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Cyrela e Tecnisa: time de rivais

Maria Luíza Filgueiras É difícil haver consenso entre os empresários Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela, e Meyer Nigri, controlador da construtora Tecnisa. Em uma conversa de 2 horas com EXAME, eles discordaram sobre quase tudo — sobre a data em que se conheceram, sobre quando um tentou comprar a empresa do outro, sobre o […]

ELIE HORN E MEYER NIGRI: sociedade para aliviar as contas da Tecnisa / Germano Lüders
DR

Da Redação

Publicado em 10 de maio de 2017 às 12h46.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

Maria Luíza Filgueiras

É difícil haver consenso entre os empresários Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela, e Meyer Nigri, controlador da construtora Tecnisa. Em uma conversa de 2 horas com EXAME, eles discordaram sobre quase tudo — sobre a data em que se conheceram, sobre quando um tentou comprar a empresa do outro, sobre o que acontece após a morte. Horn e Nigri se conhecem há cerca de 30 anos (o primeiro diz 30; o segundo, 37). Sempre tiveram uma intensa amizade, apimentada por uma rivalidade difícil de esconder. São como Lennon e McCartney. Eles já tentaram três vezes negociar uma fusão das duas empresas, todas frustradas. Há dez meses, no entanto, os dois chegaram a um raro alinhamento, quando a Cyrela se tornou acionista da Tecnisa, assumindo a segunda maior posição depois da família Nigri. Em maio, a Cyrela vai adicionar outros 20 milhões de reais ao caixa da Tecnisa. No total, o investimento beira os 100 milhões de reais.

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Quando os dois empresários se conheceram, a Cyrela era apenas incorporadora — ou seja, dona do projeto e do dinheiro —, mas Horn queria partir também para a construção. Ligou para todos os construtores de São Paulo, incluindo um jovem de 25 anos que havia fundado a pequena Tecnisa dois anos antes, ainda na escola de engenharia. A sondagem deu início a uma parceria. Desde então, fizeram cerca de dez projetos juntos.

As discordâncias entre Horn e Nigri entraram para a história oral do mercado imobiliário paulista. Ambos são judeus, embora o mais ortodoxo seja o sírio naturalizado brasileiro Horn, que prefere recorrer aos tribunais rabínicos para resolver as questões empresariais com executivos da comunidade judaica. Uma das discussões entre os dois, segundo EXAME apurou, envolveu um terreno na cidade de São Bernardo, há seis anos. O projeto seria da Tecnisa, mas as duas empresas combinaram que poderiam desenvolvê-lo em conjunto. Como não se entendiam sobre os direitos de cada parte, levaram a questão à sinagoga. Nesse modelo, três rabinos de idade e perfil diferentes formam um júri para tomar a decisão, considerando outros fatores além do econômico (os rabinos consideram mais relevante a palavra dada pelas partes do que os contratos, em alguns casos, e as consequências da decisão para cada lado). A decisão, anunciada pelo rabino mais velho, não leva mais de três meses e deve ser acatada mesmo se houver discordância sobre ela. No caso da briga entre Horn e Nigri, o tribunal deu razão a Nigri. Horn diz que não há rancor, mas prefere não falar sobre o assunto.

Até o ano passado, Cyrela e Tecnisa já tinham feito três tentativas frustradas de negociação de aquisição ou fusão. Segundo Horn, a primeira delas foi na década de 90, quando Nigri andava desiludido com o mercado imobiliário e ele ofereceu 1 000 dólares pela empresa, para que Nigri continuasse à frente do negócio com um gordo salário. “Desisti porque sabia que o Meyer ia se arrepender”, diz Horn. “A oferta era bem maior do que isso e fui eu quem recusou”, afirma Nigri. Na segunda tentativa, Horn e o filho Efraim foram à casa de Nigri fazer uma proposta de compra da Tecnisa. Era a fase de euforia da Cyrela, capitalizada pela oferta de ações. De novo, não conseguiram se entender. Nigri diz que a conversa aconteceu antes da abertura do capital da Cyrela, para a companhia ficar maior. “Valendo uma Coca-Cola, isso foi depois”, diz Horn. A Tecnisa recusou, mas começou a temer ficar para trás na disputa por terrenos e volume de lançamentos, diante de tantos concorrentes capitalizados (somente entre 2006 e início de 2007, dez empresas de construção lançaram ações na bolsa). “Aí fui eu quem procurou o Elie para vender minha empresa, mas acabamos não chegando a um acordo e fiz uma oferta de ações também”, diz Nigri.

A crise econômica, como se sabe, atingiu em cheio o mercado imobiliário. A Tecnisa tinha conseguido aumentar o valor de seus lançamentos surfando a onda de aumento da classe média alta e de crédito farto nos bancos. A empresa decidiu se concentrar num imenso projeto, o Jardim das Perdizes, com o propósito de criar um bairro novo na região oeste de São Paulo — esse tipo de projeto conceitual é mais arriscado e, por isso mesmo, apresenta melhor retorno quando tudo dá certo. Mas o público da Tecnisa foi pego pela crise, o desemprego aumentou, o preço dos apartamentos caiu e muitos acabaram devolvendo imóveis comprados na planta. Os distratos (devoluções de imóveis) começaram a aumentar: metade de tudo o que foi vendido pela Tecnisa nos últimos quatro anos foi devolvida pelos compradores. Em agosto passado, a Tecnisa precisou chamar um aporte de capital dos acionistas, de 200 milhões de reais, para reduzir o endividamento (a Cyrela entrou com 74 milhões, a família Nigri com 52 milhões e os demais acionistas com o restante). Mas a situação piorou: foi devolvido o correspondente a 83% das unidades vendidas em 2016, e a Tecnisa fechou o ano com prejuízo de 450 milhões de reais. Com receita em queda, a queima do caixa foi mais rápida do que o previsto e, em março, a empresa anunciou uma nova capitalização de até 150 milhões de reais (a Cyrela vai participar com a condição de que Nigri aporte 74 milhões). “O impacto de distratos é menor na Cyrela por trabalharmos mais com a baixa renda, segmento em que há pouca rescisão”, diz Horn.

Para investir na Tecnisa, a Cyrela impôs uma série de condições que, espera-se, ajudarão a empresa a retomar sua lucratividade — e que deixam Horn com certo controle sobre o andamento dos negócios, mesmo sendo minoritário. Enquanto a Tecnisa tiver um endividamento acima de 35% do patrimônio (o índice está em 62%), a Cyrela terá alguns direitos: os conselheiros das duas famílias terão reuniões prévias para avaliar lançamentos fora do estado de São Paulo e de compras de terreno em todo o país. Também discutem antes mudanças de estatuto e propostas de aquisição ou venda. “Temos estilos diferentes, mas os mesmos princípios”, diz Nigri. Ficou estabelecido um cronograma severo de corte de custos. A Tecnisa tem de chegar a 2020 gastando apenas 41 milhões de reais com sua operação, quase um terço dos 113 milhões despendidos em 2016. O escritório da empresa passou de 8 000 metros quadrados para 2 000, e o número de funcionários foi de 700 para 250. A empresa também vai vender terrenos em Manaus, Fortaleza, Brasília e Curitiba.

As famílias Horn e Nigri tornaram-se bem próximas ao longo dos anos. Houve uma época em que Meyer era acionado por dona Suzy, mulher de Horn, quando queria convencer o marido de algo. “Hoje ele me escuta menos”, afirma Nigri. “O Meyer é mais briguento e mais rancoroso do que eu”, diz Horn, que adotou um ritmo menos intenso de trabalho e tem se dedicado a projetos filantrópicos. As “alfinetadas” são respeitosas e bem humoradas. Os filhos de ambos trabalham nas empresas dos pais — os de Horn são copresidentes da Cyrela e os de Nigri são diretores da Tecnisa — e são amigos. Foi justamente esse histórico de proximidade que levou alguns analistas a criticar o investimento, que foi feito pela Cyrela, e não pela família Horn. “Eles são amigos, se conhecem há muito tempo, e o Elie acabou ajudando o Meyer com o dinheiro dos acionistas”, diz Marcelo Motta, analista do JP Morgan, que não vê na operação um ganho potencial para a Cyrela. Para Horn, a lógica do investimento é simples. “É um bom negócio. Compramos a 2 reais e está em 2,8”, afirma ele. “Seja em uma compra de terreno, seja em uma compra de ações, espero ter muito lucro.” Se der certo para Horn, terá dado para Nigri também — nisso os dois hão de concordar.

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