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Lee Alston, de Indiana: hora de olhar pra frente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem insistido em afirmar que o conservador Congresso americano é que impede o país de avançar. O líder está prestes a deixar o cargo sem ter conseguido mudanças que considerava importantes, como a suspensão do embargo a Cuba, a legalização da maconha a nível federal e a revisão […]

LEE ALSTOM: “Em vez de culpar Dilma, é importante ter em mente que o que quer que tenha acontecido, aconteceu” / Divulgação
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Da Redação

Publicado em 4 de julho de 2016 às 20h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem insistido em afirmar que o conservador Congresso americano é que impede o país de avançar. O líder está prestes a deixar o cargo sem ter conseguido mudanças que considerava importantes, como a suspensão do embargo a Cuba, a legalização da maconha a nível federal e a revisão da política armamentista. Para o economista e cientista político Lee Alston, da Universidade de Indiana, o presidencialismo americano está em crise. Ele é phD nos estudos sobre o papel das instituições e o impacto que contratos políticos têm sobre a economia.

Alston também se tornou um estudioso da política brasileira contemporânea após ter sido convidado para fazer pesquisas na Amazônia no início dos anos 1990. Durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), lançou o livro Brazil in Transition, junto com os autores Bernado Mueller, Marcos André Melo e Carlos Pereira. Em entrevista a EXAME Hoje, o pesquisador falou sobre a liderança de Obama, os desafios políticos do próximo presidente americano e o futuro da União Europeia.

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O senhor comentou que não existe receita para resolver a crise econômica brasileira. Mas há sugestões ou exemplos de outros países em que possamos nos espelhar?
Não tem receita, mas é importante ter em mente que o desenvolvimento é contextualizado e específico de cada país. Cada crise é uma crise. Eu estou muito impressionado com os cidadãos brasileiros, os protestos têm sido inteligentes e pacíficos. Existe certa polarização, naturalmente, então eu acho que o necessário agora é alguém para unir o país. Uma das mais importantes lições sobre desenvolvimento é: olhe para frente. Não olhe tanto para o passado, e não perca tempo culpando outras pessoas. Em vez de culpar Dilma, é importante ter em mente que o que quer que tenha acontecido, aconteceu. Um dos melhores exemplos, de um dos meus heróis, foi o de Nelson Mandela. Ele foi posto na cadeia por anos e anos e, quando ele saiu e se tornou líder da áfrica do sul, poderia pensar em punir os brancos, mas ele não fez isso. Ele preferiu trabalhar na união do país e seguir em frente. Só existe essa lição, mirar o futuro.

O senhor também é um crítico costumas do sistema presidencialista nos Estados Unidos. O país também enfrenta uma crise política grave?
Agora é um momento muito difícil. Tem muita verdade no que Obama tem dito no sentido de que o Congresso está impedindo o país de avançar. Há muito tempo, o nosso Congresso é muito polarizado entre republicanos e democratas. Mais polarizado que a população. O apelo que candidatos como Bernie Sanders e Donald Trump tem com o povo é porque eles não são reconhecidos como parte do jogo político. As pessoas estão muito preocupadas em relação ao Congresso agora e é ele que tem o poder. Há um sentimento de que um presidente mais forte, com mais poderes, pode alcançar melhor os objetivos nacionais do que um presidente fraco com um congresso forte. É possível conquistar mudanças com esse formato, mas é muito mais difícil.

Essa liderança mais forte poderia ser alcançada com Hillary ou Trump?
Vai ser difícil porque, quem quer que seja eleito, vai enfrentar as mesmas regras. Então, eles vão continuar tendo poucos poderes. O poder que eles têm é o poder da mídia e de ter pessoas influentes no Congresso para tentar mudar um pouco as mentes lá dentro, mas as regras fundamentais não vão mudar. Qualquer um vai ter que passar por dificuldades agora.

O que é necessário para mudar então? Reforma política?
Eu acho que é possível ter uma emenda na Constituição que daria ao presidente mais poderes – e eu não quero dizer com isso que o presidente deve ser feito rei, é preciso ter fortes verificações com o Congresso, com o Judiciário, com outras instituições e com a sociedade. Em que momento é possível fazer reformas como essa? Quando há um choque, uma crise. E agora você está vendo que, nos Estados Unidos, muita gente não gosta do que está acontecendo. Um exemplo dessa insatisfação foi o movimento Occupy Wall Street. A população estava chateada com a influência que Wall Street tinha sobre a política. E um presidente mais forte poderia mudar esse cenário. Se a população se sente dessa forma, o Congresso pode mudar.

O problema não é falta de poder de Obama de fazer valer suas demandas o legislativo?
Não é que ele não seja forte, ele não tem os poderes formais. Ele tem poderes em relação às guerras e a acordos internacionais, com questões de comércio e clima, mas o Congresso ainda tem que ratificar tudo isso. Eu não acho que podemos culpar Obama, é preciso culpar os poderes que ele tem. Você poderia acusá-lo de, mais cedo, ele não ter passado tempo o bastante com o Congresso e cultivando relações. Outros presidentes como Lyndon Jonson eram mestres nisso. Mas ele também está enfrentando um Congresso que está pesadamente dominado pelos republicanos e que, realmente, querem trazer o partido democrata abaixo.

Como é possível explicar o enorme apoio que Trump conquistou nos Estados Unidos?
Eu acho que foi bem surpreendente, antes de tudo. Mas é um sinal de que as pessoas estão obcecadas por status quo e é também um sinal de que muita gente nos Estados Unidos foi deixada pra trás pelo atual governo. Nós vemos esse mesmo argumento no Reino Unido e sua saída da União Europeia. Tem um discussão de que a globalização ajuda muita gente, mas também deixa muita gente pra trás. E eu acho que é nesse sentimento que Trump está se capitalizando.

O Brexit vai mudar a relação dos Estados Unidos com a Europa ou vai provocar uma grande mudança na política mundial?
Ninguém sabe. Eu não acho que vai ser tão dramático quanto algumas pessoas estão dizendo no Reino Unido. Noruega e Suíça não estão na União Europeia, então, se o Reino Unido sair… A única questão realmente crítica dessa saída é que nós não sabemos como as regras vão mudar. Não existe um processo para saídas. Não existe um manual, as regras ainda serão construídas. Isso é interessante: nós não temos leis sobre como ter um bom casamento, mas temos leis para saber o que acontece durante um divórcio. A União Europeia tinham suas leis da união, mas não tem da separação. Então, eles não sabem como isso afetará a estrutura e é com isso que eles estão preocupados. Se nós fizermos isso pelos britânicos, como será se a Italia também quiser sair? E a Espanha? Se a Alemanha sair, está tudo acabado. Há uma incerteza sobre como serão escritas as regras e sobre como o processo afetará a relação com os outros países do bloco.

Para sair com mais vantagens, o Reino Unido vai precisar de um líder forte que dê conta das negociações?
Eles não têm essa pessoa agora. Essas negociações não são apenas sobre o Reino Unido, são dos dois lados. Não é só o futuro do Reino Unido que será escrito, mas o da União Europeia. O Reino Unido não está geograficamente se mudando. A ilha permanece onde está e ela vai permanecer como parte da Europa em certos sentidos. As relações comerciais podem ser reconstruídas. Haverá custos em relação a isso, mas os custos da saída foram exagerados e os benefícios, também. A mudança não será tão positiva quanto os apoiadores defendiam. Então, não tem a ver com um negociador forte. Vai ser uma batalha dos líderes da Europa tentando determinar o que vai ser melhor para o futuro da União Europeia. Nesse sentido, o Reino Unido está numa posição de barganha muito ruim.

(Camila Almeida, de Paraty)

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