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Combate à fraude revigora a TV Cidade

O presidente da companhia, Marcos Henrique Costa, relata como descobriu e lidou com as fraudes cometidas pela antiga administração durante anos

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h41.

Durante os primeiros cinco anos de sua operação no Brasil, a TV Cidade apresentou desempenho financeiro muito abaixo do esperado por seus acionistas. Logo em seu primeiro ano efetivo de operação, em 2000, a empresa já começava a acumular um alto grau de endividamento. Isso porque a receita oriunda do serviço não era suficiente para compensar o elevado nível de despesas. Em 2000, para uma receita líquida de 11,2 milhões de reais, a empresa apresentava um total de despesas de 27,8 milhões, resultando em um Ebitda negativo de 16,6 milhões margem negativa de 148,24%. Nos dois anos seguintes, sua margem de Ebitda continuou negativa, porém reduzida respectivamente para 78,21% e 16,32%. A queda, por sua vez, não se deu pela redução das despesas, mas sim em razão de um aumento da base de assinantes de TV paga e, principalmente, da receita líquida vinda de novos serviços, como internet. Em 2002, a TV Cidade começou a deslanchar seu serviços de transmissão de dados e alcançou receita de 68,7 milhões de reais. O problema foi que as despesas acompanharam a evolução: quase 80 milhões de reais.

Não demorou para que as dificuldades financeiras atingissem a operação e a qualidade dos serviços. A escassez de recursos implicou em problemas básicos para o bom funcionamento da operação, como funcionários sem pagamento e falta de manutenção da rede de serviços. A conseqüência imediata foi a redução da base de assinantes de e um aumento da inadimplência para quase 25% da receita bruta. Em abril de 2003, foi decretado o estado de insolvência da TV Cidade. Os executivos chegaram a obter um empréstimo de 10 milhões de reais junto ao Banco Rural para conter a crise. A questão é que a empresa estava quebrada. O fato foi comunicado ao conselho, bem como a necessidade de um aporte de capital de 150 milhões de reais. Como solução temporária, a TV Cidade passou a ser administrada pelos próprios sócios americanos e brasileiros, até que em setembro de 2003 a nova gestão assumiu a companhia com o desafio de reverter a crise e fazer, pela primeira vez, de sua operação uma atividade lucrativa.

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Descoberta das fraudes

A nova gestão da TV Cidade colocou em prática, a partir de setembro de 2003, um plano de reestruturação que apresentou dois pilares: a redução drástica de despesas fixas e o aumento da geração de caixa, estimulada pela área de transmissão de dados. Para não sucumbir à estagnação no setor de TV por assinatura, a saída encontrada foi complementar a receita oriunda de vídeo com a proveniente dos serviços de dados, como acesso à internet em banda larga.

Logo no início de 2004, a empresa teve parte de seu conselho de administração alterado. A presidência do conselho foi assumida pelo executivo principal do Grupo Bandeirantes de Comunicação, João Carlos Saad. A mudança foi necessária para dar o devido suporte que a nova gestão precisava para colocar em prática seu plano de reestruturação das finanças e dos processos da companhia. A reestruturação promovida pela nova gestão consumiu investimentos de 152,5 milhões de reais para o acerto de dívidas e o reforço da área de novos negócios.

No entanto, ao mesmo tempo em que mergulhou nas finanças da companhia para saneá-la, a nova administração apenas dois meses após sua posse se deparou com sucessivos indícios de fraudes praticadas anteriormente. Para comprovar as suspeitas, a empresa contratou os serviços de investigação da Kroll, que levantou uma série de irregularidades, golpes e outros crimes de corrupção arquitetados por ex-executivos da própria TV Cidade, muitas vezes em conluio com empresas parceiras e fornecedores. Foram descobertos processos de dívidas ocultos (passivos) que somam perdas assumidas de mais de 45 milhões. Em alguns casos, por meio de negociatas dos antigos executivos, a TV Cidade foi fiadora da criação de empresas de outros setores, sem nenhum tipo de sinergia com o seu negócio. Muitas delas faliram, causando enormes prejuízos à companhia.

Resultado de outra frente do trabalho de investigação, todos os fornecedores da companhia foram cancelados, uma vez que cobravam até 70% acima do valor habitual de mercado, ocasionando um aumento de despesas desproporcional. Além disso, um forte esquema de pirataria em suas operações se instalou e cresceu vertiginosamente a partir das gestões anteriores. Uma relevante receita, por exemplo, foi ceifada durante anos por alguns provedores de acesso à internet, que utilizavam a rede de forma ilegal para prestar serviços aos seus usuários.

Com o auxílio da Kroll e de um detalhado trabalho de revisão de contratos, a gestão atual descobriu os focos da máfia da pirataria e os envolvidos no esquema. Como conseqüência, uma série de provedores foram descredenciados e seus usuários passaram a migrar para o provedor próprio da TV Cidade, o Megazon. A medida trouxe de volta à base de faturamento uma grande parcela de assinantes do provedor.

Para todos os casos de corrupção que suscitaram o envolvimento dos executivos, colaboradores, parceiros e fornecedores, a TV Cidade teve de abrir inquéritos policiais específicos. O conselho, por sua vez, foi quem ficou responsável por apurar e administrar todas as investigações dos crimes cometidos, no passado, descobertos pela gestão atual. Dessa forma, o board executivo da companhia estaria liberado para zelar pelas operações e cuidar somente das questões que dizem respeito ao seu futuro.

Até por conta do envolvimento de membros de suas próprias equipes, uma das novas medidas tomadas também foi a de rever os recursos humanos da corporação. Para todas as operações estratégicas, a empresa optou por uma mescla entre longa vivência e juventude. Contratou para todas as suas operações experientes e renomados profissionais de mercado, suportados por jovens talentos que dão a vivacidade que um negócio recente e de futuro tanto precisa. E para validar esta nova fase da empresa, a TV Cidade sentiu-se na obrigação de reforçar sua imagem tanto externa, para a comunidade, quanto interna, para os colaboradores.

A nova gestão percebeu que somente o estabelecimento de um ambiente interno de trabalho saudável e de qualidade propiciará as bases para a continuidade do processo de expansão no futuro. Tal entendimento resultou na necessidade de formular uma política definida de RH que suporte as mudanças em curso e evite que se cometam os mesmos erros do passado.

A preocupação empresarial com a qualidade de vida e as necessidades das comunidades envolvidas também se tornou imperativo da gestão da TV Cidade. A proposta que nasceu de um ideário da atual administração materializou-se, com o apoio de acionistas e colaboradores, em um projeto de inclusão digital em escolas públicas do Brasil. O programa foi lançado em 22 de junho deste ano, na cidade de Recife (PE). Hoje já são 7 escolas em Recife e Salvador. São perto de 18.000 alunos atendidos diretamente, de 50 a 60 mil pessoas das comunidades, numa área de abrangência de mais de um milhão de pessoas. Em um ano, o programa visa a atender dois milhões de pessoas de baixa renda em diversas cidades brasileiras onde está presente.

Por outro lado, dado o desconhecimento do grande público, a administração também se prepara para criar, de fato, um projeto de identidade corporativa para a TV Cidade. A intenção inclui a substituição e criação de uma marca forte para a empresa, a unificação em torno de uma única programação e a padronização de seus diferentes produtos em todas as cidades. A idéia é torná-la efetivamente reconhecida em nível nacional, em razão da própria necessidade advinda de uma companhia que duplica seus resultados e cresce de forma exponencial.

Resultados

Os planos de expansão da operação e as medidas adotadas para aumentar a receita líquida e conter os gastos fixos, a partir de setembro de 2003, levaram a TV Cidade a retomar sua saúde financeira e seu ritmo de crescimento. A fez com que a empresa, ao longo de 2004, voltasse a crescer sua base de assinantes de TV e internet. As iniciativas adotadas para estancar os focos de pirataria em suas operações elevarão o número de assinantes de internet de 4,3 mil, em 2004, para cerca de 22,5 mil até o final de 2005. Os serviços de telefonia pela internet também devem faturar mais em 2005.

Ao mesmo tempo, as medidas também fizeram com que o índice de inadimplência caísse de 31 milhões de reais em 2003, para cerca de 7 milhões em 2004. Somada à elevação da receita advinda dos serviços de transmissão de dados e voz, a TV Cidade registrou pela primeira vez, no ano passado, um Ebitda positivo, de 21,3 milhões, cerca de 22,5% da receita líquida de 94,6 milhões.

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