Exame Logo

"Servir aos clientes é como servir a Deus"

Manish Tripathi, 33, é presidente da Fundação Dabbawala e trabalha na cooperativa dos marmiteiros de Bombaim - os dabbawalas -- há cinco anos. Por telefone, o indiano concedeu a entrevista. Vocês estão realizando muitas palestras atualmente, em várias escolas de negócios e companhias. Por que as empresas estão interessadas e como funciona? Sim, estamos fazendo […]

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h39.

Manish Tripathi, 33, é presidente da Fundação Dabbawala e trabalha na cooperativa dos marmiteiros de Bombaim - os dabbawalas -- há cinco anos. Por telefone, o indiano concedeu a entrevista.

Vocês estão realizando muitas palestras atualmente, em várias escolas de negócios e companhias. Por que as empresas estão interessadas e como funciona?

Veja também

Sim, estamos fazendo muitas palestras, pois as pessoas querem nos conhecer. Nossa organização tem 118 anos, somos 5 000 dabbawalas e a maioria é analfabeta. Mas ainda assim, entregamos todos os dias 200 000 dabbas para trabalhadores de Bombaim. E se as pessoas querem sabe, nós nos esforçamos para que a palestra seja muito boa, interessante e fascinante para eles.

Quantas palestras o senhor já realizou?

Muitas, em várias instituições na Índia e até em outros países: África do Sul, Dubai e Abu Dhabi. No mês que vem, irei a Paris e a Sidney para dar essa palestra. Foram mais de cem.

E a rotina de palestras está se tornando mais intensa atualmente?

Sim, bastante.

Por que o senhor acha que isso está acontecendo?

Temos chamado tanto a atenção porque se o trabalho que fazemos fosse feito por pessoas altamente qualificadas, não seria mágico. A mágica dos dabbawalas é que eles são pessoas pouco estudadas que são capazes de desenvolver um trabalho de qualidade tão alta. Então as empresas nos chamam porque querem que seus empregados saibam que se os dabbawalas podem atingir um nível tão alto de qualidade, então seus funcionários, que são tão educados, também podem atingir. Eles querem aprender sobre nosso sistema e também querem que façamos seus funcionários se sentirem mais motivados.

Quem o senhor acha que começou isso? Pelo que li, tenho impressão que foi após um artigo da revista Forbes sobre os dabbawalas, em 1998, que as pessoas começaram a estudá-los e a falar mais sobre vocês...

Sim, a revista Forbes nos atribuiu a qualificação Six Sigma. Nossa organização tem 118 anos e, até os anos 2000, ninguém falava sobre os dabbawalas. Então, depois que a Forbes escreveu sobre nós e, mais importante, depois que o príncipe Charles veio até a Índia e quis conhecer os dabbawalas, as pessoas começaram a falar mais sobre nós.

Essa certificação Six Sigma é real ou é só simbólica?

A revista Forbes escreveu sobre nós e constatou que nossa qualidade mereceria uma qualificação além do Six Sigma, na verdade. Para nós, esse certificado não tem tanto valor porque temos feito o mesmo trabalho há mais de 100 anos, e é natural. Nossa motivação é servir bem aos clientes.

Li que recentemente houve uma ameaça de bomba nos trens e isso causou um atraso inédito nas entregas das dabbas. Como foi isso?

Sim, têm ocorrido muitos incidentes de bomba na Índia então o que ocorreu foi que a polícia tem revistado alguns de nós algumas vezes. Isso tem acontecido mais agora, mas não muito.

E eles acharam alguma bomba?

Não, de maneira nenhuma. Porque essas marmitas ficam sob a guarda dos dabbawalas durante todo seu trajeto, então não há possibilidade de um terrorista colocar uma bomba dentro delas.

Vocês já estão pensando em lançar uma consultoria dentro da organização?

Não. O que acontece é que as empresas e escolas nos chamam para ouvir sobre o nosso sistema, então nós vamos até eles e explicamos sobre nossa operação. A partir disso eles pensam sobre o que fazer com a operação deles, sobre a qual nós não sabemos nada.

Mas vocês pretendem se dedicar mais a isso, com uma divisão especial?

Não, nós vamos continuar focados em nosso trabalho principal. Mas estamos disponíveis para falar sobre nosso sistema quando e onde desejarem.

Qual foi a maior empresa a chamá-los para uma palestra?

Já falamos com muitas, como a Microsoft, por exemplo. Acho que essa foi a maior.

Quais são as próximas palestras?

Nós fomos chamados pela Motorola. Será em setembro, na Índia. E fora do país, vamos a Sidney no dia primeiro de outubro, para um seminário organizado pela Universidade de Berlim, da Alemanha. Se vocês quiserem, podemos ir ao Brasil fazer uma palestra. Você pode escrever que, de certa maneira, os dabbawalas têm uma ferramenta única de administração e que aprender sobre ela pode ser bom para as empresas e para alunos de escolas de negócios.

E quais são os requisitos para ter uma palestra?

Temos todas as informações no website [http://mydabbawala.com]. Basta preencher o pedido e informar quando, para quantas pessoas o organizador deseja a palestra.

E suas palestras são sempre sobre logística?

Um pouco, mas nossas palestras não são fundamentalmente sobre logística. São palestras de motivação. Falam sobre como pessoas com tão pouca qualificação e estudos pode atingir tanta qualidade no trabalho.

E qual é o segredo?

A razão para isso é que nosso povo trabalha como quem serve a Deus. Esse é o nosso lema. Para nós o trabalho é como rezar. Servir aos clientes é servir a Deus.

Todos vocês seguem a mesma religião?

Sim, todos os dabbawalas seguem a mesma religião, somos da mesma casta, falamos a mesma língua, comemos o mesmo tipo de comida, a maioria é da mesma região.

A religião de vocês é a hindu?

Sim.

Tenho uma dúvida sobre o processo. Vocês fazem o caminho de ida das marmitas até os escritórios e depois, o caminho de volta às casas. Por que vocês não deixam as marmitas vazias para os próprios clientes levarem de volta, não seria mais prático?

Não fazemos isso porque Bombaim é muito populosa e os trens estão sempre muito cheios. Se as pessoas carregassem mais coisas, ficaria mais difícil sentar nos tens porque não há muito espaço.

Quantos países o senhor já visitou realizando palestras?

África do Sul, Dubai e Abu Dhabi.

E este ano já tem novas viagens previstas. O senhor está empolgado com isso?

Eu não diria que estou empolgado, mas estou feliz porque fico feliz em saber que posso ser útil a alguém. Nós não ficamos empolgados porque não somos educados para isso.

Mas senhor não fica também feliz em viajar e conhecer lugares e pessoas diferentes?

Claro que sim, mas o mais importante para mim é saber que alguém está se beneficiando do meu conhecimento.

Quanto as palestras custam?

Não há um preço específico, depende de onde é, para quantas pessoas... E todo o dinheiro é destinado para caridade. Eu faço palestras para ajudar meu povo. Não negociamos muito os valores. Algumas empresas nos oferecem 10 000 dólares, outras, 1 000, de acordo com suas possibilidades. O importante é poder ajudar os dabbawalas e as pessoas pobres da Índia. Parte do nosso recurso não vai somente para os dabbawalas, mas também para as pessoas pobres.

Se o senhor dá mais palestras, os dabbawalas, que são todos acionistas da cooperativa, recebem mais dinheiro?

Não. Uma parte vai para eles, mas os recursos levantados por meio das palestras vão fundamentalmente para Fundação e para as pessoas que necessitam. O salário dos dabbawalas - que é igual ao meu e ao de todos que trabalham lá - depende somente das entregas.

Quantos anos o senhor tem?

33.

O seu pai também foi um dabbawala?

Não, meu pai não, mas a maioria dos ascendentes dos dabbawalas também foram dabbawalas.

No começo o senhor também era um dabbawala ou o senhor sempre trabalhou na Fundação?

Não. Eu trabalho na cooperativa há cinco anos e eu fui quem iniciou a Fundação Dabbawala. E eu também tenho a função de realizar as palestras pelo mundo para que as pessoas possam conhecer nosso sistema.

A Fundação Dabbawala tem cinco anos, então?

Não, tem seis meses. Há cinco anos eu comecei a trabalhar com os dabbawalas, nas funções administrativas, e durante esse tempo, tenho identificado os problemas do meu povo e decidi criar a Fundação Dabbawala para ajudá-los.

O que a Fundação Dabbawala faz?

Ela ajuda os dabbawalas fornecendo as roupas, as bicicletas, tudo que eles precisarem.

Porque antes eles tinham que comprar essas coisas com os próprios recursos, certo?

Sim, eles precisavam, mas nem sempre podiam fazê-lo.

O senhor recebe algumas doações?

Sim, recebemos muitas doações para fazer esse trabalho.

Quem faz as doações?

Várias pessoas generosas, indianos e também estrangeiros. Quem quiser ajudar. Através do nosso website, é possível doar.

O site é o recurso mais moderno que vocês usam?

Sim, ele existe há apenas três anos.

Eu li em algumas reportagens que alguns de vocês passaram a utilizar celulares. Isso é verdade?

Alguns dabbawalas passaram a usar para se comunicar com alguns clientes e entre eles, mas são poucas pessoas, os celulares não são essenciais para o trabalho.

Muito obrigada pela sua atenção, e me desculpe por ligar à noite, pois nossos países estão separados por nove horas...

Não é problema algum, estou muito acostumado, as pessoas me ligam o tempo todo para marcar palestras, pessoas de outros países, e fico feliz em poder ajudar, a qualquer hora.

Ah é? O senhor está recebendo muitas ligações o dia todo? Quantas ligações por dia?

São muitas ligações e são muitos pedidos de palestras, mais do que conseguimos atender, infelizmente.

E o senhor não considera expandir a Fundação?

Sim, precisamos. E estou muito feliz em dizer que o mundo todo está ajudando nosso povo.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame