Opositor de Putin, Alexei Navalny morreu na prisão, diz serviço penitenciário da Rússia
Em janeiro, ele relatou a tribunal de Moscou duras condições de sobrevivência em colônia penal no Ártico e reclamou do limite de 10 minutos para se alimentar
Agência de notícias
Publicado em 16 de fevereiro de 2024 às 08h47.
Última atualização em 16 de fevereiro de 2024 às 08h48.
O opositor russo Alexei Navalny morreu na prisão, informaram as agências russas nesta sexta-feira, 16. A informação foi confirmada pelo serviço penitenciário da região de Yamalo-Nenets, onde cumpria pena de 19 anos.
“Navalny sentiu-se mal após uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência. A equipe médica chegou imediatamente e uma equipe de ambulância foi chamada. Foram realizadas medidas de reanimação que não produziram resultados positivos. Os paramédicos confirmaram a morte do condenado. As causas da morte estão sendo apuradas", disse o comunicado oficial.
Em 11 de janeiro, Navalny apareceu em imagens pela primeira vez desde que foi transferido para uma colônia penal em Kharp, no Ártico russo, em dezembro. Na época, a equipe do crítico do Kremlin ficara três semanas sem notícias dele, e pouco se sabia sobre o estado de saúde do detento.
Há pouco mais de um mês, ele participou via videoconferência de uma audiência da Suprema Corte, que ocorria em Moscou e avaliava as queixas do opositor às condições de sua detenção na Sibéria.
A colônia penal para a qual foi transferido, apelidada de "Lobo Polar", é um estabelecimento herdado do Gulag soviético. Ao tribunal, Navalny disse que era submetido a temperaturas "congelantes", que chegavam a 32 graus negativos.
— A cela de punição costuma ser um lugar muito frio — afirmou ele. — Você sabe por que as pessoas escolhem um jornal lá [um dos itens que podem receber na cela]? Para se cobrirem. Porque com um jornal, posso dizer a vocês, juízes, é muito mais quente dormir, por exemplo, do que sem ele. E então você precisa de um jornal para não congelar.
— É impossível comer em 10 minutos — relatou à Corte. — Se você comer todos os dias em 10 minutos, [fazer] esta refeição se tornará um processo bastante complexo.
Apesar das queixas, Navalny parecia estar de bom humor. Ele chegou a brincar, durante a audiência, que ainda não havia recebido nenhuma correspondência de Natal por estar “muito longe”.
A meses da eleição presidencial no país, Navalny foi levado para a colônia penal número 3, na localidade de Kharp, anunciou a porta-voz do ativista, Kira Yarmish, na rede social X (antigo Twitter), na última semana de dezembro. Na ocasião, Navalny disse estar "bem". A viagem até sua nova prisão durou 20 dias e foi “bastante cansativa”, declarou ele na rede X.
Até o início de dezembro, ele estava detido na colônia da região de Vladimir, a 250 quilômetros de Moscou.
Navalny, um ativista anticorrupção e um dos principais adversários políticos do presidente Vladimir Putin, cumpre pena de 19 anos de prisão por "extremismo". Ele foi detido em janeiro de 2021 ao retornar à Rússia, depois de se recuperar na Alemanha de um envenenamento que, segundo ele, foi planejado pelo Kremlin.
Kharp, uma pequena cidade de 5 mil habitantes, situa-se em Yamalia-Nenetsia, uma região remota no norte da Rússia. A localidade fica além do Círculo Polar Ártico e abriga várias colônias penais. Um dos principais colaboradores de Navalny, Ivan Zhdanov, afirmou que esta é "uma das colônias mais remotas" da Rússia. As condições lá são "difíceis", escreveu na rede X.
“As condições lá são duras, com um regime especial na zona de permafrost” e muito pouco contato com o mundo exterior, disse Jdanov. O permafrost é uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada.
Cadeia para 'penas perpétuas'
De acordo com o veredito de "extremismo" pronunciado contra ele, o opositor tem de cumprir a pena em uma colônia de "regime especial". Nessa categoria, a mais gravosa na Rússia e normalmente destinada aos condenados à prisão perpétua ou aos detentos mais perigosos, as condições de detenção são mais duras.
"Desde o início, ficou claro que as autoridades queriam isolar Alexei, especialmente antes da eleição presidencial", prevista para março de 2024, acrescentou Zhdanov.
De acordo com a agência Reuters, a nova prisão de Navalny é conhecida como colônia "Polar Wolf" (“Lobo Polar") e considerada uma das prisões mais difíceis de se ficar na Rússia. Os invernos são rigorosos, e a previsão é que as temperaturas caiam a cerca de 28 graus Celsius negativos na próxima semana.
Localizada às margens do rio Sob, a Polar Wolf é uma das sete colônias de trabalho corretivo de segurança máxima operadas pelo Serviço Penitenciário Federal para condenados à prisão perpétua, status este que ganhou em 2004, segundo o site Atlas News. O portal afirma ainda que a prisão é composta por "caldeira, padaria, usina a diesel, cantina e departamentos de produção para os presos fazerem blocos de concreto e brita".
Ainda segundo o site, há também oficinas de marmoraria, costura, alfaiataria e carpintaria. Os condenados podem receber um pacote por ano e podem passear em uma pequena jaula uma vez por dia durante 90 minutos.
"[Os detidos] Possuem cama, mesa, criado-mudo, prateleira fechada onde podem guardar alimentos, prateleira para produtos de higiene pessoal, caixa d'água, cabide e vaso sanitário. Os presos não podem deitar na cama durante o dia e não podem conversar com outros presos. Todos os movimentos são realizados algemados", descreve o portal.
A prisão foi fundada em 1960 como parte do sistema de campos de trabalhos forçados soviéticos, de acordo com o jornal Moskovsky Komsomolets, destaca a Reuters.
As transferências de um centro penitenciário para outro na Rússia podem levar várias semanas em viagens de trem, com várias etapas. E as famílias dos detentos não recebem informações durante o período.
A falta de notícias sobre Navalny gerou preocupação em vários países ocidentais e na ONU.
O movimento de Navalny foi minado de maneira metódica pelas autoridades russas nos últimos anos, com vários de seus colaboradores e aliados sendo presos, ou indo para o exílio.
As autoridades iniciaram novos processos judiciais por "vandalismo" contra o opositor, o que pode resultar em mais três anos de detenção.
Nesse cenário, com a oposição quase inexistente e a repressão intensa a qualquer voz crítica, Putin aspira sem problemas a um novo mandato de seis anos na Presidência da Rússia nas eleições de março de 2024.