Exame Logo

A corrente da felicidade

Para o presidente da SAS, uma das 20 melhores empresas para trabalhar dos Estados Unidos, o sucesso começa pela satisfação dos empregados. Funcionários felizes fazem felizes os clientes, que gastam mais e, é claro, deixam-no feliz

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

O americano Jim Goodnight, de 59 anos, co-fundador e presidente da SAS, a maior empresa de software de capital fechado do mundo, com vendas de 1 bilhão de dólares no ano passado, contradiz boa parte das premissas do universo corporativo atual. Avaliação anual de desempenho dos funcionários? A SAS não tem. Motivo: para Goodnight, se um chefe precisa de um compromisso formal para conversar uma vez por ano com seus subordinados, algo não vai bem. Espaços abertos no escritório? Nada disso. Quase todos os funcionários têm salas próprias, mesmo os que trabalham em áreas técnicas. É para evitar que a movimentação e a conversa de um tirem a concentração do outro. E stock options -- a oferta de ações aos funcionários a preços abaixo dos de mercado --, que atraíram milhares de profissionais para empresas de tecnologia antes da explosão da bolha da internet? A SAS nem quer ouvir falar delas. Fundada há 27 anos, a empresa de Goodnight até agora se manteve longe das bolsas de valores. "Poderemos abrir o capital no futuro", diz Goodnight. "Preferimos fixar o foco no longo prazo, longe da pressão de Wall Street por ganhos trimestrais."

As peculiaridades da SAS não param por aí. Potes de chocolate ficam à disposição dos funcionários todas as quartas-feiras. Há duas artistas plásticas contratadas apenas para manter o acervo de cerca de 3 000 obras de arte espalhadas pelos corredores do QG da companhia, em Cary, na Carolina do Norte. A SAS mantém, a poucos quilômetros dali, um clube de campo pelo qual os funcionários pagam um passe de 3 000 dólares -- 10% do que poderia custar. Um pianista toca músicas enquanto os funcionários almoçam no restaurante da empresa. Os pais podem comer junto com os filhos, que ficam num berçário mantido pela própria SAS. Se eles já estão em idade de ir à escola, um grupo de funcionários ajuda a escolher a melhor. Médicos? Eles estão ali mesmo no escritório. Mecânico? A SAS providencia.

Veja também

O que pode parecer apenas uma extravagância é justificado por Goodnight de acordo com a lógica dos negócios. Segundo ele, a companhia sempre foi lucrativa. As vendas cresceram 12% em 2002 em relação ao ano anterior. A rotatividade dos 9 000 empregados da SAS, que vem figurando no ranking das 20 melhores empresas para trabalhar da revista Fortune, nos últimos seis anos, é de 3%. A média no setor de tecnologia nos Estados Unidos está em torno de 20%. A baixa rotatividade dá retorno: o renomado professor da Universidade Stanford Jeffrey Pfeffer, que freqüentemente apresenta o estilo de gestão de pessoas da SAS em seminários para executivos, estima uma economia anual em torno de 70 milhões de dólares apenas em recrutamento. Formado em estatística pela Universidade da Carolina do Norte, onde ainda leciona, Goodnight falou por telefone a EXAME.

Como o senhor resume o estilo de gerenciar pessoas da SAS?

Tentamos tratar as pessoas como se elas fizessem a diferença. Quando tratamos as pessoas assim, elas normalmente fazem a diferença. Queremos criar um ambiente em que elas se sintam felizes e prontas para dar o melhor de si mesmas. Desenvolver softwares exige muita criatividade e dedicação.

De onde o senhor tirou inspiração para criar esse modelo?

Viemos de um ambiente mais informal, o da universidade. Sempre tivemos aqui dentro um relacionamento amigável -- quase familiar. Quando a SAS começou, todos eram proprietários da companhia. Cada um mantinha bastante independência e trabalhava nas próprias pesquisas. Não havia uma grande quantidade de gerentes vigiando as atividades em andamento. Crescemos e continuamos a operar da mesma maneira. A SAS é uma organização bem horizontal, com poucos níveis gerenciais. Temos uma visão de trabalho em times. Nossos líderes são "gerentes mão na massa". Eles fazem o mesmo trabalho que as pessoas que supervisionam. Isso estimula a camaradagem e o respeito porque todos estão dividindo os mesmos desafios e sucessos.

E como surgiram algumas idéias mais pontuais e extravagantes, como contratar artistas plásticos para espalhar obras de arte pela empresa?

É uma boa maneira de inspirar a criatividade nas pessoas. Além disso, temos muitas salas fechadas e, por isso, há muita parede disponível. (Risos.)

Ter salas fechadas não é um retrocesso?

Acreditamos que manter salas fechadas é a melhor maneira de as pessoas se concentrarem no trabalho e não se distraírem com a movimentação do vizinho.

Os gerentes são estimulados a fazer uma reunião periódica para avaliar o desempenho dos subordinados?

Não há uma avaliação formal. Se a empresa vai bem, todos ganham bônus. Houve uma época em que mantivemos uma avaliação formal para todos, que se repetia a cada ano. O processo é muito estressante para os gerentes e para os subordinados. Eu mesmo nunca fiz isso. Sei o que os executivos estão fazendo e lido com eles todos os dias.

A ausência de um processo formal não torna mais difícil descobrir quem ou qual área eventualmente causam algum problema?

Os gerentes deveriam saber o que está bem ou mal. Se o resultado não chega ou se um produto não fica pronto, resolvo numa conversa.

Talvez essa informalidade ajude a estimular conversas diárias...

É verdade. Mas não é uma mudança imediata. Antes de cancelarmos o programa de avaliação, alguns gerentes me disseram: "Gostamos desse processo porque podemos nos sentar e falar com cada subordinado". Eu disse a eles: "Esperem um minuto. Vocês não estão fazendo isso todos os dias? Como assim nós precisamos fazer isso uma vez por ano?" Realmente espero que meus gerentes conversem com todo mundo o tempo todo.

Vocês nunca tiveram stock options?

Não. E esse tipo de incentivo parece ter saído de moda agora.

Por que o senhor nunca acreditou em stock options, mesmo no auge da bolha da internet?

A maioria das pessoas que trabalham na SAS não está aqui pelo dinheiro. Está por causa dos desafios profissionais e pelas características do ambiente de trabalho. Não acredito que dinheiro motive. Não tem nada errado com o dinheiro. Ao contrário. Pagamos salários condizentes com os do mercado e damos ótimos bônus. Mas acreditamos que, se a pessoa puder escolher entre um trabalho que dá dinheiro e outro que dá diversão, em geral ela ficará com a segunda opção. Uma pesquisa realizada há cerca de um ano mostrou que 87% dos nossos funcionários não gostariam que a empresa abrisse o capital. Eles sabem que uma das primeiras providências numa empresa de capital aberto, quando o mercado cai, é mandar gente embora. Numa empresa fechada, posso tomar a decisão contrária. Comuniquei ao pessoal claramente que teríamos uma redução dos resultados -- o bônus seria um pouco menor --, mas que não se preocupassem. Alguns CEOs bem conhecidos já me aconselharam a não abrir o capital porque isso faria da minha vida um tormento. Poderemos abrir a SAS em algum momento no futuro. Por enquanto, mantê-la fechada permite concentrar o foco no longo prazo sem nos atermos às pressões por ganhos trimestrais em Wall Street.

A SAS tem algum tipo de premiação individual?

Apenas na área de vendas. Lá é possível estabelecer e medir metas mais claramente. Na área de desenvolvimento de software, por exemplo, é mais difícil. Todos os demais funcionários recebem um bônus no fim do ano que varia conforme o lucro da companhia.

Qual é o maior erro que as empresas cometem no que se refere à gestão de pessoas?

Demiti-las antes de tentar outras maneiras de reduzir custos e manter os resultados. Atualmente, muita gente fala sobre tempos difíceis, em que os empregados têm de trabalhar mais e não recebem reconhecimento em troca. Isso pode ser um problema.

O senhor acredita que é possível assegurar o emprego dos funcionários para a vida toda?

Temos uma política de não demitir. E, para isso, tomamos todos os cuidados na hora de contratar. Mas é impossível fazer um acordo formal de não-demissão. Nenhuma empresa pode garantir isso. Podemos fazer o nosso melhor para evitar que isso aconteça, mesmo em tempos de crise. Conseguimos fazer isso até agora. Uma das maneiras é sempre manter os gastos em sintonia com o que entra em caixa mesmo nos momentos de euforia. Na indústria de softwares, grande parte dos custos é com salários. Quando há uma queda no mercado, deixamos de contratar.

Vocês têm alguma dificuldade em ir contra a corrente?

Ao contrário. Se as pessoas estiverem felizes, elas vão tratar bem os clientes. Clientes satisfeitos compram mais. A empresa consegue dinheiro. E, então, eu fico feliz. É assim que deveria funcionar.

Até que ponto a manutenção da cultura da SAS depende do senhor?

Acho que ninguém sentiria a minha falta se eu não aparecesse mais por aqui. A companhia continuaria funcionando como agora.

Por que parece ser tão difícil encontrar empresas que sigam um modelo parecido com o da SAS?

É necessário o comprometimento dos líderes. E, em grande parte das companhias abertas, é preciso um pouco mais: que eles consigam convencer seu conselho de administração de que vale a pena investir no longo prazo. Aqui, sou o meu próprio conselho.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Negócios

Mais na Exame