma maneira, com os mesmos ingredientes. O problema é que, diante do aumento de custos, alguns franqueados brasileiros estão buscando ingredientes alternativos para fazer os sanduíches. Dois franqueados admitiram a EXAME que estão comprando batatas de outro fornecedor que não o recomendado pelo McDonalds. "Compramos do mesmo fabricante, mas não do mesmo atacadista", afirma um deles. "O produto é igual, mas sai até 20% mais em conta." Os executivos da canadense McCain, única fornecedora de batatas para o McDonalds, garantem que o produto comprado por esses franqueados não é igual. "As batatas que fazemos para a empresa são exclusivas", afirma Bruno Stierli, gerente-geral da McCain no Brasil. "Temos produtos similares, que eventualmente podem ser comprados em distribuidores."

Nas últimas semanas, Fleishmann vem buscando -- juntamente com executivos da matriz, em Oak Bobrook, no Illinois -- o executivo que terá de lidar com os desafios impostos pela subsidiária brasileira. "Ter nascido no país não é um requisito", diz Fleishmann. "Mas é necessário que ele tenha alguma familiaridade com a operação." De qualquer modo, por pelo menos um ano o sucessor de Fleishmann terá sua companhia na sede da empresa, em Alphaville, na Grande São Paulo. Apenas em 2005 o atual presidente se mudará para a matriz.

CINTURA FINA
Depois de um crescimento acelerado em meados dos anos 90,
o faturamento do McDonald s, em dólar, começou a cair...
FATURAMENTO (em milhões de dólares)
1997
516
1998
843
1999
684
2000
699
2001
650
2002
593
...e o ritmo de abertura de restaurantes diminuiu. Veja
o número total de lojas
Restaurantes
Quiosques
McCaf
1997
297
177
1998
387
284
1999
464
451
2000
544
553
3
2001
568
604
15
2002
584
671
35
2003
582
641
45
Fonte: empresa
11,5% foi a queda do tíquete médio do McDonald s nos últimos cinco
anos. No mesmo período, a empresa passou do 62º para o 110º lugar entre
as maiores empresas instaladas no país
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