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Vai faltar mão-de-obra qualificada na Polônia, diz especialista

Professor do Centro Europeu Natolin, de Varsóvia, diz que governo polonês pensa em trazer indianos e utilizar prisioneiros para tocar obras de infra-estrutura

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h39.

A Polônia está preocupada com sua força de trabalho. Destino de uma enxurrada de investimentos, o país agora se empenha para melhorar sua infra-estrutura, mas sofre com um problema estrutural: a falta de mão-de-obra qualificada. Em entrevista a EXAME, o professor Rafael Trzaskowski, do Centro Europeu Natolin, de Varsóvia, falou sobre como essa questão afeta a economia polonesa.

Portal EXAME - Como pode um país com altas taxas de desemprego, uma das maiores economias da União Européia, sofrer com a falta de mão-de-obra?

Rafael Trzaskowski - Primeiro, é importante dizer que a maioria das informações sobre desemprego são superestimadas. Há uma grande diferença entre as estatísticas oficiais e a realidade. Muitas pessoas que se declaram desempregadas trabalham em atividades como de doméstica ou garçom, sem registro. Elas declaram ao governo que não trabalham para não pagar impostos e receber auxílio. O desemprego na Polônia é, de fato, alto, mas é menor do que a maioria das estimativas apontam e varia muito de região para região. Estimativas mais razoáveis seriam entre 9% e 10%, não 13% e 16%.

Sobre a falta de mão-de-obra, há vários fatores. Alguns empregos as pessoas simplesmente não querem aceitar. Tomemos um exemplo na agricultura: um colhedor de morangos. É uma atividade que paga muito mal, cerca de 200 dólares por mês, e que exige um grande esforço ao trabalhador. Os poloneses não querem trabalhar por 200 dólares por mês, preferem ficar em casa. Para a Polônia é muito pouco, mas, por outro lado, muitos ucranianos vêm para trabalhar aqui porque 200 ou 300 dólares ao mês é uma excelente remuneração para a realidade em que vivem.

Outro grande problema na Polônia é a falta de mobilidade: é muito caro alugar um apartamento ou uma casa, por exemplo. Se você é de uma grande cidade, como Varsóvia, Cracóvia, Katowice, quase não há desemprego. Na Cracóvia, a taxa de desemprego é de cerca de 2%. Nas cidades grandes, as taxas variam entre 2 e 3%. No entanto, a mobilidade dos trabalhadores na Polônia é muito pequena, porque é difícil alugar um imóvel nessas cidades. Um apartamento em Varsóvia pode custar 300 dólares. Assim, por mais que haja empregos em Varsóvia, as pessoas desempregadas em regiões com taxas de 13%, 14% ou 16% de desemprego não podem se mudar para as cidades grandes porque não encontrarão um lugar para viver.

EXAME - É mais fácil se mudar de país?

Trzaskowski - Sim. E por quê? Porque na Polônia, em Varsóvia, eles ganhariam 315 dólares ou 400 dólares e teriam que pagar 300 dólares por um apartamento. Enquanto na Inglaterra eles podem ganhar 1 000 ou 2 000 dólares pela mesma função e alugar um apartamento mais barato.

EXAME - Mesmo que eles não queiram deixar seu país, compensa mais...

Trzaskowski -Alugar um apartamento na Inglaterra ou na Irlanda é mais caro do que na Polônia, claro, mas você ganha até seis vezes mais do que na Polônia. Dependendo da função, seis, sete, dez vezes mais. Um motorista de ônibus, por exemplo, na Polônia, ganharia 400 ou 500 dólares. Na Inglaterra, ganharia cerca de 2 000 libras.

EXAME - Qual é a razão para a entrada de tantos investimentos estrangeiros na Polônia?

Trzaskowski -Simples: União Européia: isso explica tudo.

EXAME - Como vocês lidam com essas duas questões juntas? Falta de mão-de-obra e investimentos crescentes?

Trzaskowski -As empresas investem na Polônia, como investem no Brasil ou na Índia, porque a mão-de-obra é barata. Mas porque eles escolhem a Polônia e não o Brasil? Primeiro, porque, quando entramos na União Européia, isso passou a significar livre trânsito no mercado europeu: não há taxas, é um único mercado comum, então os bens podem circular livremente, e, no topo, você tem uma única regra para toda União Européia. Você pode ter certeza que, ao investir dinheiro, as regras aplicáveis na Polônia serão as mesmas aplicadas à Alemanha ou à França.

EXAME - Os investimentos agravam o problema da baixa remuneração?

Trzaskowski -Até o momento, nós temos força de trabalho suficiente. Mas as autoridades estão preocupadas com um futuro próximo, quando precisaremos de muitas pessoas. Há muitas razões para isso. Estamos nos desenvolvendo rapidamente por conta dos investimentos vindos para o país, então estamos ampliando a infra-estrutura, e vamos precisar ampliá-la ainda muito mais. Seremos, com a Ucrânia, sede da Eurocopa de 2012. Isso significa que, até lá, teremos que construir muitas estradas, hotéis, estádios etc. Por isso num futuro próximo a situação será problemática. Precisaremos de pessoas qualificadas. Para colher morangos, não é necessária nenhuma habilidade, mas para construir um hotel, sim. Não engenheiros, mas com pessoas com conhecimentos técnicos são necessárias e os poloneses qualificados foram para Inglaterra e para a Irlanda para ganhar mais dinheiro.

É por conta dessa ampliação de infra-estrutura que o governo está se preparando para suprir essa demanda, considerando trazer indianos e utilizar prisioneiros.

Outra questão é que temos muitas pessoas desempregadas na Polônia que são totalmente despreparadas. Muitas são idosas e não querem aprender novas atividades ou não são capazes de aprender novas tarefas, ou moram em lugares distantes dos mercados para sua profissão.

EXAME - Existe também um problema de educação, então?

Trzaskowski -Há um problema de educação, mas há um fator ainda mais preponderante: estamos em transição. Sob o comunismo, havia milhares de grandes empresas funcionando e pessoas empregadas. A economia comunista não era como a capitalista. Muitas empresas não eram necessárias ou suficientemente eficientes, mas como tudo era do governo, elas não eram incomodadas. De repente um novo sistema se impõe, tudo se resume a eficiência e muitas dessas empresas, que não eram bem administradas, não eram produtivas, competitivas ou que eram desnecessárias vão à bancarrota. E de repente, trabalhadores que não eram muito jovens, que só possuíam técnica em uma coisa, estão no gelo, não podem fazer nada. É fácil treinar jovens, mantê-los motivados, mas com as pessoas idosas, a situação é outra.

EXAME - Mas o desemprego entre os jovens não é ainda maior?

Trzaskowski - Entre os jovens, o problema é outro. Se você olhar o mapa da Polônia, há grandes regiões, por exemplo, no Norte da Polônia, onde não há investimentos. Se você é jovem numa região desenvolvida, você tem trabalho. Mas se você é do leste ou do norte da Polônia, onde não há investimentos e as velhas companhias faliram e num raio de 2 000 quilômetros não há trabalho, o que você pode fazer? Ninguém quer lhe proporcionar qualificação técnica, você acabou de sair da escola, que não lhe proporcionou qualificações suficientes para um trabalho, e não há emprego. O leste e parte da Polônia estão em estado precário, não há infra-estrutura. Os maiores investidores estão no oeste e em parte do sul da Polônia, mas principalmente no oeste, especialmente nas regiões vizinhas à Alemanha, que estão melhor conectadas à infra-estrutura de fluxo de produção. Mas há também uma razão histórica. Estas são as regiões mais desenvolvidas da Polônia, enquanto o leste era dominado pela Rússia no século XIX.

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