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O Brasil de Temer, a Argentina de Macri

O presidente interino Michel Temer conversou na quinta-feira, ainda antes de tomar posse, com uma rádio argentina. Em um ato falho, achou que estava falando com o presidente argentino Mauricio Macri e, em portunhol, reiterou algumas vezes seu desejo de visitar o país vizinho. Na sexta-feira, Temer voltou a falar com Macri – desta vez, […]

Macri1242

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Gian Kojikovski

Publicado em 13 de maio de 2016 às 20h51.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h06.

O presidente interino Michel Temer conversou na quinta-feira, ainda antes de tomar posse, com uma rádio argentina. Em um ato falho, achou que estava falando com o presidente argentino Mauricio Macri e, em portunhol, reiterou algumas vezes seu desejo de visitar o país vizinho. Na sexta-feira, Temer voltou a falar com Macri – desta vez, aparentemente, com o Macri de verdade. Mais do que dançar tango, como fez Barack Obama em uma ida recente à Argentina, Temer pretende saber mais sobre a experiência de Macri de como tirar um país da crise econômica profunda — e, talvez mais importante, de como mudar rapidamente as expectativas.

O Brasil de maio de 2016 definitivamente não é a Argentina de dezembro 2015. É difícil mensurar a situação argentina, já que dados como inflação eram maquiados para parecer melhores — ou simplesmente não eram divulgados. Segundo a consultoria PriceStats, o índice pode ter chegado perto dos 40% ao ano entre 2014 e 2015. O índice de pobreza divulgado por organismos independentes, de 27,5%, era cinco vezes pior que o do governo. No Brasil, embora o Produto Interno Bruto tenha encolhido quase 8% em dois anos, outros dados econômicos como inflação e pobreza não estão na mesma trajetória argentina. Contudo, ao menos nas primeiras semanas de seu governo, a principal missão de Michel Temer se assemelha muito à de Maurício Macri em seus primeiros momentos na Casa Rosada: recuperar a confiança. O próprio Temer ressaltou ser essa sua “primeira palavra” ao povo brasileiro no discurso de posse na tarde de quinta-feira. Como fazer isso é que são elas. Uma certeza: é preciso tomar medidas potencialmente impopulares.

Macri largou como um velocista. No quarto dia de governo, retirou os impostos sobre as exportações de produtos agropecuários, que faziam os agricultores deixarem nos celeiros pelo menos 10 bilhões de dólares em trigo, soja e milho. No sexto dia, acabou com o teto no valor do dólar e o controle sobre a saída da moeda do país, que Kirchner implementou para melhorar a balança comercial e manter moeda estrangeira dentro da Argentina. Na prática, a medida fez com que a peso desvalorizasse e impulsionou exportações. Em fevereiro, dois meses depois de assumir, liberou algumas tarifas que estavam congeladas no governo Kirchner, como a energia, e em abril, de água e gás. Também em abril, conseguiu negociar a dívida externa com os fundos abutres, que impediam que a Argentina se capitalizasse no exterior. O país voltou ao mercado internacional.

Com exceção da negociação com os fundos abutres, donos dos papéis do calote argentino de 2001, que precisava ser aprovada pelo Congresso, as outras medidas dependiam somente da boa vontade do presidente e, por isso, foram implementadas rapidamente. Mesmo assim, Macri mostrou articulação quando conseguiu maioria nas casas legislativas para aprovar o pagamento. Negociar rapidamente com os fundos era importante para aproveitar o otimismo sobre seu governo e conseguir votos inclusive de senadores peronistas.

Panelaço nas ruas 

Embora essas iniciativas fossem fundamentais para a sobrevivência da economia argentina e devam ter resultados positivos no longo prazo, o problema, para Macri, é que os efeitos negativos, como o desemprego e a inflação demoram a se dissipar. Em alguns casos, podem piorar antes de começar a melhorar — se é que a melhora virá um dia. Macri liberou alguns preços que estavam represados há anos, como a eletricidade, que subiu 500%, e o gás, com cerca de 300%. Como o índice de preços era maquiado, fica parecendo que o presidente levou o país para uma crise maior.

Para aumentar o descontentamento, Macri também foi citado no caso dos Panama Papers, que divulgaram milhares de contas em empresas offshore, causando uma revolta ainda maior da população, que passou a ir às ruas cada vez com maior frequência e quantidade. Para abrandar os ânimos, o governo estendeu os programas sociais, aumentando o abono por filho e isentando de impostos os alimentos básicos para os mais pobres. Pelas previsões do governo e de agências internacionais, os próximos anos devem ser melhores economicamente, e a promessa é de inflação de um dígito para 2019.

No Brasil, Temer também tem medidas impopulares para tomar. Devido à conjuntura do país, dificilmente elas acarretarão em mais inflação, mas é grande a chance de o governo ter de aumentar impostos – a CPMF é a mais provável. Em um país com uma carga fiscal de mais de 33%, a medida está longe de agradar a população. Para conseguir uma flexibilidade maior em um orçamento comprometido com gastos obrigatórios, ele pretende mudar a fórmula como o salário mínimo é reajustado – não no primeiro momento, mas gradativamente -, estabelecer o orçamento base zero para os programas sociais – todo ano o investimento social seria rediscutido – e eliminar o gasto obrigatório com saúde e educação, permitindo maior flexibilidade nos gastos e investimentos. As reforma previdenciária e nas leis trabalhistas também estão prometidas. “O desafio de Temer é muito grande porque há uma questão política no Congresso ao mesmo tempo em que ele tem que fazer um ajuste fiscal duro e batalhar para recuperar a confiança dos investidores”, diz Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb, uma das mais importantes da Argentina.

Para tomar medidas impopulares, é fundamental que o presidente tenha capital político. Macri foi eleito com pouco mais de 50% dos votos sobre o candidato kirchnerista Daniel Scioli. Embora a vantagem não fosse expressiva, a população conhecia bem seu perfil e o que esperar. Macri era conhecido por ter sido prefeito de Buenos Aires, a capital e maior cidade do país, e presidente do Boca Juniors, o time mais popular da Argentina. Michel Temer não foi eleito diretamente, entrou depois de um processo de impeachment, e, de acordo com pesquisas de intenção de voto feitas pelo Datafolha com possíveis candidatos em 2018, ele teria apenas 2% das intenções de voto – e quase 70% da população acha que ele faria um governo igual ou pior ao de Dilma. “É preciso levar em conta que Temer simplesmente surge como presidente, enquanto Macri vem de uma validação eleitoral. Temer tem tanta rejeição quanto Dilma e construir expectativas favoráveis é um ponto chave para seu governo”, diz Sica. Uma vantagem Temer tem em relação a Macri — um vizinho em quem se inspirar.

(Gian Kojikovski)

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