Um jornal instantâneo faz sucesso
Nicola Clark © 2016 New York Times News Service Na manhã seguinte ao dia em que o Reino Unido votou para deixar a União Europeia, Matt Kelly entrou em um café em uma rua coberta de grafites no elegante bairro de Shoreditch, em East London. Normalmente silenciosos e distantes, os clientes que faziam fila para […]
Da Redação
Publicado em 28 de setembro de 2016 às 13h13.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h29.
Nicola Clark
© 2016 New York Times News Service
Na manhã seguinte ao dia em que o Reino Unido votou para deixar a União Europeia, Matt Kelly entrou em um café em uma rua coberta de grafites no elegante bairro de Shoreditch, em East London.
Normalmente silenciosos e distantes, os clientes que faziam fila para comprar suas bebidas estavam entretidos por uma animada discussão sobre a votação e suas consequências. A maioria dos jovens de 20 a 30 e poucos anos, alguns funcionários de uma das várias startups das vizinhanças, parecia unida na consternação a respeito dos resultados.
“Eu me dei conta: aqui havia uma audiência claramente identificável e apaixonada. Se alguma vez houve um bom momento para lançar um novo jornal, aquela era a hora”, diz Kelly, que foi por muito tempo executivo de um jornal britânico e agora é chefe de conteúdo da Archant, um grande grupo de jornais inglês.
Menos de duas semanas depois, no começo de julho, o New European, um jornal impresso semanal, chegou às bancas de todo o país. O jornal, concebido para ser uma experiência finita, de um mês, está chegando a sua 11ª semana depois de se provar surpreendentemente rentável e um sucesso entre os leitores.
O New European, publicado pela Archant, é parte de uma experiência mais ampla que está acontecendo na mídia impressa.
Enquanto editoras grandes e pequenas lutam pela sobrevivência em um momento de rápida transição digital, os veículos impressos são um desafio caro para a indústria. Recentemente, muitas editoras grandes optaram por diminuir a escala ou sair completamente do mercado de impressos. Outras tentaram reforçar o seu fascínio oferecendo produtos digitais ou usando o impresso para entregar conteúdo exclusivo.
Algumas editoras de tamanho médio focaram em portfólios de títulos menores que podem ser produzidos usando uma única infraestrutura de gráfica, redes de distribuição e marketing. Essas economias de escala podem reduzir significativamente os custos marginais – e os riscos – de desenvolver novos produtos impressos.
A Archant tinha o tamanho e a rede de distribuição – é a quinta maior editora de jornal da Inglaterra por lucro e circulação – e a equipe de funcionários. Então, decidiu experimentar o que chama de edição instantânea ou “pop-up”.
“É uma demonstração encorajadora de que mesmo no impresso, um editor esperto pode dizer: ‘Vamos tentar algo diferente’”, afirma Jane Singer, professora de jornalismo e inovação da Universidade City London.
Ao manter seus custos iniciais e suas ambições modestas, o New European até agora conseguiu evitar o destino de alguns dos chamativos fracassos do mercado de jornais ingleses.
O Trinity Mirror, um dos maiores grupos de mídia da Inglaterra, fez uma agressiva campanha de marketing quando o New Day foi lançado este ano. Mas o jornal, que era apenas impresso, nunca chegou aos 200.000 leitores diários que procurava, e deixou de ser publicado depois de apenas dez semanas. A editora regional CN Group tentou algo parecido, mas também fracassou depois de apenas um mês.
As duas experiências, focadas em públicos de interesse geral, falharam em captar demanda suficiente de leitores e anunciantes para justificar os investimentos iniciais já relativamente modestos de seus editores.
Em contraste, o New European foi concebido como uma publicação de nicho. Os editores focaram nos 48 por cento dos britânicos que em 23 de junho votaram por ficar na União Europeia – um público potencial de cerca de 16 milhões de leitores que pensam parecido. Como a intenção era a de que tivesse vida curta, a Archant evitou gastar quantias imensas em pesquisas de mercado e campanhas publicitárias.
“Na verdade, nunca pensamos em criar uma marca de longo prazo. Nós o estruturamos para ganhar dinheiro em um período de quatro semanas”, diz Jeff Henry, executivo-chefe da Archant.
A primeira edição, com o preço de duas libras (2,65 dólares), vendeu mais de 40.000 cópias na Inglaterra e gerou atenção significativa nas redes sociais, pois os leitores corriam para compartilhar imagens de seus jornais no Facebook, Twitter e Instagram.
O formato compacto do New European, a tipografia em negrito e o layout com muitas fotos são um esforço deliberado para replicar a aparência e a ideia de jornais populares do continente, como o diário francês Libération e o Die Tageszeitung, da Alemanha.
Suas primeiras páginas trazem artigos densos de conhecidos intelectuais, políticos e líderes de negócios britânicos. Os artigos vêm misturados com cartoons, infográficos e matérias mais leves sobre esportes, viagem e cultura da Europa.
A cada semana, a última página – a 48 – é dedicada a testes e curiosidades sobre assuntos europeus. Uma edição incluía “48 Fatos sobre Farage”, um catálogo de casos estranhos e citações de Nigel Farage, o antigo líder do Partido Independência, a favor da saída da União Européia.
O plano de negócios da Archant para o jornal é impulsionado principalmente por suas vendas avulsas. Nas últimas semanas, os editores aumentaram sua presença em bancas na Bélgica, França, Alemanha, Irlanda, Luxemburgo e Suíça.
Apesar de a empresa esperar que o alcance maior melhore o apelo do New European sobre os anunciantes, o futuro em aberto da publicação – a Archant se compromete com apenas quatro edições por vez – tornou difícil vender para algumas empresas interessadas em campanhas mais longas.
No final de agosto, a Archant também tentou um leilão on-line de alguns de seus espaços importantes de anúncio. Mas, apesar de mais de 60 empresas inglesas e europeias terem participado, o leilão não gerou receita adicional significativa, segundo a companhia.
Apesar disso, observadores da indústria se sentiram encorajados pelo poder de permanência do novo jornal. “O New European com certeza mostrou outra maneira de editores de veículos impressos experimentarem se um produto novo funciona”, afirma Steve Dyson, consultor de mídia de Birmingham. Dyson diz que poderia pensar em vários títulos pop-up relacionados com movimentos políticos ou sociais ou eventos esportivos importantes como os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Ele e outros consultores também apontaram para o sucesso do jornal escocês The National, lançado em 2014 pela Newsquest, uma subsidiária da Gannett, depois que a Escócia respondeu não em seu referendo para a saída do Reino Unido.
Essa publicação também foi planejada como um projeto temporário, apenas impresso, produzido pela equipe de outro jornal da Newsquest, o Sunday Herald, de Glasglow. Sua fervorosa postura pró-independência atraiu uma audiência de 60.000 leitores diários, embora esse número tenha desde então diminuído para cerca de 15.000. Ainda assim, as assinaturas e as vendas em bancas são o suficiente para manter uma pequena equipe dedicada, assim como um site que, além de política escocesa, oferece notícias de esportes, cultura e assuntos internacionais.
O sucesso do New European sugere que, apesar de toda a evangelização da indústria sobre a necessidade de abraçar o futuro digital, os editores ainda não exauriram as possibilidades dos veículos impressos.
“É muito contraintuitivo, mas o impresso algumas vezes pode ser mais ágil do que o digital. Se você está no negócio de jornais e já tem um mecanismo de distribuição e uma equipe de diagramadores, na verdade é um processo muito simples, enquanto que se quiser fazer um produto digital sob medida será muito mais complicado”, afirma Kelly. Além disso, “o impresso é um formato muito visível. Você não pode andar por Londres com seu laptop aberto e dizer: ‘Olhem, estou lendo o New European ’”.
Até agora, o New European, como o resto do setor de jornais britânico, vem conseguindo surfar na onda da demanda por notícias sobre o chamado Brexit, que pode diminuir nos próximos meses à medida que o choque inicial passe. “Na verdade, o Brexit corre o risco de se tornar extremamente chato”, avisa Nick Tjaardstra, vice-diretor da Associação Mundial de Editores de Jornais e Notícias, de Frankfurt, na Alemanha.
As negociações envolvendo a retirada do Reino Unido da União Europeia podem se arrastar por anos, afirma Tjaardstra, e para permanecer relevante para sua audiência de nicho, o New European precisaria eventualmente ampliar sua cobertura para incluir outros tópicos de interesse.
Quer dizer, se ele continuar a existir. Kelly insiste que a Archant “não tem qualquer ligação sentimental” com o New European como marca. “Ele precisa provar que merece ser mantido. O grande negócio do pop-up é que você está preparado para matar o produto.”