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Azul: a novela perto do fim?

CVM suspende operação e adia oferta pública de ações da companhia aérea Azul

DAVID NEELEMAN, DA AZUL: IPO avalia a companhia fundada por ele em 6,9 bilhões de reais  / Germano Lüders

DAVID NEELEMAN, DA AZUL: IPO avalia a companhia fundada por ele em 6,9 bilhões de reais / Germano Lüders

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 7 de abril de 2017 às 17h44.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.

Não foi esta semana que a companhia aérea Azul encerrou um dos mais enrolados processos de oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) do Brasil. A empresa vem tentando desde 2013 ter suas ações negociadas em bolsas de valores. Em outras três oportunidades, a abertura não aconteceu por “condições adversas” do mercado. Agora, o problema foi outro. A abertura estava marcada para esta sexta-feira. Mas, na véspera, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu a oferta, alegando que a Azul realizou publicidade irregular de seu IPO, forneceu informações aos investidores que não constavam no prospecto e divulgou informações excessivas para a imprensa. A oferta aconteceria na Bovespa e na bolsa de Nova York, a NYSE.

O que levou a CVM a suspender o IPO foi uma denúncia anônima. Em um site estrangeiro para investidores circulava um vídeo em que o diretor financeiro da empresa, John Rodgerson, revelava números sobre a participação da empresa brasileira na companhia aérea portuguesa TAP. As informações não constavam nos documentos enviados à CVM e à SEC, que regula o mercado americano. “Temos um investimento em ações da TAP que pode valer de 300 milhões a 400 milhões de dólares nos próximos anos”, dizia o executivo. “O valor de mercado no qual entramos foi de 220 milhões de dólares. Podemos reduzir a nossa alavancagem para duas vezes quando a TAP realizar sua oferta inicial.”

A autarquia também pontuou que diversas informações estavam sendo divulgadas na imprensa, o que infringiria o período de silêncio, em que nenhum executivo da empresa pode apresentar informações publicamente. Nesta sexta-feira, a companhia informou que negocia um acordo com a CVM para retomar o processo de abertura de capital na segunda que vem, dia 10. Mas o acordo ainda não foi fechado. Se as coisas acontecerem como a Azul deseja, a abertura de capital deve acontecer no dia 11, terça-feira. Mas o cronograma ainda é incerto.

Criada em 2008 pelo empresário brasilo-americano David Neeleman com foco em voos regionais de baixas tarifas. Neeleman já tinha experiência no mercado por ser o criador das companhias aéreas JetBlue, nos Estados Unidos, e WestJet, no Canadá. Com a fusão com a Trip, em 2012, a Azul se tornou a terceira maior empresa de aviação do Brasil. No IPO, esperava arrecadar pouco mais de 1,6 bilhão de reais, dos quais cerca de 300 milhões seriam usados para quitar dívidas de curto prazo e o restante seria reinvestido no negócio. Informações dão conta de que a procura por ações estava superando em duas vezes a demanda de 72 milhões de papéis. A operação avaliaria a Azul entre 5 e 6 bilhões.

O certo é que a notícia divulgada na quinta abre um período de incertezas para a Azul até que a abertura de capital seja realmente realizada. A barbeiragem da Azul pode afastar investidores? A volatilidade do mercado pode jogar contra caso o acordo com a CVM demore?

Decisão dura?

Analistas ouvidos por EXAME Hoje consideraram a decisão do órgão regulador dura para as irregularidades apresentadas. “Pela regra, a CVM pode fazer o que fez, mas foi desproporcional. Eles acertam muitas vezes, mas dessa vez erraram”, diz Marcos Eduardo Elias, fundador da assessoria financeira independente Modena Capital. “Acho que ela teria que considerar que não houve dano nem dolo por parte da Azul nessas informações e a ação dela, de correção, causa dano econômico, tanto à empresa como aos fundos interessados, que já deviam ter desalocado o dinheiro que pretendiam usar na oferta”, diz.

“A burocracia da CVM não ajuda em nada uma empresa brasileira na hora de abrir capital. O IPO da Azul poderia trazer novos ares para o mercado, mas aí acontecem esses exageros”, diz um sócio de outra consultoria de investimentos que preferiu não se identificar.
Até mesmo o ex-presidente da CVM, José Luiz Osório, criticou a decisão do órgão em declarações para a imprensa. “Ela tem sim que seguir suas instruções, mas ao fazer isso deve usar uma dose de bom senso”, disse em entrevista ao site Brazil Journal.

Por outro lado, há quem defenda que a segurança jurídica é fundamental para que o país atraia investimentos estrangeiros no médio e longo prazo. “Eu não acho a decisão tenha sido dura. Depois da crise de 2008, o mercado necessita da maior transparência possível em todos os seus aspectos. Não pode haver espaço para interpretações. O mercado brasileiro precisa do dinheiro, mas precisa acima de tudo de clareza e transparência, porque é isso que vai atrair investidores estrangeiros”, diz Pedro Lanna Ribeiro, especialista em mercado de capitais e IPOs do LCCF Advogados.

“A regra é clara, o supervisor do mercado tem poder de suspender ou cancelar uma oferta se, entre outras coisas, identificar qualquer atividade que seja contrária à regulamentação. O quão rigoroso ela deve ser é uma outra discussão, mas na medida que ela tem uma atitude equânime para o mercado em geral e com critérios, não acho um problema”, diz Fernando de Azevedo Peraçoli, advogado do setor Societário e de Mercado de Capitais do escritório Levy & Salomão Advogados.

Não que decisões parecidas da CVM sejam algo inédito no mercado brasileiro. Várias empresas já passaram por situações semelhantes. Em 2013, a entidade também suspendeu por 30 dias o IPO da BB Seguridade. O problema apontado foi o mesmo, publicidade irregular durante o período. À época, a companhia corrigiu as falhas e retomou o processo em quatro dias e a abertura foi um sucesso.

Em novembro 2014, quem teve seu processo de oferta pública parado pela autarquia foi a divisão de processados, suínos e frangos da JBS, a JBS Foods. O problema ocorreu por causa de uma reunião entre o presidente da empresa, Wesley Batista, e investidores, que teve cobertura da imprensa. Na ocasião, Wesley declarou que o IPO não ocorreria enquanto o mercado tivesse incertezas quanto ao cenário econômico do Brasil – as eleições haviam acabado de acontecer e o IPO estava marcado para janeiro. Mesmo com a liberação da CVM depois de menos de dez dias, a oferta pública acabou nunca ocorrendo.

Analistas afirmam que a empresa está correta de tentar voltar ao mercado o mais rápido. apostam que a empresa tentará voltar ao mercado o mais rápido possível. “Quanto maior for a janela, mais sujeita a mudanças de cenário a empresa estará”, diz Tiago Reis, sócio da assessoria de investimentos Suno Research.

Um dos problemas para a Azul é que, diferente do que aconteceu com a BB Seguridade, a suspensão veio em cima da hora, um dia antes da oferta pública, no dia em que as ações seriam precificadas – o que tem sido criticado por analistas. Assim, quando a entidade reguladora liberar a oferta, o cronograma terá que ser refeito e, como já estava no período de reserva de ações, a empresa terá que liberar para que investidores cancelem suas reservas. “É pouco usual que os investidores desistam da opção em casos como esse. Normalmente as reservas são canceladas se a informação for relevante e adversa. Como nesse caso é até positiva, isso não deve acontecer”, diz um advogado especialista no setor que prefere não se identificar.

Ao que parece, esse é só mais um pequeno infortúnio no longo histórico de postergações do IPO da Azul. Se tudo acontecer como a Azul planeja, a longa novela da abertura de capital termina na terça-feira.

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