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Desigualdade econômica pode causar instabilidade na China, diz especialista

Economista americano afirma que insatisfação dos chineses com o governo cresce à medida que aumentam as diferenças entre ricos e pobres e pode pôr em risco autoridade dos líderes locais

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h39.

Entrevista com o economista Eric J. Heikkila, professor da Universidade do Sul da Califórnia especialista em urbanização da China. Atualmente ele vive em Hong Kong para um ano de estudos na Universidade Chinesa de Hong Kong.

 

- Você conhece as cidades de Guangzhou e Changchun, as duas cidades que mais vão crescer no mundo até 2020?

Eu conheço Guangzhou. Ela fica perto de Hong Kong, é a capital da província de Guangdong. Historicamente, essa cidade é uma das que mais cedo começaram a interagir com o oeste, com comerciantes da Inglaterra e muitos países europeus. A outra cidade, Changchun, é uma cidade que eu não conheço e realmente não ouço as pessoas falarem. Mas faz sentido as cidade que vão crescer mais rápido serem cidades de médio porte, e não as maiores, porque as maiores estão começando a se aproximar do seu limite de capacidade, por isso eu acho que as oportunidades para as médias são maiores, para absorver as populações que mudam para as áreas urbanas.

- Mas, na China, as pessoas das áreas rurais podem migrar livremente para as cidades?

Não. Existe um sistema na China chamado Hukou. Esse sistema é um sistema de permissão de residência. Todos na China tem um hukou, um tipo de permissão que indica aonde eles são autorizados oficialmente a viver. As pessoas no interior têm hukou rurais, o que faz com que se torne mais difícil para eles migrarem para as cidades.

- Mas isso é possível? Migrar para as cidades?

Sim, porque a China está mudando muito rápido. Antigamente, 30 anos atrás, era quase impossível para alguém com um hukou rural mudar para a cidade, porque o sistema socialista controlava tudo, não havia quase setor privado. Então, se uma pessoa quisesse casa, comida ou escola ela tinha que ter a permissão das autoridades locais, que controlavam a alocação desses bens serviços. Mas, nos últimos anos, o setor privado tem mudado muito rapidamente e, hoje, muito mais pessoas dependem do setor privado; elas vivem e comem no setor privado, mandam seus filhos para escolas privadas.

- Mas essas pessoas podem trabalhar no setor privado sem o hukou correto?

Ilegalmente sim. Existe hoje na China um enorme mercado de trabalho informal. Nós vimos isso em muitos países, inclusive no Brasil. E, no caso da China, o fenômeno é muito conhecido. Existe um número muito grande de "floating population", que são as pessoas com hukous rurais que migram para outras regiões do país em busca de oportunidades de trabalho, e a maior parte dessas oportunidades estão nas cidades.

- E as cidades estão mesmo precisando de mais empregados, certo?

Sim. Isso é similar ao que ocorre nos Estados Unidos. O país tem uma enorme migração de mexicanos porque na nação americana os salários são relativamente maiores e nos países vizinhos os salários são mais baixos, o que acaba sendo um incentivo para a migração. E para o empregador isso também é um incentivo porque ele acaba pagando menos. Isso também ocorre na Europa, que recebe pessoas da África, por exemplo. O diferente no caso da China é que essa onda de migração acontece dentro do próprio país. Você acaba tendo duas classes de cidadãos e isso está criando um desafio para o governo, que é de como lidar com esse processo, já que o governo não quer todo mundo se mudando para as cidades porque isso geraria confusão, desestruturaria o sistema econômico.

-Mas e o hukou? Não ajuda a conter a migração?

Hoje esse sistema é menos importante do que era no passado. Até mesmo porque as empresas e pessoas das cidades precisam de trabalhadores. Veja os moradores de Pequim e Xangai, por exemplo. Essas cidades têm uma crescente classe média. E, mesmo que a classe média na China seja pequena enquanto porcentagem, ela é uma das maiores classes médias do mundo. É claro que essa classe média quer mais serviços, eles querem pessoas para limpar suas casas, fazer seu jantar etc. Então esses migrantes vão para as cidades fazer isso.

- E como esse processo de migração interfere na urbanização das cidades?

A questão de onde essas pessoas que migram moram está se tornando um desafio importante para o governo chinês. Esse fenômeno está começando a criar abrigos informais na cidade. No Brasil, isso são as favelas, aqui eles têm um nome diferente, mas é a mesma coisa. Mas o problema é que, por um lado, o governo quer melhorar os padrões das cidades, construindo melhores e mais seguras obras e para isso o governo está começado a promover altos padrões e demolindo prédios que vão contra esses padrões. Mas, ao mesmo tempo, quem vem de fora não pode arcar com esses padrões, então uma das conseqüências é que o setor formal acaba criando o setor informal. É irônico que os planejadores que estão tentando criar o formal setor na verdade estão ajudando a criar o setor informal.

- O governo chinês investiu na criação de zonas de desenvolvimento no início dos anos 80, para estimular a industrialização de algumas regiões do país. Como essas zonas interferiram em seu processo de urbanização?

Essas zonas de desenvolvimento vieram no início das reformas econômicas da China. Elas foram muito importantes, porque elas serviam como um "teste" para o país ingressar no capitalismo. Nessas áreas, o capital estrangeiro podia entrar livremente e os princípios da economia de mercado podiam ser introduzidos. As zonas foram uma estratégia muito bem-sucedida, mas hoje já não são essenciais, porque todo o país hoje está aberto para o capital estrangeiro.

- O que acontece aqui no Brasil é que só agora, nós vemos o governo se preocupar efetivamente com a questão das favelas. Recentemente o governo anunciou um plano de urbanização para a Rocinha, por exemplo, e não quando ela começou a ser formada. O governo chinês está mais preocupado com isso?

Essa é uma boa questão. Eu acho que a resposta é sim. Eu acredito que o governo na China está muito preocupado e consciente, ele entende e compreende muito bem o problema e está focado na tentativa de realmente fazer alguma coisa. E eu acho que essa é a grande diferença entre o que eu vejo na China e em outros países. Eu estive em muitos países, como Brasil e Indonésia, e quando eu olhei para esses países eu comparei com a China imediatamente. A China tem uma preocupação muito mais visível. Eles podem fazer erros, até porque o problema é complicado, mas quando olho para o mundo, eu não vejo outro país que seja tão dedicado a melhorar a qualidade de vida dos pobres quanto a China.

-Você considera a China um país urbanizado?

O nível de urbanização na China passou de 30% para 40% nos últimos 30 anos. Isso é uma mudança muito grande, especialmente se pensarmos que estamos falando de um país com mais de 1 bilhão de habitantes. Mas, tradicionalmente, a China sempre foi suburbanizada, com a maior parte de sua população nas zonas rurais.

- Hoje, o que guia o governo chinês para tentar urbanizar o país?

Uma das causas potenciais da instabilidade social da China é a desigualdade. Parte da China está se tornando muito rica, mas outra parte ainda está muito pobre, e esses pobres estão ficando insatisfeitos, o que pode causar instabilidade. Também há muitos casos onde as pessoas das áreas rurais estão sendo tiradas de sua região em prol do desenvolvimento das regiões, para usar a sua terra para a construção de estradas, de um novo shopping center, ou mesmo uma estrada. Mas a compensação que essas pessoas recebem para deixar sua terra é muito baixa, o que os deixa descontentes Aqui há um sentimento de que o desenvolvimento não é para eles, e isso é uma fonte potencial de instabilidade. E é por isso que o governo trabalha muito forte para acabar com esses problemas.

- Se o governo não controlar essa insatisfação no campo, ele perde o controle do país?

O capitalismo está florescendo na China, então agora existe uma diferente justificativa para o partido comunista manter o controle, que é que ele pode guiar o desenvolvimento para beneficiar os pobres, com mudanças positivas. Esse é agora o desafio do governo: demonstrar que ele pode entregar o progresso econômico para todos, ou pelo menos gente suficiente para que a população em geral aceite a sua liderança.

- Mas você acredita que o governo pode controlar todas as mudanças do país?

Não, ele não pode controlar tudo, mas ele pode fazer a diferença. E isso é verdade em vários lugares do país.

- Qual tipo?

Infra-estrutura, por exemplo. Eles estão construindo estradas, sistemas de transportes, estão trabalhando para proteger o meio ambiente. Eu realmente acho que o governo está realmente interessado, quem trabalha nisso é sensível, dedicado, entende o problema muito bem. Se você olhar para os Estados Unidos, por exemplo, nos seus primeiros estágios de desenvolvimento do capitalismo, 150 anos atrás, ele tinha os mesmos problemas que a China tem hoje, como a poluição.

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