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BRF: os perus pegam a estrada

Mariana Segala, de Uberlândia De todos os desdobramentos da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, um das mais surreais se materializou nesta quarta-feira em Uberlândia (MG). O primeiro caminhão de perus vivos, vindo de Mineiros, no interior goiano, chegou às 14h20 ao abatedouro de aves da BRF na cidade. Cerca de 800 aves estavam lá […]

NA ESTRADA: cada caminhão leva de 700 a 900 perus por 550 quilômetros / Mariana Segala

NA ESTRADA: cada caminhão leva de 700 a 900 perus por 550 quilômetros / Mariana Segala

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Da Redação

Publicado em 5 de abril de 2017 às 21h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h53.

Mariana Segala, de Uberlândia

De todos os desdobramentos da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, um das mais surreais se materializou nesta quarta-feira em Uberlândia (MG). O primeiro caminhão de perus vivos, vindo de Mineiros, no interior goiano, chegou às 14h20 ao abatedouro de aves da BRF na cidade. Cerca de 800 aves estavam lá dentro. A reportagem de EXAME Hoje estava lá. Nas próximas semanas, centenas de caminhões devem chegar a Uberlândia, trazendo 8.000 perus por dia de uma distância de 550 quilômetros.

Os responsáveis pelo abate são 300 funcionários que também foram transferidos às pressas de Mineiros. A unidade goiana foi um dos alvos da operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal no dia 17 de março, desbaratando um esquema de corrupção de fiscais do Ministério da Agricultura por frigoríficos brasileiros. Com a fábrica interditada desde então, foi preciso dar um destino às aves, e o abatedouro de Uberlândia se mostrou a opção mais viável.

Desde o início da Carne Fraca, há duas semanas, a população de perus que já deveriam ter sido abatidos chegou a 450.000 nas granjas de Mineiros. O problema é que manter os bichos no campo além do necessário causa um baita prejuízo – tanto para os produtores quanto para a BRF. Os perus, obviamente, precisam continuar sendo alimentados, e isso implica em custo extra com ração.

Podem acabar engordando além do peso ótimo, entre 18 e 20 quilos. Se passam muito disso, deixam de caber nas máquinas de processamento e, por isso, não podem mais ser vendidos inteiros. São “picotados”, na gíria dos produtores – e, na melhor das hipóteses, viram peito de peru. “Nunca vi uma situação como esta”, diz Fábio Leme, vice-presidente da Associação dos Avicultores Integrados da Perdigão (Avip), que reúne os produtores de Mineiros. “O impacto econômico e social dessa situação é enorme”.

O pedido de transferência das aves de Goiás para Minas Gerais esbarrou nos trâmites do Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura, que levou 15 dias para autorizar o procedimento. Uma série de inspeções foi realizada tanto na fábrica quanto nas granjas goianas. O ministro da Agricultura Blairo Maggi chegou a dizer, nesta semana, que o rastreamento já realizado indica que a contaminação da carne com salmonela – uma das suspeitas relacionadas à unidade de Mineiros – vinha do campo.

A situação de alguns produtores goianos beirou o desespero nos últimos dias. Eles só são pagos pelos perus que entregam à BRF 15 dias depois do abate. Mas as contas continuam vencendo. O descasamento de uma coisa com a outra obrigou a BRF a negociar um adiantamento aos produtores, que deve começar a ser pago ainda nesta semana. É, segundo os produtores, a única forma de assegurar que consigam pagar pelo menos a conta de energia e a mão-de-obra em dia. A estimativa, até a última sexta-feira, era de que eles já tivessem deixado de receber aproximadamente 500 000 reais pelas aves não abatidas.

O desânimo em Mineiros – onde estima-se que o ganha-pão de até 15% da população esteja direta ou indiretamente ligado à BRF – contrasta com uma disfarçada animação em Uberlândia. Poucos dias antes de ser deflagrada a operação Carne Fraca, uma linha inteira de abate de perus havia sido temporariamente desativada na unidade da empresa na cidade. Na época, a justificativa da BRF para o encerramento das atividades era um ajuste comercial, em função da queda da demanda pelo produto. A capacidade de produção da fábrica mineira era ainda maior que a da goiana: 28.000 aves por dia. Desde setembro de 2016, quando a BRF anunciou a mudança, uma cadeia inteira de produção se preparava para sair, no jargão corporativo, “em busca de novos desafios”. Os contratos com os criadores foram rescindidos a partir de novembro do ano passado e os funcionários da BRF que trabalhavam na linha, demitidos ou realocados em outras áreas da empresa.

Mas as coisas começaram a mudar desde a deflagração da Carne Fraca. A equipe que fazia o transporte dos perus entre as granjas e o abatedouro de Uberlândia, por exemplo, havia sido dispensada. Dos dez motoristas terceirizados responsáveis pelo serviço, metade tinham recebido as contas. A outra metade cumpria aviso prévio. No dia seguinte ao anúncio da operação pela Polícia Federal, em 17 de março, os motoristas remanescentes foram convocados para trabalhar. Seguiram para Mineiros no domingo, dia 19, com a missão de voltar com os caminhões carregados de perus. Mas a viagem só começou esta semana.

Entre os criadores, a notícia da retomada dos abates também foi bem recebida. É que além dos perus que começaram a chegar diretamente no abatedouro, também estão vindo de Mineiros aves jovens, com 30 dias de vida. Com essa idade, os perus são transferidos das chamadas granjas de iniciação para as de terminação, onde passarão os 120 dias seguintes, até chegarem ao peso de abate. Com as granjas de terminação abarrotadas em Goiás, cerca de 38.000 aves jovens foram transferidas desde a semana passada para os barracões de Uberlândia, que já estavam todos vazios. É neles que os perus acabarão de crescer.

Ainda não se sabe se todas as granjas da cidade serão utilizadas, mas pelos menos alguns dos 120 produtores locais – que não encontrariam mais uso para a infraestrutura que tinham montada – conseguirão um ganho adicional nos próximos quatro meses. “A BRF cumpriu todas as suas obrigações e pagou as multas que eram previstas no contrato com os criadores, mas o fato é que muitos acabaram ficando sem atividade após a rescisão”, diz Juliano Fagundes, presidente da Associação dos Granjeiros Integrados do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (Agritap).

Por um lote de 25.000 perus, a Agritap calcula que um produtor receba, ao fim dos quatro meses de engorda, em torno de 65.000 reais. Daí, é preciso descontar os custos, de cerca de 48.000 a 50.000 reais. Sobra pouco. Mas pelo menos sobra.

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