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A máquina da construção

Como -- com o setor imobiliário quase estagnado -- a Cyrela dobrou de tamanho em 2004

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Os corretores que vendem apartamentos da Cyrela, a maior incorporadora de imóveis do país, já sabem -- das 5 da tarde de sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado, é proibido fechar qualquer negócio. Nesse período, todos os 1 000 funcionários da empresa estão impedidos de fazer qualquer atividade que possa significar trabalho. "Nossos corretores são rigorosamente orientados a não assinar nenhum contrato nem receber cheques aos sábados", diz Rogério Santos, diretor da imobiliária Abyara, que vende 80% dos imóveis da Cyrela. É natural que, entre a decisão eufórica tomada no sábado e a hora H de assinar no domingo, muita gente desista da compra. O empresário Elie Horn, controlador da Cyrela, sabe muito bem que, num mercado em que mais da metade dos negócios são fechados justamente no sábado, essa possibilidade é real. Mas ele prefere correr o risco de perder vendas a desrespeitar o shabbat -- o dia sagrado de descanso semanal judaico.

Pelo que os números indicam, a necessidade de trazer os clientes de volta no domingo não tem sido um empecilho para os negócios de Horn. A média de vendas dos lançamentos da Cyrela tem sido de 70% ao ano -- ante 50% do mercado como um todo. "Os imóveis da Cyrela são vendidos com mais rapidez que os das outras", diz um executivo de uma imobiliária. De acordo com a Embraesp, empresa que acompanha o mercado imobiliário na cidade de São Paulo, a Cyrela vem ocupando a liderança do setor nos últimos quatro anos. No ano passado, a empresa lançou em São Paulo mais de 283 milhões de dólares em prédios residenciais e de escritórios, montante 140% superior ao de 2003. Trata-se de um movimento extremamente agressivo. No mesmo ano, as 400 empresas do setor não cresceram mais do que 8%. "Estamos num período de expansão", diz Ubira jara de Freitas, diretor da área de incorporações residenciais da Cyrela, responsável por 80% das receitas da empresa.

Embora os lançamentos ainda não sejam sinônimo de vendas, os especialistas interpretam esses números como sinal evidente de vitalidade num momento especialmente promissor para esse mercado. Medidas recentes do governo devem fazer com que neste ano o setor financeiro despeje quase 5 bilhões de reais no mercado imobiliário residencial. A Cyrela parece a empresa mais preparada para atraí-los. "Ela é a mais capitalizada e a que tem maior liquidez", diz um concorrente. "Também é a que tem mais poder de fogo para pagar à vista pelos melhores terrenos." Numa cidade como São Paulo, o terreno pode representar até 35% do custo total de um imóvel. A Cyrela está prestes a descobrir se os investidores a vêem da mesma forma que os especialistas. No início de maio, a Comissão de Valores Mobiliários recebeu um comunicado avisando que Cyrela e Brazil Realty, o braço imobiliário comercial de Horn, querem se transformar numa empresa só e estrear no Novo Mercado da Bovespa, o ambiente de negociação de ações que exige práticas transparentes de governança corporativa, onde já estão empresas como Natura e Dasa. Os executivos da Cyrela preferem não revelar a data de lançamento das ações.

Tudo o que cerca Horn parece sempre envolto em mistério. O empresário, nascido em 1944 na cidade de Alepo, na Síria, está no Brasil desde os 11 anos. Na adolescência, começou a trabalhar com os irmãos na construtora Cyrel. Formou-se em direito e, em 1978, depois de 20 anos lidando com terrenos, cimento e tijolos, criou a própria empresa, a Cyrela. Horn é discretíssimo, nunca concede entrevistas e não se deixou fotografar para esta reportagem. Raramente é visto em badalações. Seus compromissos se limitam aos deveres religiosos e profissionais. "Ele trabalha umas 15 horas por dia", diz uma funcionária. Quem o conhece diz que Horn é um negociador duríssimo, que não desiste até o adversário baixar o preço. Às vezes, lança mão de recursos heterodoxos. Certa vez, chamou um rabino para ajudar a resolver um impasse. "Quando não quer ceder mais, ele sugere que os dois lados façam a doação da diferença em discussão a instituições de caridade", diz Meyer Joseph Nigri, dono da Tecnisa -- parceiro, concorrente e amigo de Horn há mais de 20 anos. "O interlocutor fica sem argumentos e, em geral, o negócio é fechado." A Cyrela também deve muito do seu vigor a uma controvertida personalidade do mundo dos negócios -- o financista húngaro George Soros. Em 1993, Horn se uniu ao grupo imobiliário argentino Irsa, ligado a Soros, para fundar a Brazil Realty. A parceria com a empresa de Soros se desfez em 2002, quando, combalida pela crise econômica argentina, a Irsa vendeu sua parte na sociedade a Horn.

O avanço da Cyrela
Valor total dos imóveis lançados pela Cyrela no ano passado
em comparação com 2003 (em milhões de dólares)(1)
Cyrela
2003
118
2004
283
Variação
140%
Mercado
2003
2 651
2004
2 885
Variação
8%
(1) Região Metropolitana de São Paulo
Fonte: Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp)

Não é apenas o poder de investimento que explica a expansão da Cyrela. Sua estratégia inclui três pilares: as parcerias com concorrentes, o foco na clientela mais rica e a aposta na internet como canal de vendas. Graças ao primeiro pilar, a Cyrela ganha ainda mais fôlego para investir. "Dos 12 empreendimentos que lançamos em São Paulo no ano passado, 30% têm investimentos de empresas que eram nossos tradicionais concorrentes", diz Freitas. A estratégia de parcerias com rivais tem sido uma tendência internacional -- as construtoras americanas Hines e Tishman Speyer, dona do Rockefeller Center, de Nova York, já fizeram da prática uma rotina. O segundo pilar da estratégia, a concentração em produtos para famílias de alto poder aquisitivo, a Cyrela já estendeu, nos últimos dois anos, para fora de São Paulo, com prédios de alto padrão no Rio. O público que se interessa por esse tipo de imóvel também tem sido mais sensível ao terceiro pilar, o uso da internet. "A rede representou 10% dos resultados das vendas em 2004", diz Deia Gorayeb, responsável pela área, que reúne dez corretores online. "Já oferecemos imóveis pela internet a brasileiros no exterior", diz ela. "O próximo passo são estrangeiros interessados em investir no Brasil." A chegada de capital estrangeiro é também o maior desafio que Horn terá de enfrentar. Gigantes globais como a Tishman e Hines, donas de alta tecnologia e grande capacidade de investimento, já começaram a fazer parcerias no país. A Tishman firmou alianças com a Company e com a Even Engenharia para estrear no segmento residencial brasileiro, tradicional praia da Cyrela. E, para complicar um pouco mais a vida de Horn, as estrangeiras aceitam fechar negócio aos sábados.

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