A paulistana Fátima Ferreira começou sua história profissional, aos 17, como secretária de uma empresa de seguros e hoje integra o restrito grupo de mulheres que chegaram ao ápice da carreira.
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h32.
Não é novidade -- nem para os homens! -- que a participação das mulheres no mercado de trabalho, embora crescente ano a ano, guarda uma série de contradições que as colocam numa condição desprivilegiada diante de seus colegas do sexo masculino. Mesmo com escolaridade maior, elas ganham menos, têm dificuldade de ascender na carreira a partir de um certo ponto e, não bastasse as horas dedicadas à labuta nas empresas, ainda gastam outras tantas para dar conta da casa e da família. Com exceção da diferença de salários em funções similares (que todas as organizações se apressam em negar), em geral, um balanço dos dados fornecidos pelas melhores empresas para trabalhar deste ano repete o que os índices oficiais sobre o mercado de trabalho já indicam: entre as mulheres, 31,8% fizeram curso superior e 16,4% têm pós-graduação; para os homens esses números são 22,1% e 12%, respectivamente. Mesmo que não haja diferenciação de rendimentos, as mulheres são maioria nos salários menores e vão rareando no topo da pirâmide salarial. Das 38 841 mulheres que responderam à pesquisa, 30,6% se posicionam na faixa de rendimento de até 700 reais e apenas 4,5% ganham acima de 6 300 reais. Do lado deles, um em cada cinco ganha até 700 reais e oito em cada 100 estão no topo dos salários.
Apesar de todo esse contexto, a não-discriminação por gênero foi um dos pontos marcantes nas conversas com funcionários e funcioná rias das empresas classificadas para o Guia. Entre as melhores para as mulheres, então, era a resposta preferencial ao questionamento do porquê aquela organização poderia ser considerada por elas um bom lugar para se trabalhar. Acontece que a discriminação existe, sim. É o que garantem estudiosos do assunto, como Betânia Tanure, professora da Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, Minas Gerais, e autora de diversos estudos sobre diferenças entre gêneros no mercado de trabalho. E existe às vezes de forma sutil, como nos casos de grandes empresas que selecionam trainees e brecam a contratação das mulheres se elas estiverem em maior número. A própria Betânia testemunhou o susto de um empresário ao verificar que a maioria dos "traineiros" era do sexo feminino. "E se todas resolverem engravidar ao mesmo tempo?", era o temor dele.
Barreira invisível
De acordo com a professora Betânia, o "filme" do ingresso da mulher no mercado de trabalho é positivo porque, de fato, muita coisa melhorou, mas o retrato do momento atual ainda revela alguns problemas. "Vejo um cenário positivo e com tendência a melhorar, mas a situação ainda não é de igualdade", diz. Um dos problemas mais evidentes é o que se convencionou chamar de "teto de vidro", barreira invisível que impede o avanço das executivas em condições iguais às dos homens. Nos altos cargos, as mulheres estão bem representadas na função de gerentes. Mas, se quiserem ir além disso, precisam suar o tailleur. É aí que o tal teto de vidro aparece. "É um limite de ascensão, pelo qual dificilmente a mulher consegue passar. Para disputar cargos como esse, não basta ter qualificação semelhante à dos homens com os quais vai concorrer. Ela só consegue se tiver mais, se comprovar mais habilidades do que ele", diz Cristina Bruschini, doutora em sociologia e coordenadora do grupo de Estudos de Gênero da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo. As vigas que sustentam essa barreira, segundo ela, são questões de ordem cultural que ainda dominam a cabeça de alguns empresários e executivos, como a crença de que a mulher, por ter de dar conta das demandas domésticas, não conseguiria dedicar todo o tempo que a companhia lhe exigirá. Nos quadros das empresas do Guia deste ano, elas são 10,73% entre os diretores e 22,02% entre os gerentes.
Lucimara Makhoul, diretora comercial do ABN Amro Real, diz que as barreiras subjetivas que existem no meio do caminho das carreiras femininas precisarão de uma geração para serem extintas. E nada de culpar apenas causas externas. "Muitas delas, cerca de 25%, não aspiram cargos mais altos, porque estão satisfeitas onde estão", diz.
Mas o que é então uma boa empresa para a mulher trabalhar, considerando as dificuldades históricas? "Aquela que cumpre a lei e oferece um pouco mais", diz Cristina, da Fundação Carlos Chagas. "É aquela que reconhece as diferenças e dá condições para que as funcionárias dêem conta de tudo, sem culpa", diz Betânia. Para a professora, o benefício tem significado mais filosófico do que físico ou financeiro "Uma das coisas de que as mulheres se ressentem é que colocaram mais coisas na mala da responsabilidade, mas não tiraram nenhuma", diz ela. No universo das melhores para as mulheres, o respeito à lei e, às vezes, um pouco mais, é o que garante o alto grau de aprovação entre elas.
Como são selecionadas as melhores para elas |
• Para ser considerada para este ranking, a empresa precisa estar entre as 150 melhores e ter pelo menos 25% de mulheres no quadro de funcionários. • Os critérios de seleção são os mesmos adotados na escolha das 150 melhores empresas.A diferença é que há questões específicas para verificar as políticas de atração e retenção da força feminina de trabalho. • A composição da nota final também segue o mesmo critério adotado para as 150 melhores empresas: 70% se referem à visão das funcionárias sobre a organização em que trabalham; 25% às políticas da empresa e 5% à visita dos jornalistas. • Para chegar ao ranking das 10 melhores para a mulher trabalhar é utilizado o mesmo sistema usado para consolidar o ranking das 10 melhores na classificação geral: depois de feitos os cálculos da nota final, as empresas são reorganizadas de acordo com a percepção de suas funcionárias sobre elas. Em cima disso, os jornalistas da VOCÊ S/A e a equipe da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA-USP) discutem se essas organizações podem realmente ser consideradas um modelo para o mercado. |
Auxilio para os filhos
A São Bernardo Saúde, 1a do ranking, nasceu em Colatina (ES) há 18 anos e hoje está em todo o Estado, com 300 funcionários -- 60% dos quais mulheres -- e faturamento de cerca de 30 milhões de reais. A empresa oferece auxílio-leite (um litro por dia até os 6 anos de cada filho), auxílio-creche (100 reais por filho até os 6 anos) e auxílio material escolar (85 reais por filho de até 14 anos) para mães e pais. "Quando criamos o auxílio-creche e material escolar, eles eram voltados apenas às mulheres, mas os homens reclamaram e nós resolvemos incluí-los", conta o presidente, Walter Luiz Dalla Bernardina. Segundo ele, as mulheres têm liberdade e flexibilidade para acompanhar os compromissos dos filhos na escola ou médicos e até levá-los ao trabalho, caso não tenham com quem deixar em alguns dias. A São Bernardo permite também que a bolsa de graduação -- que vai de 20% a 80% -- seja transferida a um filho, se o funcionário com mais de dez anos de casa não tenha interesse em ingressar na universidade. Na Landis+Gyr, fabricante paranaense de medidores de energia e 2a colocada no ranking, o auxílio-creche de 140 reais segue por toda a vida escolar, até a universidade. Para as grávidas, há programa de maternidade sem risco, com palestras educacionais. Como se vê, as mulheres que trabalham nessas e nas outras empresas da lista têm mesmo boas razões para elegê-las como as melhores.
São Bernardo Saúde
A campeã é um exemplo de empresa que oferece o algo além do exigido por lei. Uma medida inovadora foi o estabelecimento de convênio com uma cirurgiã plástica, para que as funcionárias que queiram recauchutar a imagem possam fazê-lo a preços bem abaixo do mercado. A médica cortou 50% dos custos e a empresa paga metade do restante do pacote, batizado de auxílio-estética. No fim das contas, sobra às mulheres 25% do custo original. Elas também têm desconto de 50% em salões de belezas conveniados. As medidas são um estímulo para que elas estejam bem apresentadas para atender os clientes.
Natura
As políticas da Natura voltadas às mulheres já são hoje referência fora das dependências da fábrica. A empresa, que liderou o ranking entre 2003 e 2005, é citada por especialistas no assunto como exemplo imediato de instituição que adota políticas facilitadoras para as funcionárias. E a creche, contígua à empresa, onde as mães podem deixar as crianças e visitá-las a qualquer hora, é o exemplo mais lembrado, mas não é o único. Há um ginecologista de plantão e as mulheres podem fazer tratamentos terapêuticos dentro da fábrica.