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Trump está disposto a "destruir a democracia" para vencer, diz Obama

O tom dos ataques a Donald Trump aumentou na terceira noite da convenção democrata. Quem liderou a investida foi o ex-presidente Barack Obama

Além do ex-presidente, convenção foi marcada pela fala da Kamala Harris, a candidata a vice na chapa de Joe Biden (Daniel Acker/Bloomberg via Getty Images/Getty Images)

Isabela Rovaroto

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 06h31.

A terceira noite da convenção do Partido Democrata foi diferente das duas anteriores. Pela primeira vez, ouviram-se propostas um pouco mais concretas de Joe Biden . E, acima de tudo, o tom dos ataques a Donald Trump aumentou de forma considerável. Quem liderou a investida foi o ex-presidente Barack Obama.

A obsessão de Trump por Barack Obama está mais que documentada: é difícil que mais de alguns dias se passem sem que o atual presidente vá ao Twitter praguejar contra seu antecessor (ontem mesmo ele tuitou duas vezes, em letras maiúsculas, enquanto Obama discursava). Nos três últimos anos e meio, Obama poucas vezes respondeu aos ataques e provocações.

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Ontem, isso mudou. Falando de um museu na Filadélfia e com um display sobre a história da Constituição como pano de fundo, Obama fez críticas ferozes a seu sucessor:

Obama afirmou que o governo atual está disposto a “destruir nossa democracia se isso for necessário para vencer” a eleição de novembro. “Nossas instituições democráticas estão ameaçadas como nunca. Não permita que roubem seu poder. Não permita que roubem sua democracia.” O ex-presidente abriu sua fala dizendo que seria direto – e foi.

“Pelo bem do nosso pais, esperava que Donald Trump demonstrasse algum interesse em levar o trabalho a sério; que ele viesse a sentir o peso do cargo e descobrisse algum tipo de reverência pela democracia que entregarem a seus cuidados.

“Mas isso nunca aconteceu. Em quase quatro anos, ele não mostrou nenhum interesse em trabalhar, nenhum interesse em buscar um meio termo, nenhum interesse em usar os incríveis poderes do cargo para ajudar ninguém que não fosse ele mesmo ou seus amigos, nenhum interesse em tratar a presidência como algo além de um reality show para conseguir a atenção que tanto deseja. Donald Trump não se ergue à altura do cargo porque é incapaz disso.”

As palavras de Obama podem parecer meramente uma resposta entalada na garganta, mas sua intenção vai além da desforra. A reeleição de Trump significa um risco real de que as principais conquistas de seu governo sejam enterrada para sempre.

O Affordable Care Act, mais conhecido como Obamacare, permitiu que 8,3 milhões de americanos tivessem plano de saúde no ano passado, por exemplo. Desde a campanha de quatro anos atrás, Trump vem tentando acabar com o programa, e essa cruzada continua sendo um dos pilares do seu programa de reeleição.

Além disso, Trump retirou os Estados Unidos do acordo que pretendia impedir que o Irã obtivesse armas nucleares e do Acordo de Paris, um tratado internacional para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa.

Hillary Clinton, que perdeu a eleição presidencial para Trump no colégio eleitoral apesar de ter recebido quase 3 milhões de votos a mais na votação popular, usou sua experiência como alerta.

“Há quatro anos as pessoas me dizem: ‘Não tinha me dado conta de que ele seria tão perigoso’, ‘Queria voltar no tempo e votar de novo’, ou pior ainda: ‘Deveria ter votado’”, disse Hillary.

Por causa da pandemia do coronavírus, um número recorde de eleitores deve votar pelo correio. Repetindo Michelle Obama na segunda-feira, a ex-primeira-dama disse que os eleitores devem requisitar suas cédulas agora e enviá-las de volta assim que possível. “Se você vota pessoalmente, faça-o cedo. Leve um amigo, use máscara. Acima de tudo, vote, aconteça o que acontecer. Vote como se nossas vidas e nossos sustentos estivessem em jogo, porque eles estão.”

O voto nos Estados Unidos não é obrigatório, e uma das grandes preocupações da campanha de Biden é que um possível clima de “já ganhou” leve muita gente a ficar em casa em 3 de novembro.

As pesquisas nacionais apontam uma vantagem média de 7,6 pontos percentuais para o democrata, uma liderança considerável. Mas, em 2016, com a vantagem de Hillary nas pesquisas, muita gente também considerava impensável que Trump pudesse vir a morar na Casa Branca.

Esta é Kamala Harris

Kamala Harris, a candidata a vice na chapa de Joe Biden, falou depois de Obama. Foi a apresentação oficial de Harris, filha de um pai jamaicano e uma mãe indiana, ambos imigrantes, para o eleitorado americano.

Harris é senadora e antes de entrar para a política foi procuradora e secretária da Justiça da Califórnia. Ela participou da disputa interna do partido com a intenção de ser a candidata da oposição contra Trump, mas sua campanha não pegou. Ela abandonou as primárias em dezembro do ano passado.

Kamala Harris: a senadora foi nomeada oficialmente como vice-candidata à Presidência e acusou Donald Trump de má gestão durante a pandemia (Daniel Acker/Bloomberg via Getty Images/Getty Images)

Em seu discurso, Harris falou de sua mãe, que imigrou da Índia para os Estados Unidos para estudar medicina. A história de Kamala Harris como uma prova viva do sonho americano, em uma época em que a imigração é usada como combustível por populistas ao redor do mundo, será uma das constantes dos próximos dois meses e meio. “Não existe vacina para o racismo”, disse Harris.

Quando Biden anunciou no início do ano que escolheria uma mulher como companheira de chapa, entretanto, o nome de Harris entrou imediatamente para a lista das favoritas.

Apesar da pouca experiência no Senado (ela assumiu há pouco mais de três anos), Harris, 55, serve de contraponto a uma das principais críticas a Joe Biden: ele é homem, branco e, se vencer a eleição, será o homem mais velho assumir a Presidência (Biden completa 78 anos em novembro).

Num ano em que as convulsões raciais chacoalharam o país, e com as lembranças do movimento #MeToo viva na memória de muitos eleitores, uma mulher negra como vice-presidente é uma mensagem poderosa para os eleitores democratas que não se convencem com um nome da velha guarda como Biden.

Harris também ajuda nas finanças, uma área essencial nas bilionárias campanhas eleitorais americanas. Apesar de a campanha de Biden ter superado problemas iniciais de fundos, Harris traz consigo uma rede de relações com grandes doadores do Vale do Silício. Sua indicação também parece ter despertado doadores e doadoras negros e de origem imigrante.

O entusiasmo também parece ser sentido em Wall Street. A também senadora Elizabeth Warren, que estava na corrida para a chapa, fez do combate às grandes corporações e grandes bancos uma de suas principais bandeiras na campanha das primárias. Em Harris, eles enxergam um nome mais moderado e menos ameaçador.

Armas, mudança climática, mulheres

Em uma campanha presidencial em que todas as questões parecem estar em segundo plano por causa da pandemia, a convenção democrata vem dedicando alguns minutos por noite para temas que continuam na agenda dos americanos – com ou sem o coronavírus.

A ex-deputada Gabrielle Giffords, atingida por um tiro à queima-roupa num ataque armado em 2011 que deixou seis mortos e 13 feridos, apareceu num vídeo gravado. Giffords sofreu graves danos neurológicos por causa do atentado, perdeu os movimentos do braço direito e passou meses em recuperação. Ela e outras mães e parentes de vítimas de violência armada lembraram que uma das plataformas mais antigas do Partido Democrata é estabelecer controles mais severos na venda de determinados tipos de armamentos.

Outra questão que foi tratada de forma breve foi a mudança climática. A apresentadora da noite, a atriz Kerry Washington, da série “Scandal”, disse que Biden foi um dos primeiros a apresentar projetos de lei tratando do problema, há quase quatro décadas.

Uma montagem afirmando que os republicanos negam a ciência foi acompanhada de depoimentos de jovens expressando preocupação com o futuro do planeta. Na sequência, veio um número musical da cantora e compositora Billie Eillish, 18, uma das maiores estrelas da música pop atual. De cabelo pintado de verde neon até a metade, ela pediu um voto em Biden, afirmando que “ciência não é uma escolha”.

O terceiro tema da noite foram as mulheres. Além da aparição de Hillary Clinton, discursou a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, outra das inimigas prediletas de Trump. “Vi em primeira mão o desrespeito de Trump pelos fatos, pelas famílias trabalhadoras e pelas mulheres, em particular”, disse Pelosi.

Uma montagem com depoimentos de vítimas de violência doméstica falando no Congresso foi usada para reforçar a imagem de defensor dos direitos das mulheres. Este é outro ponto que ele repete exaustivamente: em 1994, Biden foi co-autor de um projeto de lei para destinar mais recursos e reforçar o combate à violência contra as mulheres, a legislação da qual ele diz sentir mais orgulho.

Em março deste ano, entretanto, o candidato foi acusado de ter atacado sexualmente uma assessora no começo dos anos 1990. O assunto ganhou as manchetes brevemente, mas logo foi eclipsado pela pandemia. (Ele negou as acusações.)

A convenção democrata termina amanhã à noite, com o discurso de Biden para aceitar a indicação do Partido Democrata.

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