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Trump na China: homem de negócios na terra das negociações

Presidente americano reforça amizade com a China, mas se retira de tratado de livre comércio antes assinado por Obama.

DONALD TRUMP E XI JINPING: jantar na Cidade Proibida e outros mimos durante visita oficial (Jonathan Ernst/Reuters)

DONALD TRUMP E XI JINPING: jantar na Cidade Proibida e outros mimos durante visita oficial (Jonathan Ernst/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2017 às 09h41.

Última atualização em 12 de novembro de 2017 às 10h14.

Pequim– A semana que marcou a primeira visita oficial do presidente americano Donald Trump à Ásia termina com robustos acordos firmados entre os Estados Unidos e a China no plano financeiro, porém pouca objetividade no âmbito da política internacional.

Pontos de discordância entre as duas potências econômicas ficaram evidentes depois que ambos os presidentes discursaram, durante a cúpula dos membros da APEC (Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico), que começou na sexta-feira (10) e acaba de terminar, em Danang, no Vietnã.

Xi Jinping defendeu um comércio livre e multilateral entre os associados ao mecanismo de cooperação, enquanto o presidente americano advogou por esquemas de comércio que preservem intacta a soberania nacional e o individualismo dos Estados Unidos.

O resultado pendeu para o líder chinês: na resolução do encontro, os países da APEC reafirmaram a Parceria Trans-Pacífica (TPP), um acordo de livre comércio que desta vez deixou os Estados Unidos de fora.

Em tom polido e diplomático, Xi Jinping aproveitou a oportunidade do evento para reforçar o posicionamento que a China assumiu no 19º Congresso do Partido Comunista há duas semanas em Pequim.

Na ocasião, o país se afirmou enquanto líder de uma nova era de globalização, com foco no estabelecimento de parcerias que tenham benefício mútuo, balanceado, e viés econômico.

Nessa linha, Xi defendeu que a criação de uma área de livre comércio para a Ásia-Pacífico significa, nas palavras dele, “um sonho antigo da comunidade de negócios da região, que pode prover apoio institucional para o crescimento e abertura econômica dos países envolvidos.”

Como já era esperado, o presidente chinês reafirmou seu compromisso com a iniciativa One Belt One Road, a mais ambiciosa estratégia global de investimentos em infraestrutura da modernidade.

“A iniciativa veio da China, mas pertence ao mundo. Está enraizada na história, mas orientada para o futuro. Foca nos continentes asiático, europeu e africano, mas é aberta a todos os parceiros e pode criar uma plataforma mais dinâmica para cooperação entre a Ásia-Pacífico,” complementou.

Do outro lado da mesa, Donald Trump disse que os Estados Unidos não se engajarão em grandes tratados multilaterais, como a TPP, que originalmente foi assinada pelo ex-presidente Barack Obama e os outros onze países da APEC.

Juntas, essas nações seriam responsáveis por 40% do PIB mundial. Apesar de ter recebido críticas da comunidade internacional por ter retirado os Estados Unidos do TPP, Trump sustenta que esses tratados cortam a soberania nacional e que, portanto, prefere firmar parcerias bilaterais com países individualmente.

“Eu sempre vou colocar os interesses Estados Unidos em primeiro lugar, do mesmo jeito que eu espero que todos nesta sala coloquem seus próprios países em primeiro lugar,” disse em seu discurso aos líderes dos países da APEC.

Agrados inéditos a Trump

A acidez entre as duas potências reunidas em Danang em nada se assemelha ao encontro que Trump e Xi tiveram em Pequim dois dias antes. Em status “State visit-plus” (visita de Estado mais), o mais alto tom de condecoração dado a um convidado – tratamento jamais antes dado a um presidente americano na capital chinesa – Xi deu boas-vindas generosas à sua contraparte americana.

O programa da recepção incluiu, além de um majestoso desfile militar, um jantar na Cidade Proibida, que foi fechada para turistas naquele dia. Trump foi o primeiro chefe de Estado estrangeiro a cear no sítio histórico desde a fundação da China moderna. A atenção agradou o ego do nova-iorquino, que agradeceu publicamente em sua rede social pela calorosa recepção.

Nos bastidores, uma equipe robusta de mais de 30 empresários estadunidenses, incluindo executivos da Boeing, Caterpillar e Goldman Sachs, selou 37 grandes contratos de cooperação e investimentos avaliados em mais de 250 bilhões de dólares.

O resultado das negociações no campo financeiro e comercial tem o potencial de contribuir, ainda que em escala tímida, para a diminuição do deficit comercial que os Estados Unidos têm com a China, de quase 350 bilhões de dólares anuais.

“Trump acredita ter estabelecido uma amizade sólida com Xi e isso ajudou no sucesso da missão econômica, porém problemas importantes como regulamentação comercial e protecionismo não foram abordados,” diz William Zarit, presidente da Câmara Americana de Comércio (AmCham), em Pequim.

As condições de comércio bilateral desiguais ou “injustas,” nas palavras de Trump, são o principal ponto de queixa americana para com o gigante asiático. “Eu não culpo a China. Afinal, quem poderia culpar um país que está em condições de tirar vantagem de outro para o benefício dos próprios cidadãos?” afirmou Trump em seu discurso oficial em Pequim.

A postura de Trump em relação à China mudou desde que foi eleito presidente. Há cerca de um ano, o líder nova-iorquino acusava o país de manipular o câmbio e roubar os empregos dos americanos, ao passo que utilizava termos vulgares para descrever o comércio desbalanceado entre os dois países.

A realidade, no entanto, é que para aumentar o crescimento econômico, os Estados Unidos não podem destratar a China, detentora de 30% dos títulos da dívida americana, o que em agosto deste ano equivalia a 1,2 trilhão de dólares.

“A ascensão da China é óbvia e Trump sabe que precisa lidar com isso e estabelecer um diálogo respeitoso,” afirmou Huo Jianguo, vice-presidente da China Society for World Trade Organization Studies, em Guangzhou.

Portanto, ainda que tenha faltado um diálogo mais conclusivo sobre questões políticas como as sanções à Coreia do Norte – uma das principais pautas de Trump em sua viagem de doze dias pela Ásia, que incluiu a Coreia do Sul como destino – pode se esperar um período de calmaria nos assuntos guerra comercial e relações sino-americanas.

“A recuperação econômica mundial está a caminho, assim como uma ordem multipolar que terá a China como peça fundamental da arquitetura financeira global,” diz Marc Uzan, diretor executivo do Reinventing Bretton Woods Committee, de Paris.

Impactos na ordem mundial

O que pode aparentar um alívio para o resto do mundo, no entanto, pode ter um impacto negativo para os países do BRICS, que junto à China ganhavam espaço político no cenário internacional.

“No campo das negociações, a reaproximação da China com os Estados Unidos fortalece as duas maiores potências mundiais, o que faz com que o peso das economias emergentes fique relativamente reduzido,” explica Marcos Vieira, vice-secretário geral do Centro para Estudos do BRICS da Guangdong University of Technology, que na semana anterior à visita de Trump organizou o Fórum das Economias Emergentes em Guangzhou, para discutir os novos rumos da ordem mundial.

“A coesão do BRICS é afetada com isso, já que os Estados Unidos passam a ser prioridade e a parceria com os emergentes secundária.”

Em relação ao Brasil, que historicamente estabelece boas relações com os americanos, a notícia pode ter um viés positivo: pode ser o momento de voltar a receber bons investimentos dos vizinhos do norte.

“Com a retomada do crescimento, se o Brasil for esperto, pode voltar a ter os Estados Unidos como grande parceiro comercial, sem por isso perder os investimentos chineses,” complementa Marcos. Já na União Europeia, a tendência é buscar o fortalecimento interno das instituições econômicas para se imunizar contra a instabilidade das relações sino-americanas. “O multilateralismo tem como consequência também a fragmentação,” afirma Marc. Ao passo que Xi consolida seu poder enquanto líder global em ascensão e a ordem mundial se reorganiza, a esperança é que o clima de amizade com Trump se mantenha e traga para todos ao redor mais estabilidade.

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