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Judeus roubados por nazistas não conseguem recuperar seus bens

O governo polonês, por exemplo, dificulta até hoje a indenização de sobreviventes do Holocausto

Refugiados judeus em 1939 (Domínio Público/Reprodução)

Refugiados judeus em 1939 (Domínio Público/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2017 às 06h00.

Última atualização em 30 de abril de 2017 às 06h00.

A Polônia e outros países europeus que fizeram parte do bloco soviético durante a Guerra Fria andam dificultando o pagamento de indenizações a sobreviventes do Holocausto – e várias dessas pessoas, já muito idosas, podem morrer sem recuperar suas posses.

Cerca de meio milhão de judeus que tiveram seus bens confiscados pelo regime nazista durante as décadas de 1930 e 1940 ainda estão vivos, e metade deles está em péssimas condições socioeconômicas até hoje.

As informações são de um consórcio formado pela Organização Internacional de Restituição dos Judeus (na sigla em inglês, WJRO) e outras instituições dedicadas a preservar a memória do Holocausto ea lutar por leis que ajudem os sobreviventes do genocídio.

Na próxima quinta-feira, 26 de abril, o parlamento da União Europeia (UE), localizado em Bruxelas, na Bélgica, irá receber uma conferência internacional com participação desses órgãos para discutir em que ritmo está o ressarcimento – que foi prometido por mais de 47 países na declaração de Terezin, em 2009.

Por três anos após a aprovação do acordo, a WJRO deixou pesquisadores de olho na burocracia dos países que foram palco de massacres – e agora quer por as conclusões em debate. Vale lembrar que boa parte dos signatários já tinham políticas públicas para judeus desde 1945. O que estava em jogo, em muito casos, era o andamento dos processos.

Apreensões sem fim

No caso dos países anexados à União Soviética, a situação é ainda pior: judeus sofreram um segundo round de apreensões governamentais durante a Guerra Fria. Os judeus desses territórios, em geral, só começaram a ser indenizados na década de 1990, com a queda do Muro de Berlim – mas em ritmo lentíssimo.

“Entre os países do leste da Europa, Bósnia-Herzegovina e Polônia são os únicos que falharam em estabelecer um regime eficiente de restituição de propriedade privada confiscada durante o Holocausto e a era comunista”, afirma um relatório preliminar. O estudo completo será apresentado na convenção em si.

A Polônia era o país europeu com maior número de habitantes judeus antes do maior conflito da história. 90% deles foram mortos. No mundo todo, há 90 mil judeus poloneses com direito a bens apreendidos ilegalmente. Apesar disso, a indenização das vítimas não é regida por uma lei específica, e sim pelas leis de herança e propriedade privada já existentes no país, que se aplicam igualmente a todos os cidadãos.

O ministro das relações exteriores da Polônia já se justificou antes, afirmando que não é necessário criar uma legislação específica para o povo judeu se eles já estão cobertos pela constituição do país. “As restituições já ocorrem há mais de duas décadas. Nesses processos, religião e etnia são irrelevantes: a lei trata todos da mesma maneira. O sistema legal existente na Polônia deixa perfeitamente claro que quaisquer pessoas (e seus herdeiros) têm o direito de reaver propriedades que tinham antes da guerra e que foram apreendidas ilegalmente por autoridades nazistas ou soviéticas.”

Instituições como a WJRO, porém, não acham suficiente. “Leis comuns se aplicam a eventos comuns. O Holocausto foi um evento extraordinário, e faz pouco sentido aplicar leis ordinárias a uma situação em que tantos bens sem herdeiros passaram a existir por causa do assassinato em massa de milhões de pessoas.” Outros trechos do relatório estão disponíveis no jornal britânico The Guardian.

De fato, algumas das exigências legais do sistema pré-existente no país europeu não podem ser cumpridas por herdeiros de vítimas do massacre. “Eles esperam que a gente mostre títulos de propriedade em primeiro lugar. Quem tem isso quando os pais e avós foram mortos no Holocausto? Os que tentam reivindicar seus direitos ficam presos entre as cortes europeias e polonesas. É surreal”, afirmou em 2014, ao jornal Jewish News, a acadêmica britânica judia Ruth Deech. Na época, a Inglaterra mandou uma carta oficial à Polônia pedindo a aprovação de leis mais eficientes.

Outro problema é uma lei anterior, ainda válida, que estabeleceu uma data limite em dezembro de 1988 para que os sobreviventes e seus herdeiros reivindicassem seus direitos. Na época, porém, o país ainda estava sob o regime comunista, e entraves geopolíticos dificultavam as reivindicações judeus que haviam fugido da perseguição ainda na década de 1940 – e passaram a viver do outro lado da Cortina de Ferro. Segundo o jornal The New York Times, mesmo quem cumpriu o prazo oficial não teve tempo, depois, de juntar as provas necessárias e apresentá-las às autoridades.

Apesar das críticas, o governo polonês já aprovou medidas específicas para vítimas do Holocausto antes. Em 2015, foi concedido um auxílio de 130 dólares mensais a sobreviventes nascidos na Polônia que fugiram e vivem em seus países de origem até hoje. A ação beneficiou 20 mil pessoas.

No passado, muitos judeus migrantes perderam o direito a pensões e bolsas por não viverem mais no local em que nasceram e, portanto, não estarem mais sujeitos às suas leis – uma restrição legal pouco razoável considerando que eles deixaram sua terra natal para salvar a própria vida.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Superinteressante.

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