Jerusalém: nova onda de terror
O clima em Jerusalém após o Estado Islâmico (EI) reivindicar, pela primeira vez, atentados contra Israel
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2017 às 20h49.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h54.
JERUSALÉM — Pela primeira vez, o Estado Islâmico (EI) reivindicou atentados contra Israel, depois que três palestinos realizaram dois ataques na noite de sexta-feira em Jerusalém Oriental, matando uma sargento da polícia e ferindo dois outros policiais. Entretanto, nem palestinos nem israelenses se mostram impressionados — seja por não acreditarem que foi realmente o EI ou por acharem que isso não muda muita coisa.
“Temos a melhor segurança do mundo”, orgulha-se o judeu Yossi Ben Tolila, de 65 anos, dono de uma loja de malas no início da Rua Jaffa, já do lado ocidental da cidade, bem perto da Cidade Velha, onde ocorreram os atentados. “Cada vez que ocorre um ataque desses, Israel aprende com eles, e aperfeiçoa seus métodos de defesa.”
Sobre a possibilidade de ter sido o primeiro atentado do EI em território controlado por Israel, Ben Tolila dá de ombros.“Eles estão em toda parte: no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos. Eles foram recebidos (como refugiados) na Europa e, em vez de agradecer, estão atacando as cidades europeias”.
O consultor de investimentos judeu David Ariel, de 68 anos, reage com a mesma mistura de autoconfiança e resignação. “Os árabes não se cansam de apanhar de nós”, debocha, referindo-se às guerras de 1948, 1967 e 1973, nas quais Israel expandiu e assegurou os territórios tomados dos árabes — sem falar dos conflitos contra a Organização para a Libertação da Palestina no Líbano entre 1978 e 1982; contra a milícia xiita libanesa Hezbollah em 2006; e contra o grupo islâmico Hamas na Faixa de Gaza nos últimos anos.
“Não há solução. Estamos disputando a mesma terra há mais de cem anos, muito antes da criação de Israel”, considera Ariel. “Se os árabes tivessem um Exército grande e nos invadissem, e os EUA levassem dois dias para nos ajudar, quando chegassem já estaríamos todos mortos. Você é do Brasil, não sabe a mentalidade do Islã. Eles não cedem em nada. Eles têm o Oriente Médio inteiro e continuam matando os judeus.”
Seu amigo Eli Mizrahi, de 69 anos, gerente de um hotel em Jerusalém, lembra que, quando perguntaram a David Ben Gurion quando seria a última guerra, o primeiro chefe de governo de Israel respondeu: “Quando os árabes vencerem”.
Num certo sentido, o palestino muçulmano Munzel Barakat, de 60 anos, dono de duas lojas de roupas e bijuterias na Cidade Velha de Jerusalém, concorda. “Querem fazer guerra? Façam guerra de verdade”, diz ele, referindo-se aos atentados de sexta-feira, os últimos em uma série de ataques com facas e armas de fogo de fabricação caseira, iniciada em 2015. “Esses ataques pequenos não levam a lugar nenhum. Só atrapalham nossos negócios.” Barakat também acha que o “EI está em todos os lugares: nos EUA, no Brasil, aqui…”
O comerciante chama os israelenses de “loucos”, apontando para a entrada do Muro das Lamentações, a poucos metros de suas lojas. “Ali é uma mesquita”, diz ele, referindo-se ao complexo formado pela Al-Aqsa e o Domo da Rocha, de onde, segundo a tradição muçulmana, o profeta Maomé fez uma viagem noturna aos céus em 622 antes de Cristo. “Eles ficam dizendo que é o templo deles. Não tem nenhum templo lá.” O muro foi o que sobrou o 2.º Templo de Jerusalém, construído no século 6.º antes de Cristo.
“Desde os cinco anos, todos os meninos palestinos têm de lutar para defender Jerusalém”, diz uma muçulmana que trabalha em uma entidade de assistência a pobres e pessoas com deficiência, que pede para não ser identificada. “Temos de ser fortes”, explica ela, justificando os atentados.
Outro palestino muçulmano, dono de uma farmácia em Jerusalém Oriental, que também pede para não se identificar, afirma que ele e seus amigos acreditam que os ataques, embora realizados por jovens palestinos, são orquestrados por Israel, para justificar a ocupação. “Um muçulmano não faria isso no Ramadã”, raciocina ele, referindo-se ao mês sagrado, no qual os muçulmanos jejuam durante o dia.
Os três rapazes, de 18 e 19 anos, aproveitaram justamente a sexta-feira (descanso semanal muçulmano) de Ramadã, quando muitos fiéis vêm rezar em Jerusalém, para vir de seu vilarejo na Cisjordânia, Deir Abu Mashal, para cometer os atentados. Em reação, Israel bloqueou a passagem de 200 mil palestinos do território, e prendeu 350, que estavam em Jerusalém ilegalmente.
O primeiro ataque ocorreu no bairro muçulmano dentro da Cidade Velha. Os dois autores, armados com facas e uma metralhadora de fabricação caseira, que travou durante o ataque, foram mortos a tiros pelos policiais israelenses. Uma unidade da Polícia de Fronteira que se deslocou para lá foi atacada na Porta de Damasco, uma das entradas da Cidade Velha, e a sargento de 23 anos foi morta a facadas, antes de o autor do atentado também ser morto pelos colegas dela.
A muçulmana Hanadi Dweik, de 39 anos, conta que os ataques surpreenderam, por terem ocorrido no Ramadã. “Não é justo, para com ninguém”, resume. Dweik, que trabalha como corretora de seguros em Jerusalém, diz que o seu setor acaba beneficiado pela onda de violência: “As pessoas estão fazendo mais seguros de viagem”, observa, amargamente, referindo-se ao número crescente de palestinos que deixa a região em busca de uma vida melhor.
Youssef, de 23 anos, que trabalha na loja de souvenirs de seu pai na entrada da Porta de Jaffa, um dos pontos mais movimentados para o turismo, diz que, se a situação não melhorar, irá embora também. Ele conta que mora no Monte das Oliveiras e normalmente leva 10 minutos de carro para chegar à loja. Com os bloqueios erguidos pela polícia israelense depois dos atentados de sexta-feira, tem demorado 40 minutos. Segundo Youssef, que pediu para não ter o sobrenome publicado, se não fossem os conflitos, a loja venderia de 3 mil a 4 mil dólares por dia. Atualmente as vendas não passam de 500 dólares e, depois dos atentados de sexta, caíram 85%.
No meio do conflito, estão os árabes cristãos, que representam apenas 1,5% de toda a população de Israel e dos territórios palestinos. “Só queremos paz”, diz Arkan Omar, de 22 anos, ortodoxo armênio. “Tenho amigos judeus, muçulmanos e cristãos.” Segundo Omar, as vendas na loja de seu pai dentro da Cidade Velha caíram 50% depois de sexta-feira. “Mas é normal. Acontece sempre”, constata ele, sem dar importância à pergunta sobre se o EI pode ter chegado a Jerusalém.
O ortodoxo grego Stelios Odeh, de 36 anos, que trabalha em uma agência de viagens, diz que o movimento caiu mais de 50% desde o início dos ataques com facas, há dois anos. “Desde que comecei a trabalhar, há 20 anos, sofro com o conflito”, relata Odeh, que morou em Berlim, mas preferiu voltar para sua terra natal. Ele lembra que ganhava 1.000 euros por mês em um hotel de Jerusalém quando começou a segunda intifada, levante palestino, em setembro de 2000. “Tive que aceitar que meu salário fosse reduzido para 300 euros. Era isso ou nada.”
Odeh acha que as pessoas comuns querem a paz, mas o conflito beneficia as atuais lideranças políticas dos dois lados, e que será “desastroso” se o EI realmente estabelecer base em Jerusalém. Por meio de sua agência de notícias online, o EI afirmou que “leões do califado executaram um ataque abençoado contra uma aglomeração de judeus em Al-Quds (“A Santa”, nome árabe de Jerusalém), e não será o último”. Entretanto, a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) reivindicou a autoria do primeiro atentado e o Hamas, do segundo. Os dois grupos desmentiram a participação do EI. O Hamas prendeu cerca de 500 suspeitos de simpatizar com o EI na Faixa de Gaza nos últimos meses. Em sua maioria, seriam ex-militantes mais radicais do Hamas, que teriam aderido ao EI.
As Forças de Defesa Israelenses (IDF) disseram não ter encontrado evidências de envolvimento do EI nos atentados de sexta-feira. Segundo a IDF, tudo indica que o ataque foi executado por uma “célula local clássica”, ou seja, jovens que se conheciam e decidiram agir juntos, mas não pertenciam a uma organização terrorista. Como sempre fazem nesses casos, as forças de segurança israelense foram até o lugar onde os autores dos ataques moravam, interrogaram seus familiares e demoliram suas casas, como forma de punição coletiva.
Ao menos 252 palestinos e um jordaniano foram mortos desde o início da “intifada das facas”, em 2015. Segundo as autoridades israelenses, 170 dos mortos eram autores de ataques. Os outros morreram em confrontos e protestos. A IDF e o Shin Bet, polícia secreta israelense, conduzem uma guerra contra a indústria de metralhadoras de “fundo de quintal” na Cisjordânia. Desde o começo do ano, 29 oficinas foram fechadas e 180 armas, apreendidas. Por causa da repressão, o preço dessas armas, chamadas de “Carlos”, subiu de 1.500 shekels (cerca de R$ 1.500) para 3 mil a 4 mil shekels.
É, não está fácil para ninguém.