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Gabinete de Trump não irá "drenar o pântano" da política

Apesar de prometer "drenar o pântano", Donald Trump escolhe nomes ligados ao lobby político e a grandes conglomerados para compor o governo

Trump no Salão Oval: ele prometeu que iria "drenar o pântano" que é a política em Washington (Kevin Dietsch/Getty Images)
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Rafael Kato

Publicado em 24 de janeiro de 2017 às 13h27.

Última atualização em 24 de janeiro de 2017 às 21h32.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível naApp Storee noGoogle Play .Para ler esta reportagem antecipadamente,assine EXAME Hoje.

Por volta de outubro do ano passado, Donald Trump havia anunciado um novo slogan em sua campanha: drenar o pântano. Era uma mensagem à maneira tradicional de fazer política nos Estados Unidos , altamente influenciada pelo lobby de grandes conglomerados e milionários junto ao corpo político, pela recompensa aos doadores de campanha e pela corrupção em prol dos amigos do rei — atitude que o republicano apontou como uma das falhas primordiais da concorrente democrata Hillary Clinton .“Quando nós ganharmos, nós vamos para Washington e vamos drenar aquele pântano”, afirmou o então candidato. De fato, as indicações de Trump para os principais 21 cargos dos Estados Unidos, que necessitam de aprovação do Congresso, são muito diferentes daquelas feitas pelos governos dos últimos 30 anos.

Segundo dados do lobista republicano Bruce Mehlman, na atual gestão, 28% dos secretários têm experiência como executivos do setor privado, 47% têm experiência de governo, 28% têm experiência militar e nenhum tem doutorado — bem diferente do primeiro time de Obama, em que a imensa maioria tinha experiência de governo, 91%, mesmo número do governo de George W. Bush, e 23% tinham PhD. Com Obama, nenhum secretário já tinha ocupado cargo como executivo de empresas.

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A mudança é realmente grande, mas é o suficiente para drenar o pântano, como diz Trump, e, mais do que isso, entregará os resultados que ele prometeu? Até agora, as evidências apontam para o contrário. Mesmo que as escolhas fujam do que é tradicional em Washington, não dá pra dizer que eles estão longe do corporativismo da política americana: 11 dos indicados estiveram sentados em cadeiras no conselho de empresas que, juntas, gastaram 497,5 milhões de dólares em lobby junto ao governo federal — a maior parte da quantia está vinculada ao indicado a secretário de Estado, Rex Tillerson, até então presidente da petroleira Exxon Mobil e membro do Instituto Americano de Petróleo, grupos que investiram 368 milhões de dólares em lobby desde 2006, sob o comando de Tillerson.

Outros indicados têm sido grandes financiadores de campanha. Linda McMahon, co-fundadora do campeonato de luta livre WWE e indicada como chefe do órgão de Administração de Pequenos Negócios, doou mais de 20 milhões de dólares para candidatos republicanos e comitês políticos conservadores. Betsy DeVos, a secretária de Educação de Trump, doou quase 8 milhões desde a década de 1990 para políticos republicanos envolvidos com a causa de reforma na educação. Steven Mnuchin, nomeado para o Tesouro e um dos nomes mais controversos, dado seu envolvimento prévio com o banco Goldman Sachs, não revelou 95 milhões de dólares em patrimônio antes da audiência no Senado. Aos poucos, os indicados de Trump vão se mostrando pegajosos, tanto quanto o pântano que já estava lá antes deles.

Gestão problemática

É inegável que os homens e as mulheres de Trump têm grande experiência e conhecimento em diversas áreas do setor privado, como medicina, gestão de grandes empresas e até relacionamento internacional. Mas especialistas discordam que essa expertise possa ser aproveitada totalmente pela administração pública. Segundo a professora Marina Whitman, da Escola Gerald R. Ford de Políticas Públicas da Universidade de Michigan, o setor público requer habilidades distintas daquelas exigidas no setor privado. “Isso é um motivo de enorme preocupação. Vários dos nomeados não têm qualquer tipo de experiência de governo e suas capacidades podem ser aproveitadas somente num sentido limitado”, afirma.

O professor Otto Nogami, do MBA Executivo do Insper, concorda. Para ele, trata-se de um gabinete "um tanto quanto fraco", que preocupa pelas implicações que as decisões tomadas possam ter na economia. Para ele, um dos nomes mais problemáticos é o de Mnuchin, do Tesouro. “Ele pode tomar decisões, a nível de política monetária, bastante controversas, principalmente pela relação que tem com bancos e com o mercado”, afirma. Mnuchin trabalhou 17 anos no Goldman Sachs e depois se tornou um conhecido investidor de Wall Street. Sua participação no governo está fortemente ligada ao seu sucesso como investidor — e claro por ter presidido as finanças da campanha republicana.

Outros potenciais nomes problemáticos, principalmente para a política econômica internacional, são os de Willbur Ross, indicado para a secretaria de Comércio, e o de Robert Lighthizer, nomeado como representante de Relações Comerciais. Nogami lembra que ambos chamam a atenção por opiniões anti-mercado e que Lighthizer é um exímio defensor de cortar as relações comerciais com a China — Ross defendeu em artigo no jornal Wall Street Journal que votar em Trump era votar no crescimento e que ele “traria 25 milhões de postos de trabalho e trilhões em impostos” com o endurecimento das taxas de importação.

Especialistas também demonstram preocupação com nomes que podem interferir na política doméstica. Betsy DeVos, indicada para a Educação, não tem qualquer tipo de experiência com o assunto em termos privados ou públicos — ela é uma bilionária filantropa que advoga pelo uso de vouchers e pelo aumento de escopo do ensino privado. Scott Pruitt, nomeado para a Agência de Proteção Ambiental (EPA), compõe um grupo de advogados que processa a própria EPA por políticas tomadas para combater o aquecimento global — debate que ele afirma estar longe de ter ponto pacífico. Ben Carson é um neurocirurgião aposentado que concorreu contra Trump durante as primárias republicanas. Ele é indicado para a secretaria de Habitação e Urbanismo, área bem longe de sua formação e expertise.

Salo Coslovsky, professor de desenvolvimento internacional na Universidade de Nova York, afirma que há um conflito de interesse intrínseco e despreparo em várias dos nomes do presidente. “DeVos, por exemplo, é um nome bastante polêmico nos Estados Unidos e tem um histórico de lutar por reformas que propõe o desmanche do ensino público, um dos pilares da vida cívica americana”, afirma.

Nem tudo está perdido. Os especialistas consultados por EXAME Hoje conseguem olhar “pelo lado bom” e afirmar que há nomes fortes na equipe de governo. Nogami, do Insper, lembra que Elaine Chao, a indicada de Trump para a secretaria de Transporte — área que deve receber muitos investimentos com os planos de reforma estrutural do presidente — tem vasta experiência trabalhando na gestão de George W. Bush.

Whitman, da Universidade de Michigan, afirma que Rex Tillerson, novo secretário de Esado, e o general James Mattis, confirmado na sexta-feira à noite como secretário de Defesa pelo Congresso, são nomes consistentes. “Primeiramente, Tillerson não é doido e Mattis tem um bom histórico como líder militar e também trabalhando como civil”, afirma. Apesar disso, ela lembra que Tillerson pode se complicar, já que tem relações próximas com a Rússia e com o presidente Vladimir Putin, que datam de sua época como articulador da Exxon Mobil.

Concordar em discordar

Não obstante os nomes de Trump tivessem seus percalços de interesse, seria de se esperar que uma equipe tão avessa à lógica de governo tradicional de Washington fosse mais parecida, em termos de ideais, com o presidente. Não é o que vem acontecendo nas audiências do Senado para os cargos, que começaram no dia 10 de janeiro.

Vá lá, governos são compostos por pessoas e pessoas discordam umas das outras. É natural e saudável conviver com o diferente, inclusive dentro do governo. Quando Lula assumiu a presidência em 2003, por exemplo, sua equipe econômica destoava de maneira gritante da agenda tradicional do PT e também do restante do governo.Com Trump, as discordâncias entre ele e a equipe extrapolam o escopo da área econômica. Os mais novos discordantes de suas posições são seus próprios ministros. Nas últimas duas semanas, eles endossaram a opinião de vários detratores do presidente ao dizer que a Rússia é, sim, uma ameaça, que o muro na fronteira com o México sozinho não será efetivo, que banir todos os muçulmanos dos Estados Unidos é errado e que a mudança climática é uma preocupação válida.

Tillerson disse ao Senado que o presidente russo Vladimir Putin é uma ameaça regional e internacional e que deve ser respondido “com medida de forças proporcionais”. Ele também disse que banir muçulmanos é ilegal e que os Estados Unidos devem se comprometer com seu papel diante da Otan. Todas essas declarações contrariam palavras de Trump.

O general James Mattis disse que irá se manter fiel ao tratado nuclear feito no Irã. “Quando a América dá sua palavra, temos que viver para fazer ela valer.” Trump afirmou que a negociação do acordo foi “uma das mais idiotas já feitas”.

Jeff Sessions, indicado como Advogado Geral, concordou com Tillerson e afirmou que “muçulmanos, como um grupo religioso, não deveriam ser impedidos de entrar nos Estados Unidos”. De fato, Sessions, que é também senador, afirmou que não terá medo de dizer "não" ao presidente caso seja necessário.

O professor Salo Coslovsky acredita que a ambiguidade mais favorece do que enfraquece o governo de Trump e que ele pode mudar de lado, como já fez antes. “Ele se move pelo contraditório e pelo caótico. No mundo de Trump nada está garantido e ele pode mudar de opinião sem sofrer penas por isso”.

Só o tempo vai dizer se as discordâncias são somente para inglês ver ou se são um possível problema para o futuro governo. Para a professora Marina Whitman, de Michigan, cada pessoa tem algum tipo de linha moral que não irá cruzar e posições que não aceita assumir. “Há uma diferença entre concordância privada e pública. Sessions disse que discordará de Trump, mas isso implica que ele pode fazer isso a portas fechadas ou ele pode estar disposto a abdicar de sua posição em sinal de discordância. São relações diferentes”. As visões que vão prevalecer dentro do time de elite do governo tendem a ser tão decisivas para o novo governo quanto as visões do próprio novo presidente.

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