A Nokia, quem diria, está de volta
Celular vicia. Se você sente aflição quando esquece o aparelho em casa porque vai ficar oito horas sem checar mensagens, imagine a Nokia. A empresa finlandesa que já foi líder incontestável do mercado de telefones amargou três anos de abstinência – enquanto a Microsoft terminava de afundar seu negócio. É como se você estivesse no […]
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2016 às 12h59.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.
Celular vicia. Se você sente aflição quando esquece o aparelho em casa porque vai ficar oito horas sem checar mensagens, imagine a Nokia. A empresa finlandesa que já foi líder incontestável do mercado de telefones amargou três anos de abstinência – enquanto a Microsoft terminava de afundar seu negócio. É como se você estivesse no pico de um engarrafamento sabendo que, em casa, sua filha de 5 anos se dedicava a apagar todos os seus aplicativos, fazer compras de joguinhos pela internet e brincar de aviãozinho com o aparelho ao lado da banheira cheia d’água.
O engarrafamento, para a Nokia, está terminando com a expiração da cláusula de não competição que consta do acordo de venda de sua divisão de celulares para a Microsoft, por 7,2 bilhões de dólares, no início de 2014. A grande questão é: o celular que ficou em casa ainda estará em condição de uso? Ou, mais precisamente: a Nokia terá força para voltar a ser alguém no mundo dos aparelhos telefônicos – e dos gadgets em geral
O casamento que deu errado
A resposta curta é: sim, a empresa tem chance. Mas não vai ser fácil. O casamento com a Microsoft deixou sequelas.
No último dia 25 de maio, a Microsoft anunciou um corte em suas operações de smartphones e disse que iria contabilizar perdas de 950 milhões de dólares na divisão que incorporou a Nokia. A Microsoft já havia descontado 7,6 bilhões de dólares do valor contábil dessa divisão. No total, portanto, ela está reconhecendo que a Nokia vale 8,55 bilhões de dólares a menos do que estava em seu relatório contábil. Como a empresa custou 7,2 bilhões, está aí uma fusão que destruiu valor. É mais um caso em que os executivos imaginam que 1 + 1 seja igual a 3, mas acabam descobrindo que é igual a 1,5.
Não que a Nokia tivesse muita alternativa. Na época, ela já vinha perdendo mercado a uma velocidade avassaladora, porque perdeu o passo da inovação.
A Nokia reinou enquanto os celulares eram mais simples, faziam menos coisas. Quando o iPhone abriu as portas para um mercado de computadores de bolso, os celulares de ponta até passaram a ser chamado por outro nome: smartphones. A Nokia era ótima para fazer aparelhos, mas o novo jogo era a criação de ecossistemas – atrair desenvolvedores que fizessem apps para os celulares.
O sistema Symbian, da Nokia, logo se revelou desengonçado para esse fim. Como tinha origem em um consórcio de empresas, havia muitos interesses conflitantes – e isso afastou os desenvolvedores independentes.
A solução era trocar de sistema. O da Apple, exclusivo, estava fora de questão. Criar um novo iria demorar demais. Sobravam o Android, do Google, e o Windows, da Microsoft. Stephen Elop, o então novo presidente da Nokia, foi conversar com as duas empresas.
O Google não lhe ofereceu nada. Se a Nokia quisesse adotar o Android, seria muito bem-vinda, mas teria igualdade de condições com os quase 50 fabricantes que adotavam o sistema do Google. Na Microsoft, a conversa foi outra. A começar do fato de Elop era um ex-funcionário da empresa. O namoro fazia todo o sentido: também atrasada na onda dos smartphones, a Microsoft precisava remar muito forte para entrar no tubo. Achou que a marca Nokia pudesse lhe ajudar a atrair desenvolvedores para o sistema Windows – afinal de contas, os consumidores estariam lá.
Infelizmente para as duas empresas, nem tudo o que faz sentido acontece. Nesse mundo de ecossistemas, tudo gira em círculos. Eles podem ser virtuosos, como os do Google e da Apple – consumidores atraem desenvolvedores que fazem apps que atraem mais consumidores – ou viciosos – os desenvolvedores não vêm, os consumidores se frustram, parte deles abandona o sistema, o que tira ainda mais interesse dos desenvolvedores. O namoro entre Nokia e Microsoft logo virou casamento, mas pouca gente compareceu à festa. (disclaimer: eu fui um dos consumidores que adotaram o Nokia-Windows).
Uma volta diferente
A seu favor, a Nokia tem o fato de que não depende da sua divisão de celulares. Depois da venda para a Microsoft, a empresa se reestruturou. A metamorfose parece ser uma capacidade da Nokia. Ela nasceu como fábrica de papel (em 1865), depois virou produtora de cabos, daí a fabricante de centrais digitais e, finalmente celulares. E agora voltou um passo atrás, para a área de equipamentos de rede – a infraestrutura que sustenta os celulares e redes de computadores. Em 2013, readquiriu a Nokia Siemens Networks e, no ano passado, comprou a Alcatel-Lucent, por 16,5 bilhões de dólares. Uma das joias da Alcatel-Lucent é o mítico laboratório Bell Labs, berço de várias inovações que mudaram a história.
Quer dizer, a Nokia não precisaria voltar aos celulares. Mas, além de ser um vício, o setor de bens de consumo é o melhor ambiente para fortalecer uma marca. E, com o desinvestimento da Microsoft nas linhas da Nokia (há rumores de que a empresa planeja lançar smartphones com a marca Surface, de seu tablet), a oportunidade parece irresistível.
Desta vez, no entanto, tudo vai ser diferente. A rigor, a Nokia não vai voltar ao mercado. O que ela anunciou foi que vai licenciar sua marca e patentes para uma empresa recém-criada por alguns de seus ex-executivos, a HMD Global, que deve entrar em funcionamento no fim deste mês. A essa empresa vai caber produzir e vender smartphones com o sistema operacional Android. Sim, três anos depois de rejeitar uma associação sem benefícios especiais, lá está a Nokia aceitando uma associação sem benefícios especiais.
Quanto aos telefones mais simples, a Microsoft vendeu em maio os direitos de produzi-los para a FIH, uma subsidiária da Foxconn, por 350 milhões de dólares. A HMD já entrou em acordo com a FIH para vendê-los, também, numa colaboração para garantir o valor da marca Nokia.
A Nokia vai ter um assento no conselho de administração da HMD Global, além de estabelecer critérios de produção e operação para a companhia. Se tudo der certo, ao final de junho estará nascendo uma companhia que une a habilidade em design da Nokia com a precisão fabril da Foxconn.
Se tudo der ainda mais certo, essa nova empreitada vai se casar com a divisão de equipamentos de rede da Nokia. Depois da compra da Alcatel-Lucent, a Nokia está focada em construir redes de conexão 5G – supostamente a espinha dorsal de um mundo de aparelhos interconectados, capazes de se comunicar entre si (aquilo que está se convencionando chamar de “internet das coisas”).
Em abril, a empresa finlandesa comprou a companhia francesa Withings, por 191 milhões de dólares. A Withings faz uma série de gadgets de saúde, como balanças, monitores de pressão, um termômetro e um relógio inteligente. É possível que, em breve, a Nokia tenha, além de celulares, relógios inteligentes, luzes ambientes, monitores de bebês – preparando-se para o mundo de casas automatizadas e aparelhos que se comunicam uns com os outros.
(David Cohen)