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Da fábrica para as pistas

Mariana Queiroz Barboza  O empresário João Adibe, dono do grupo farmacêutico Cimed, se habituou a uma rotina dupla que repete todo início de ano. Além de organizar sua companhia para os 12 meses à frente, traça planos e metas ambiciosos para sua outra grande obsessão: a Cimed Racing, equipe bicampeã da Stock Car, a categoria […]

FRAGA (CENTRO) E ADIBE, DA CIMED RACING: planejamento e ambição que deram resultado / Dua Bairros/ RF1
DR

Da Redação

Publicado em 21 de janeiro de 2017 às 07h28.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h18.

Mariana Queiroz Barboza

O empresário João Adibe, dono do grupo farmacêutico Cimed, se habituou a uma rotina dupla que repete todo início de ano. Além de organizar sua companhia para os 12 meses à frente, traça planos e metas ambiciosos para sua outra grande obsessão: a Cimed Racing, equipe bicampeã da Stock Car, a categoria mais competitiva do automobilismo brasileiro. Prestes a completar 45 anos de idade, gel no cabelo, fala assertiva e personalidade explosiva, Adibe diz que vibra e se frustra com os resultados dos pilotos de sua equipe em pista como se fossem os seus na época em que se arriscava no automobilismo em categorias como Kart, GT3, GT4 e Trofeo Maserati. Adibe deixou o macacão para trás há quatro anos, mas quem o vê nos boxes tem a certeza de que, para ele, o automobilismo continua a ser coisa muito séria. “Sou um cara altamente emocional”, diz. “Agora foquei totalmente na gestão da equipe e isso substitui minha adrenalina de correr.”

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Ao levar a lógica empresarial para uma equipe esportiva, Adibe alçou a Cimed Racing de novata à bicampeã da Stock Car. Hoje, ela é tudo o que o Grupo Cimed, quarta maior farmacêutica do País em unidades vendidas, segundo Adibe, mas décima no ranking oficial da consultoria IMS Health, quer ser. Em 2017, a meta é chegar a outro bi. O faturamento de 850 milhões de reais no ano passado, 17% acima do ano anterior, tornou a meta de 1 bilhão de reais uma obrigação que ele se impôs para este ano. Do orçamento, 10 milhões de reais irão para a Stock Car, onde a Cimed terá duas equipes (quatro pilotos, inclusive Cacá Bueno, maior campeão em atividade) a partir da próxima temporada, que começa em abril.

A aposta na categoria começou há 10 anos, quando Adibe ainda morava em Florianópolis e se empolgava mesmo era com o vôlei. Então vizinho do técnico Renan Dal Zotto (atualmente no comando da seleção masculina de vôlei), o empresário nunca tinha se interessado pelo esporte até assistir a uma partida na capital catarinense. A paixão instantânea impulsionou a ideia de montar um projeto próprio com Renan à frente. Logo na primeira temporada, o Cimed Esporte Clube conquistou a Superliga, principal competição do país. Em sete anos, ganhou cinco títulos estaduais, quatro Superligas e um sul-americano. Nessa época, Adibe criou uma tradição: ganhando ou perdendo, os jogadores deveriam sair juntos para jantar depois da partida. Quando ganhavam, era Adibe quem pagava a conta. Quando perdiam, a dívida ficava com o time.

O desempenho frustrante na temporada 2011/2012, quando tinha estrelas como Giba, Bruninho e Gustavo no elenco, levou a Cimed a retirar o investimento no esporte e o clube fechou as portas. O foco de Adibe, então, mudou para a Stock Car, onde a competição entre as farmacêuticas se acirrava. Com a oportunidade de comprar a antiga Texaco Petrópolis em mãos, o empresário criou a Cimed Racing em 2013. “Eu sabia do potencial da nossa equipe. Decidi trazer um moleque novo e uma promessa que nunca tinha ganhado campeonato”, afirma. A “promessa” era Marcos Gomes, vencedor da temporada seguinte, e o “moleque” era Felipe Fraga, que, aos 21 anos, superou Rubens Barrichello no ano passado e se tornou o campeão mais jovem da categoria. A virada ocorreu em momento estratégico.

Nos últimos anos, a Stock Car se tornou um reduto do patrocínio das companhias farmacêuticas e os executivos elencam uma série de fatores para explicar esse fenômeno. “O automobilismo é o segundo esporte de preferência dos brasileiros e a categoria tem crescido muito”, afirma Maria Del Pilar Muñoz, diretora de Sustentabilidade e Novos Negócios da Eurofarma. “Isso é fruto de um trabalho conjunto em várias frentes, como a profissionalização de equipes e pilotos, regulamentos mais estáveis, competitividade, maior qualidade na organização dos eventos, média de público nos autódromos e maior retorno espontâneo da mídia.” Um levantamento divulgado pelo Ibope Repucom em dezembro do ano passado mostra que, até novembro, foram transmitidas 135 horas de Stock Car entre TV aberta e TV fechada.

Só a Cimed calcula sua taxa de retorno de mídia com o marketing esportivo em 100 milhões de reais, incluindo o patrocínio à seleção brasileira de futebol, que custa 30 milhões de reais por ano, e ao time de vôlei Sada Cruzeiro, que custa 5 milhões de reais no mesmo período. Diferentemente do que acontece no automobilismo, as outras duas investidas são patrocínios mais tradicionais, sem participar da gestão esportiva. Pelos números, portanto, a obsessão de Adibe se paga.

Ainda é preciso levar em conta que a indústria de medicamentos genéricos, foco da Cimed, tem restrições para anunciar em canais tradicionais. Mas será que para os consumidores as vitórias no vôlei e no automobilismo fazem alguma diferença? “Na hora em que o consumidor pedir pelo princípio ativo no balcão da farmácia, provavelmente haverá mais de um remédio e os preços serão muito parecidos”, diz Marcelo Pontes, líder acadêmico da área de Marketing da ESPM. “O critério de compra vai ser a confiança na marca.”

A origem do investimento das farmacêuticas na Stock Car se deu de forma prosaica. Antigo dono do laboratório Medley, Alexandre Negrão foi o pioneiro, no início dos anos 2000. Conhecido pelos fãs de automobilismo como Xandy Negrão, o empresário e piloto patrocinava a si próprio e fazia sucesso nas pistas e fora delas. Foi vice-campeão quatro vezes e, em 2009, vendeu a Medley para o laboratório francês Sanofi. Não demorou para que outros empresários e executivos do setor, com o hobby em comum, passassem a expor suas marcas em carros concorrentes. Atualmente, nove farmacêuticas patrocinam equipes, embora com diferentes níveis de envolvimento no dia-a-dia da competição. Algumas colocam apenas dinheiro, e torcem. Outras, como a Cimed, fizeram da Stock Car seu negócio.

“Não sei bem por que virou uma disputa da nossa indústria, mas começou a haver uma concorrência nos bastidores e coloquei na cabeça que iríamos ganhar essa”, afirma João Adibe. “Quando me encontro com os outros empresários nos boxes, nos cumprimentamos, mas não falamos profundamente. É gostoso ter concorrência. Onde não tem concorrência não tem competição e é isso que me move”.

Planejamento

Para Adibe, que exibe orgulhosamente os troféus e réplicas de carros de competição no andar onde fica seu escritório na sede da Cimed, em São Paulo, a chave do sucesso é planejamento. A cada ano, as metas para a farmacêutica e para a equipe esportiva são traçadas em novembro, levando em conta três pilares que repete como mantra: gestão, performance e vitória. Os funcionários trabalham com metas, indicadores de performance, remuneração variável e bonificações por vitória.

Em 2016, ano vitorioso para a Cimed Racing, todas as áreas da farmacêutica atingiram suas metas e receberam bônus, assim como aconteceu com os pilotos. Mais um paralelo: da mesma maneira que a área de marketing da empresa estuda a concorrência, os pilotos recebem estatísticas e informações relevantes antes de cada corrida. Esse banco de dados, com históricos dos últimos quatro anos, é um dos diferenciais da equipe.

O outro se chama João Adibe. “O João torce com o coração”, diz William Lube, chefe da Cimed Racing. Há 17 anos no automobilismo, Lube era um piloto “bem ruim” antes de mudar de lado e ganhar proeminência no comando da WA Mattheis e da Red Bull Racing. Desde 2013 na Cimed, controla 23 mecânicos com rigor. “O João é um cara que não tem medo de crescer, tem uma conversa sempre franca, e isso influencia muito no nosso dia-a-dia”, afirma. O piloto Felipe Fraga diz que o empresário é o primeiro a enviar mensagens de incentivo num grupo de WhatsApp. “Ele acorda causando”, afirma o piloto, que se hospeda na casa do chefe quando viaja a São Paulo, por insistência dele. “Outro dia já mandou: ‘faltam só três meses para começar’. Nenhuma outra equipe tem isso.” A vontade de vencer é tanta que Adibe, presente em todas as 12 etapas do calendário, se chateia até em treinos que não valem nada. “Eu não brinco com essas coisas”, diz. “Detesto perder.”

A empreitada de Adibe no esporte pode parecer uma extravagância, mas segue uma tendência global. Nos últimos dois anos, empresários chineses impulsionados por um generoso incentivo fiscal do governo investiram mais de 2 bilhões de dólares em clubes de futebol europeus, como a Inter de Milão, na Itália, e o Manchester City, na Inglaterra. No mesmo período, Wang Jianlin, fundador do Dalian Wanda Group, gigante do setor imobiliário, e considerado o homem mais rico da China, se tornou dono de uma fatia do Atlético de Madri, da Espanha, e da World Triatlhon Corporation, organizadora do Ironman. O mexicano Carlos Slim, dono da América Móvil, é também dono dos clubes de futebol de seu país Pachuca e León desde 2012.

Na liga americana de basquete, a NBA, o movimento começou mais cedo. Em 2000, o bilionário Mark Cuban ofereceu 285 milhões de dólares pelo Dallas Mavericks, mudando a história de um time que já não empolgava mais os torcedores. Com Cuban, o Mavericks cresceu e passou a lotar os ginásios. O sucesso empolgou os investidores Tom Gores e Joshua Harris, que compraram o Detroit Pistons e o Philadelphia 76ers, respectivamente, em 2011. Três anos depois, foi a vez de Steve Ballmer, ex-presidente da Microsoft, adquirir o Los Angeles Clippers.

A aposta desses empresários, em geral, está em renovar um clube que está em baixa (na tabela do campeonato e financeiramente), injetando dinheiro em infraestrutura e novos jogadores, para lucrar com o retorno de mídia, a venda de produtos licenciados, o aumento de valor do próprio time, a ampliação da base de torcedores e dos direitos de transmissão que acompanham a melhora do desempenho.

Foi o que fez mais recentemente o investidor americano Joe Lacob, do Vale do Silício, dono do Golden State Warriors, de Oakland, na Califórnia. Comandada pelo armador Stephen Curry, a equipe encerrou um jejum de 40 anos quando foi campeã da NBA em 2015. No ano seguinte, foi vice e entrou de vez para a lista das grandes franquias, avaliada em 2 bilhões de dólares pela revista Forbes – quatro vezes mais do que Lacob pagou por ela em 2010. O segredo de tamanha reviravolta? “Há uma busca implacável pela excelência todo santo dia nessa organização”, costuma dizer Lacob. “Nada disso é um acidente.” Os 64 funcionários da Cimed Racing  poderiam dizer o mesmo.

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