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A tragédia e a oportunidade da educação básica no Brasil

O apagão de educação básica no Brasil é a maior tragédia humanitária dos nossos tempos, a raiz de todos os nossos males e, ao mesmo tempo, nossa maior oportunidade de evoluir e ter um salto quântico de crescimento econômico

Fosso entre escola pública e privada ainda é um estigma no país (Igor Alecsander/Getty Images)
Paulo Batista

CEO do Alicerce Educação

Publicado em 3 de novembro de 2023 às 11h44.

A educação básica brasileira é trágica, e isso precisa ser dito mais vezes. A fotografia do sistema educacional público brasileiro de hoje é um espelho da colonização brasileira e da ferida aberta da escravidão que não foi extinta, de verdade, há 135 anos atrás - e não será extinta até que se dê acesso verdadeiro à educação básica para todos.

Para o leitor que já possa estar pensando que eu estou exagerando, vamos aos dados e fatos. Na prova do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2018, é notório que o Brasil ficou em uma das últimas posições. Contudo, pouco se olha para a composição desse resultado e para o que ele nos diz sobre o retrato da sociedade brasileira contemporânea.

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Apenas 4.3% dos estudantes de Ensino Médio, considerando sistema particular e público, apresentaram em 2018 o conhecimento de matemática necessário para participar da economia do século XXI. Apenas 9% dos alunos demonstraram ser capazes de ler um texto longo (que dirá um livro) e entender o seu significado. Sim, apenas 9% dos brasileiros são capazes de ler e entender esse artigo que você está lendo.

Para piorar, 68% dos estudantes de Ensino Médio do período pré-pandemia demonstraram não serem capazes de fazer as quatro operações elementares da matemática. Além disso, apenas 50% dos jovens conseguiram ler um texto curto (tipo mensagem de WhatsApp) e compreender o que leu. Esses percentuais são confirmados também por uma análise mais cuidadosa dos resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), onde um percentual semelhante alcança o padrão dito “avançado”, mas que, na verdade, é o mínimo necessário.

Essa é a dura e trágica fotografia da educação brasileira, impossível de conciliar com as estatísticas do Censo Escolar do Inep, de 2022: dos brasileiros com 25 anos ou mais, apenas 5,6% são analfabetos, 66% têm diploma do Ensino Fundamental, 53% de Ensino Médio e 19% de Ensino Superior.

A explicação do porquê isso acontece é longa, mas, resumidamente, trata-se de uma espiral negativa de qualidade resultante de quatro elementos:

1 - Uma política de aprovação automática, sem diferenciação da instrução, e que resulta em analfabetos funcionais tendo aulas de física e química em uma escala absurda;

2 - A quebra de solidariedade política pelo surgimento de um dos maiores sistemas escolares privados do mundo que tirou a urgência desse problema do colo das elites políticas e econômicas do país. Onde vocês acham que estudam os filhos de deputados, prefeitos e governadores de qualquer partido?;

3 - Um apagão de capital humano na educação brasileira, onde boa parte dos professores não tem formação específica para lecionar as disciplinas para as quais estão designados;

4 - Os problemas estruturais crônicos e seculares da gestão da coisa pública no Brasil (corporativismo, ineficiência, falta de accountability).

A política da aprovação automática, onde todos os alunos recebem nota mínima de 7 --mesmo com um grande número de aulas vagas nas escolas-- é como uma injeção de anestesia na veia da sociedade, que até desconfia da má qualidade da escola pública, mas não é confrontada com a dura realidade dos dados deste artigo.

Existem muitas justificativas e explicações para as políticas adotadas no Brasil, e não dá para discuti-las neste artigo. Apesar disso, uma análise fria dos resultados mostra que estamos no caminho errado.

O Brasil é notório por ter prolongado o período de escravidão, sendo a última nação das Américas a aboli-la. Durante 90 anos no século XIX, fomos fazendo leis “para inglês ver” e criamos um mito de democracia racial para suportar a pressão política que, na época, vinha de fora, pois o Brasil não era uma democracia.

Estamos repetindo o mesmo mecanismo com a realidade da educação brasileira. Muita coisa é mascarada e suavizada nas estatísticas oficiais no nosso melhor estilo avestruz. E o que isso tem a ver com ESG (Ambiental, Social e Governança)?

De toda grande tragédia nasce uma esperança, e no caso da educação esta pode ser a tendência do ESG. Vejam, as empresas brasileiras, depois das famílias das classes C, D e E, são as que pagam o segundo maior preço dessa realidade. Muitas empresas recrutam operários com requisito de diploma de Ensino Médio ou Fundamental para, depois, descobrir que esses não são capazes de ler o manual da máquina que operam ou compreender os indicadores da gestão à vista. Muitas vezes, os colaboradores sequer compreendem os seus holerites.

No mesmo sentido, muitas empresas contratam pessoas com diploma universitário apenas para descobrir que esses não conseguem redigir e entender e-mails e comunicações corporativas. Hoje, muitas famílias de periferia investem todas as suas economias em um diploma universitário para filhos e filhas sonhando com uma mudança de patamar social, apenas para vê-los ocuparem os mesmos cargos e salários que a família já havia alcançado.

Nesse contexto, e seguindo os princípios do ESG - que prega que as empresas busquem ter um impacto positivo em temas que potencializem direta ou indiretamente seu resultado financeiro ou mitiguem riscos corporativos decorrentes de externalidades negativas de sua atividade -, nenhuma oportunidade é tão óbvia e gritante do que o engajamento de empresas na causa da melhoria da educação básica no Brasil.

Na realidade, essa precisa ser uma luta de todos no Brasil. Das famílias de baixa, média e alta renda, assim como das empresas e dos governos. Eu quero crer que nenhum empresário, político ou funcionário público deseja fazer esse mal, que é feito de forma recorrente e em escala no Brasil, todos os dias, meses e anos.

Todos, na verdade, somos vítimas desse sistema e precisaremos de união e engajamento para resolvê-lo. É possível fazê-lo, e rápido, como foi feito por vários países, como Coréia do Sul e China, que transformaram sua educação básica completamente em 5 a 10 anos e colheram os frutos por 40 anos.

Mudar radicalmente e rapidamente a realidade da educação brasileira é possível. Para tanto, precisamos nos livrar de nossas crenças limitantes e preconceitos, expor a verdade e agir, com a urgência, desesperança e incômodo que todos teriam se seus filhos estudassem nas escolas públicas brasileiras de hoje em dia.

Até então, a educação básica brasileira segue preservando uma sociedade “Casa Grande e Senzala”, onde 90% dos alunos das escolas brasileiras de elite são brancos e têm acesso a uma educação de padrão internacional, e nas escolas públicas, a maioria dos alunos é preta ou parda.

Enquanto não fizermos algo a respeito, pouca coisa deve evoluir no Brasil, em todas as frentes. Por outro lado, se fizermos apenas o que foi proposto nesse artigo, muita coisa pode se resolver naturalmente.

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