DONALD TRUMP: / Jonathan Ernst/Reuters
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2017 às 12h42.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Camila Almeida e Carol Oliveira
Não faltam críticas ao novo presidente americano. Uma legião de intelectuais do mundo inteiro poderia colocar a mão no fogo afirmando que o governo do milionário, que se vangloria de não ter experiência política, vai ser um grande fracasso. Descontrole fiscal, aumento da desigualdade, queda brusca nas receitas americanas – tudo isso é atribuído ao futuro dos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump.
Apesar das divergências de Trump dentro do próprio partido, o novo presidente não deverá ter grandes problemas para aprovar suas medidas. Com a maioria republicana garantida, o apoio interno deve ajudar os projetos a saírem do papel com maior destreza. Além disso, Trump se beneficia de um legado muito positivo do democrata Barack Obama. “A economia americana, apesar de parecer crescer pouco com seus 2% ao ano, é uma das que mais cresce na OCDE. E o desemprego está muito baixo, em torno dos 4,5%. Para uma economia gigantesca como a dos Estados Unidos, com 320 milhões de habitantes, é um número excelente. E Trump vai se beneficiar desse bom momento no começo”, afirma o economista e cientista político Marcos Troyjo, especialista em relações internacionais e codiretor do BRICLab na Universidade Columbia.
A aposta é de um mandato com muito gás nos primeiros dois anos, e possíveis encrencas no final. “O público que se comunica via redes sociais é extremamente fiel. os apoiadores do Trump até agora estão entusiasmados”, diz o cientista político Fernando Schüler, do Insper. Mas isso não quer dizer que ele terá sossego: a população está dividida, ele já comprou briga com movimentos sociais importantes, como os ambientalistas, e não conta com apoio da imprensa. “Ele nao vai ter folga”, afirma Schüler.
A torcida contra é forte, mas será que o projeto do magnata aprovado por mais de 50 milhões de americanos nas urnas é de todo mal? “O Make America Great Again tem muito a questão de uma geração de trabalhadores que acham que seus filhos vão ficar pior do que eles estão. É possível que Trump aposte numa uma modernização conservadora, nacionalista”, afirma o economista Giorgio Schutte, da Universidade Federal do ABC, que já atuou como coordenador de estudos em políticas internacionais do Ipea.
As tendências protecionistas são o que preocupam os especialistas. “Algumas empresas podem atrasar seus investimentos fora, mas só no começo. Os consumidores estarão dispostos a comprar produtos mais caros só porque são americanos? As fábricas fora do país vão continuar mais baratas, e esse protecionismo pode gerar perda de competitividade”, afirma Schüler. Para entender melhor o que esperar dessa “modernização nacionalista”, selecionamos 5 pontos para explicar como vai funcionar o “Trumponomics”, como é conhecido o pacote de medidas para a economia do novo governo, e como ele pode ser um bom motor para o crescimento dos Estados Unidos no curto prazo.
1 – Proteção aos trabalhadores americanos
Trump tem insistido em afirmar que será o maior criador de empregos que “Deus já viu”. Em seu plano de governo, ele prometeu criar 25 milhões de vagas nos próximos dez anos. Ele também prometeu criar um mecanismo para garantir que os empregos sejam oferecidos, antes de tudo, aos cidadãos americanos, como forma de evitar que trabalhadores mexicanos, que compõem mão-de-obra mais barata, sejam preferidos para ocupar as vagas. Ele também prometeu deportar 2 milhões de imigrantes com antecedentes criminais e controlar mais duramente a entrada de estrangeiros no país, inclusive com a construção do muro na fronteira com o México. Isso só não quer dizer que serão empregos de qualidade. “Os mexicanos trabalham, geralmente, em empregos de baixa qualificação, com péssima remuneração”, diz Fernando Schüler, do Insper.
Porém, é justamente esse tipo de emprego que os Estados Unidos não têm conseguido criar, com a economia morna. Com um plano ambicioso em infraestrutura em mãos, a oportunidade de reaquecer a vida dessa parcela menos qualificada da população é alta. “Ele tem recurso pra fazer esse plano em infraestrutura acontecer – e talvez seja a única chance dele conseguir se reeleger. Para gerar emprego de baixa qualificação, que é realmente um problema nos Estados Unidos hoje, não adianta atrair as empresas que estão na China. O único lugar que dá pra empregar esse pessoal é em infraestrutura”, afirma o administrador Paulo Feldmann, especialista em economia das organizações da FEA/USP.
2 – Investimentos em infraestrutura
O pacote é extenso: avenidas, rodovias, ferrovias, aeroportos, pontes, tubulações, redes elétricas e de telecomunicações… Obras que somam 1 trilhão de dólares em investimentos pelos próximos 10 anos. Sem falar do muro na fronteira com o México, que deve custar cerca de 25 bilhões de dólares. O ambicioso plano de Trump para a infraestrutura ainda quer ter baixo impacto sobre os cofres públicos, já que um de suas metas é não aumentar a dívida nacional. Ele espera financiar as obras por meio de parcerias público-privadas, títulos públicos e com cortes de gastos supérfluos.
O plano é visto com bons olhos. “Foi isso o que a China fez entre 20 e 30 anos atrás, e que gerou o desenvolvimento. Vai ser muito bom para as empresas americanas, que talvez se interessem até em voltar a fabricar dentro dos Estados Unidos”, diz Paulo Feldmann, da USP. “Muitas empresas americanas migraram para a China porque lá a infraestrutura é muito boa. Ainda tem muito por fazer nos Estados Unidos, principalmente nos estados do centro e do meio-oeste, que ainda são relativamente carentes.”
3 – Revisão dos acordos comerciais
Uma das promessas de Trump era de que, em seu primeiro dia de governo, ele desfaria o Tratado Transpacífico, acordo comercial que envolve 40% da economia do mundo. Além disso, o novo presidente é extremamente crítico ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), chegando a dizer que é “pior acordo comercial já aprovado no país”. Para Trump, os acordos são os culpados pelo esvaziamento da capacidade de trabalho nos Estados Unidos. Com a facilidade de importar produtos desses países, que possuem mão-de-obra mais barata, o país teria sido desestimulado a fortalecer a indústria local.
No Fórum Econômico Mundial, que se encerra nesta sexta-feira em Davos, na Suíça, o conselheiro financeiro de Trump, Anthony Scaramucci, fez questão de esclarecer que Trump não é avesso à globalização, mas que os acordos não podem seguir a mesma linha desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos estavam fazendo concessões para se firmar como potência no mercado global. “Se o objetivo for corrigir as assimetrias, essas revisões tendem a ser saudáveis”, disse Marcos Troyjo, de Columbia. Em relação à China, Troyjo acredita que os ânimos devem se apaziguar. “Hoje, existe no mundo um G2. E Estados Unidos e China precisam se entender. Na área comercial, creio que o objetivo será fortalecer a interdependência, o que é positivo, e os chineses já se mostraram dispostos a aparar arestas”, disse o especialista.
4 – Regulação menos amarrada
Promessa para os 100 primeiros dias de mandato: cortar duas regulamentações federais para cada nova regra criada. Trump tem insistido que as normas americanas são excessivas e sufocantes, e têm atravancado a indústria. Especialmente a legislação ambiental. O novo presidente americano insiste em negar os efeitos das mudanças climáticas, e já prometeu voltar a estimular o setor de energia, independentemente de seu potencial poluente.
A revisão das regras é arriscada, mas, sem dúvidas, vai deixar alguns setores animados, como o automobilístico e o de combustíveis fósseis. “Com menor regulamentação no setor de energia, o gás de xisto deve ser valorizado, e isso pode acabar despencando o preço da energia. O setor de pneus, por exemplo, que consome muito, deve se beneficiar”, diz economista Giorgio Schutte, da Universidade Federal do ABC. Mas as mudanças preocupam – e não só aos ambientalistas. “A falta de regulação foi justamente o que gerou a crise de 2008, e os Estados Unidos aprenderam. Espero que Trump não cometa o mesmo erro do começo do século, quando toda a regulação sobre o setor financeiro foi aliviada”, afirma Feldmann.
5 – Menos deduções, mais estímulos
Trump prometeu apostar num grande ajuste fiscal, que desonera as empresas e estimula a economia. No plano desenhado pelo parlamentar republicano Devin Nunes, chefe do Comitê Permanente de Inteligência do Congresso, a proposta é reduzir a taxação sobre as empresas de 35% para 20%, o que seria o valor mais baixo da história americana. O atual sistema fiscal, de acordo com a proposta, é indecifrável, cheio de brechas, desestimula a criação de novas empresas e acaba facilitando a migração de empresas americanas para outros países. Ele também quer criar um sistema de repatriação de lucros gerados no exterior, a uma taxa de 10%.
“Trump pretende diminuir impostos para as empresas voltarem para os Estados Unidos, é uma troca. E isso será considerado pelas empresas que estavam considerando se realocar. Será uma política muito amigável para o ambiente de negócios”, afirma o economista Giorgio Schutte. Mas a grande questão do “Trumponomics” é que ele não se mostra como um plano viável. “É impossível conseguir manter o câmbio controlado, aumentar os investimentos, reduzir impostos e ainda reduzir o déficit nacional”, afirma o economista Marcos Troyjo. Se Trump vai conseguir manter as contas em ordem? A maioria dos especialistas aposta que não. Mas, sem dúvidas, os Estados Unidos viverão momentos de euforia e surpresas nos próximos quatro anos.