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Contaminação, um problema caro e invisível

Novas leis sobre a contaminação de terrenos se transformam no mais recente risco ambiental a ser administrado pelas empresas

Shopping Iguatemi, em São Paulo: 2 milhões de reais para eliminar a contaminação do subsolo descoberta durante uma obra de expansão em 2007 (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Há pouco mais de dois anos, o paulista Walter Torre Junior planejava iniciar no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo, a maior obra da história de sua construtora, fundada há 29 anos. Numa área de 50 000 metros quadrados, a WTorre projetou erguer um hipermercado com a bandeira Walmart e seis edifícios, entre escritórios e condomínios residenciais, que deveriam ficar prontos no fi nal de 2009. O projeto exigiria um investimento de 500 milhões de reais. No entanto, até agora as obras nem começaram. A razão está na contaminação do solo da área, que abrigou por mais de 40 anos uma antiga fábrica de sorvetes da Kibon, comprada pela Unilever em 1997. Desde o anúncio do complexo, a construtora está às voltas com estudos e relatórios para obter a autorização da Cetesb, companhia de licenciamento ambiental do estado de São Paulo, e começar a construção. A solução do problema poderá custar até 10 milhões de reais. Torre Junior estima que as obras serão iniciadas em junho de 2010. "Já sabíamos do problema ao comprar o terreno. Mas o caso está se mostrando mais tortuoso do que prevíamos", diz ele. "O projeto ficará pronto apenas em 2012, com quase três anos de atraso."

A demora na concessão de licença pela Cetesb no caso do terreno da WTorre resulta de uma legislação que se tornou mais rígida nos últimos anos no que se refere ao gerenciamento de áreas contaminadas. Desde o final da década de 90, apenas as empresas potencialmente poluidoras tinham de passar seus projetos por uma avaliação ambiental. Hoje, todas as construtoras precisam submeter suas obras a uma avaliação das condições do solo antes de iniciá-las. As regras ficaram ainda mais severas em São Paulo, com a aprovação de uma nova lei em julho de 2009. Para empresas como a WTorre, lidar com esse rigor é novidade - e motivo de preocupação. "Vai ficar cada vez mais difícil para as empresas tentar se isentar de responsabilidade", diz a advogada Ana Luci Limonta Esteves Grizzi, sócia do escritório Veirano. "As companhias deverão ter mais cautela na aquisição de terrenos e antigas fábricas, pois serão responsáveis por contaminações passadas."

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A fiscalização mais intensa levou a um aumento significativo dos registros de novos casos de contaminação. Em 2002, a Cetesb divulgou pela primeira vez uma lista desse tipo. Na época, havia apenas 255 terrenos com problemas. Até o final de 2009, a conta deve chegar a 3 000 terrenos. As áreas de maior incidência de contaminação são aquelas próximas a postos de gasolina. Donos de tanques que armazenam óleos, derivados de combustíveis e solventes no subsolo, os postos são responsáveis por 80% dos solos contaminados no estado de São Paulo. Desde 2001, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) passou a obrigar os postos de gasolina de todo o país a obter licença de instalação da Cetesb local. "A norma obrigou empresas a investigar seu passivo ambiental", diz Rodrigo Cunha, coordenador do grupo gestor de áreas contaminadas da Cetesb. "Apertamos o cerco contra o mau uso de terrenos e as irregularidades no gerenciamento de áreas contaminadas."

Solução milionária
Em alguns casos, a identificação de contaminação do solo por uma empresa pode ser indício de que outras companhias, situadas em locais próximos, podem ter o mesmo problema. Foi o que aconteceu em Jurubatuba, bairro que concentra um polo industrial na região sul de São Paulo. Em 2001, a Gillette descobriu uma contaminação num terreno preparado para a construção de uma nova fábrica. Desde então, o terreno permanece praticamente intocado - a atual proprietária é a Procter&Gamble, que adquiriu a Gillette em 2005. Depois da Gillette, outras oito empresas instaladas na região descobriram um passivo ambiental abaixo do solo, contaminado por solventes químicos nocivos à saúde. Em conjunto, elas pretendem criar um projeto de descontaminação para dividir os custos - que ainda não foram estimados. "O que podemos dizer é que a empresa tem investido muitos milhões de dólares nesse processo", afirma o americano Franklin Legall, gerente de projetos para questões ambientais da P&G.


Dar um destino adequado aos resíduos tóxicos é um desafio caro. Os controladores do Shopping Iguatemi gastaram cerca de 2 milhões de reais para gerenciar uma contaminação nas imediações do empreendimento, em São Paulo. Parte do investimento foi aplicada na remoção de 4 500 toneladas de terra e dois tanques de gasolina do subsolo, operados por um posto há 20 anos. O material foi encontrado durante as escavações para as obras de expansão do shopping, em 2007. A segunda fase previa a perfuração de ruas próximas para identificar o alastramento da contaminação. As dificuldades de obter autorizações na prefeitura, no entanto, atrasaram o cronograma das obras, e o shopping foi multado pela Cetesb em 8 000 reais. "A empresa faz reservas para contingência, mas esse problema não estava previsto", afirma Maristela Garcia, gerente jurídica do Iguatemi.

Para evitar problemas com áreas contaminadas, os especialistas orientam as empresas a tomar alguns cuidados simples antes de comprar terrenos: investigar a área, conversar com antigos funcionários e vizinhos e levar porções de solo e água para análise em laboratório. Hoje, há mais de 120 consultorias especializadas em auditorias ambientais que fazem estudos de impactos e calculam o custo de gerenciamento das áreas contaminadas. Há uma década, apenas dez empresas faziam esse trabalho. "A crescente preocupação das empresas com os terrenos contaminados triplicou nosso faturamento desde 2005", diz Cristina Knapp, diretora da consultoria Environ Arquipélago, uma das maiores do setor. "Antes desistir da compra de um terreno do que comprometer o futuro do negócio por causa de uma análise malfeita", diz o advogado Jorge Alex Athias, especializado em meio ambiente, do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff, sediado em Belém, no Pará.


As novas regras

As principais mudanças que a nova lei exige das empresas que atuam no estado de São Paulo a respeito das áreas contaminadas

GARANTIA BANCÁRIA - Ao identificar a contaminação de um terreno, a empresa proprietária deverá apresentar uma garantia bancária equivalente a 125% do custo
estimado para a solução. O valor será usado caso a empresa descumpra o cronograma inicial.
Como era antes: As empresas não precisavam dar nenhuma garantia antecipadamente, apenas arcar com eventuais custos da descontaminação de áreas afetadas.

MULTAS MILIONÁRIAS - A Cetesb passa a ter poder para aplicar multas de até 50 milhões de reais por infrações ambientais e desrespeito às regras da lei. Ainda não houve pagamentos de multas de acordo com a nova legislação.
Como era antes: O valor das multas era limitado a 158 500 reais para casos graves de impacto no meio ambiente.

COMPENSAÇÃO AMBIENTAL - A lei prevê a formação de um fundo de prevenção a ser pago por empresas com atividade potencialmente causadora de contaminação, destinado ao gerenciamento de áreas contaminadas. A definição do valor ainda está em estudo. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente levará em conta o porte do empreendimento, o grau de risco do negócio e a tecnologia usada para a redução do potencial de contaminação.
Como era antes: Não havia cobrança prévia de compensação ambiental, tampouco uma taxação das empresas de acordo com sua atividade e seu potencial causador de contaminação.

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