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A cidade não está para peixe

É mais difícil achar peixaria do que açougue

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

açougueVocê reparou que em São Paulo é mais difícil comprar peixe do que carne, mesmo em restaurantes? Só na capital existem 3 500 açougues. Em contraste, há menos de 50 peixarias e menos de 200 bancas -- de um total de 10 000 existentes nas 900 feiras livres da cidade -- que vendem pescados. Há quem diga que é uma questão de hábito alimentar. Será? O Brasil foi colonizado por portugueses, e São Paulo abriga a maior comunidade de italianos e de japoneses fora de seus países. São povos que dão ao peixe um papel importante na alimentação.

A costa brasileira se estende por 9 200 quilômetros. Há várias formas de desenvolver a atividade pesqueira, que inclui a pesca oceânica, a costeira, a artesanal, a de lazer e a piscicultura. Mas o Brasil anda mal em todas elas. Falta profissionalismo, não há crédito, não há tecnologia. E quem perde com isso é a população.

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Para piorar, antes de chegar à mesa do consumidor, o peixe passa pelas mãos de vários intermediários. Resultado: um peixe que rendeu 1 real ao pescador pode chegar à feira por 10 reais. Como não se aproveitam a cabeça, as vísceras, o rabo, a espinha e as escamas, o consumidor acaba pagando até 20 reais o quilo. Compare com a carne bovina, que tem uma cadeia logística já estruturada: no pasto a carne é comprada por pouco mais de 3 reais o quilo e chega ao açougue custando por volta de 5 reais.

O país poderia mirar-se no exemplo da China, onde a piscicultura é tratada como uma questão estratégica de segurança alimentar. Segundo José Oswaldo Mendonça, do CEPTA/Ibama, a China produz anualmente 27 milhões de toneladas de peixe de água doce. O Brasil não chega a 0,5% disso. A Ceagesp movimenta por ano o equivalente a 3 quilos de pescado por pessoa, considerando-se a população da Grande São Paulo. Já o consumo de carne bovina é estimado em 35 quilos ao ano por pessoa. Outro dado: de acordo com a última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, os gastos com pescado representam em São Paulo menos de 1% das despesas com alimentos, em comparação com cerca de 10% da carne bovina e mais de 3% do frango.

O Brasil produz a proteína animal (bovino, suíno, frango) mais barata do mundo. Se a esses produtos acrescentasse o pescado, poderia contribuir para o programa Fome Zero do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, o problema maior parece não ser a produção, mas sim a logística. O país não tem infra-estrutura, nem regularidade, nem padrão, nem distribuição, nem preço. Mas tem grandes condições de ampliar a piscicultura e de profissionalizar a pesca. O que falta é gestão.

Tudo isso explica por que não há muitos restaurantes que servem pescado em São Paulo. O empresário que se aventura a montar esse negócio é obrigado a construir sua própria rede de fornecedores e uma logística que inclua os aeroportos. Caso contrário, terá de se contentar em servir um bom bacalhau e em oferecer a opção entre um vinho branco e um tinto -- pois, como dizem os portugueses, bacalhau não é peixe.

(N.R.: o articulista é proprietário do restaurante Amadeus, em São Paulo, especializado em frutos do mar.)

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