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Como alcançar o sucesso sem abrir mão da essência?

Ricardo Niemeyer Hatschbach fala sobre cultura organizacional e humildade intelectual; entenda quando o crescimento pode desmotivar e o que fazer quando a desmotivação dá lugar à politicagem

Saber manter o “espírito do fundador” é fundamental para preservar a conexão emocional com funcionários e consumidores. (itchaznong/envato)

Publicado em 9 de setembro de 2024 às 16h00.

O sucesso de uma empresa é o sonho de todo empreendedor. Ver uma ideia nascer, crescer e se transformar em uma marca consolidada no mercado é a recompensa por anos de trabalho árduo. No entanto, essa transição de uma startup para uma grande corporação pode trazer desafios inesperados.

Neste artigo, descubra como o sucesso, muitas vezes visto como o destino final, pode desencadear uma crise de desmotivação e perda de identidade nas grandes empresas, afetando tanto os fundadores quanto os funcionários.

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Paixão e valores: a fundação de uma empresa

Quando uma empresa é fundada, geralmente há uma visão clara e apaixonada que a guia. Os fundadores não estão apenas criando um produto ou serviço, mas também estabelecendo uma cultura, um conjunto de valores que definirá a identidade da empresa.

O ambiente é, muitas vezes, caótico e desconfortável, pois “fracasso” e “sucesso” caminham de mãos dadas diariamente. É justamente essa cultura inicial, movida pela paixão e pelo desejo de criar algo disruptivo, que atrai os primeiros funcionários e clientes - essa combinação é o que torna a empresa única.

Empreendedores como Phil Knight da Nike, Steve Jobs da Apple e Kenneth Hap Klopp da The North Face são exemplos clássicos de líderes que não queriam que suas marcas fossem apenas mais uma opção no mercado: eles queriam que fossem a única escolha.

As marcas icônicas criam uma conexão emocional profunda, tanto com seus funcionários quanto com seus consumidores, baseada em uma paixão compartilhada. Essa paixão vai além do produto - ela está enraizada na visão maior que a empresa representa.

No entanto, à medida que a empresa cresce, essa conexão emocional pode começar a enfraquecer. A cultura que uma vez foi o núcleo da empresa pode se diluir em meio à expansão, à busca por eficiência e ao foco nos resultados financeiros.

Para transformar uma empresa local em uma operação nacional e, depois, global, os fundadores atraem investidores que, por sua vez, compartilham as decisões sobre o futuro da empresa. Isso pode criar uma desconexão entre o fundador e a organização que ele construiu. Em uma fase mais madura, os funcionários se dividem entre veteranos e novatos, cada um com suas próprias motivações e desafios.

Sobre motivação

A motivação é definida como o conjunto de fatores internos ou externos que determinam, em parte, as ações de uma pessoa. Ela pode ser de duas formas: intrínseca - um estímulo que nasce dentro de cada um de nós (como autoestima, satisfação pessoal), e extrínseca - o que fazemos em busca de recompensas externas (como reconhecimento financeiro, validação pessoal, promoção).

Estudos científicos mostram que esses dois tipos de motivação podem se retroalimentar, tanto de forma positiva quanto negativa. Por exemplo, o excesso de recompensas externas pode, em alguns casos, enfraquecer a motivação intrínseca.

A Teoria da Autodeterminação, desenvolvida por Edward Deci e Richard Ryan em 1975, é um dos estudos mais conhecidos sobre motivação intrínseca. Eles descobriram que, quando nossos comportamentos e atitudes são motivados por um desejo pessoal de se desenvolver, ser independente e competente, nosso corpo libera serotonina. Altos níveis de serotonina produzem sensações de felicidade, otimismo e aliviam a ansiedade.

Cultura organizacional e humildade intelectual

Então, como você motiva seus funcionários? Alguns destacam a importância de uma cultura forte e políticas de remuneração justas, enquanto outros acreditam que a única maneira de motivar pessoas é contratar pessoas já motivadas.

Encontrar pessoas intrinsecamente motivadas, ou aquelas que têm paixão - seja por música, esporte, natureza - é um bom começo, mas não é suficiente. A motivação intrínseca precisa estar em equilíbrio com outros dois fatores: a cultura organizacional e a humildade intelectual.

A cultura organizacional de uma empresa é o que une seus funcionários em torno de uma visão comum. Todos reconhecem a importância de manter os colaboradores alinhados com os valores e o propósito da empresa, mas conforme a empresa cresce, esse desafio se intensifica. A questão é: como manter a conexão emocional que impulsionou o crescimento inicial da empresa?

Uma das chaves é manter a cultura viva, garantindo que todos - desde os novos funcionários até os líderes mais antigos - estejam alinhados com os valores centrais da empresa. Isso pode ser feito por meio de práticas como reuniões regulares, onde se discute o que a empresa representa para cada equipe e indivíduo. Embora possa parecer repetitivo para alguns, é essencial para garantir que a cultura não se perca.

Esse alinhamento é fundamental para criar um ambiente onde os colaboradores se sintam parte de algo maior. Em um mundo onde as transações e a automação tendem a distanciar os funcionários do sentido maior de seu trabalho, uma cultura organizacional forte e bem definida pode ser o diferencial entre uma empresa que prospera e outra que apenas sobrevive. Uma empresa que reforça constantemente seus valores cultiva um ambiente onde os colaboradores sentem que fazem parte de algo maior, o que é crucial para o sentimento de pertencimento e para a motivação de longo prazo.

Além disso, os fundadores que transformaram suas ideias em empresas bilionárias entendem que a paixão precisa andar de mãos dadas com a humildade intelectual. Mesmo os empreendedores mais visionários têm consciência dos seus "pontos cegos" e se cercam de pessoas complementares.

Mais adiante, quando as empresas se tornam grandes corporações, essa humildade é essencial para manter a escuta ativa e a habilidade de dialogar com a equipe, além de nutrir a capacidade de inovação. Quando nos tornamos complacentes, corremos o risco de não perceber a concorrência que se aproxima.

Quando o crescimento pode desmotivar?

A desmotivação pode surgir em várias etapas do crescimento de uma empresa. Para os fundadores, essa desconexão geralmente começa quando percebem que a empresa que criaram já não reflete mais os valores e a cultura que estabeleceram. As decisões que antes eram tomadas com base em um propósito claro agora podem ser guiadas por considerações puramente financeiras ou operacionais.

Para os funcionários, especialmente aqueles que se juntaram à empresa nos estágios iniciais, a desmotivação pode surgir quando percebem que a cultura que os atraiu para a empresa está mudando. Eles podem sentir que o foco na paixão e na inovação foi substituído por uma mentalidade de crescimento a qualquer custo, levando à perda do sentimento de pertencimento.

Outro fator que pode contribuir para a desmotivação é a perda de autonomia. À medida que a empresa cresce, as decisões se tornam mais centralizadas, e os processos mais rígidos. Isso pode fazer com que tanto os fundadores quanto os funcionários sintam que têm menos controle sobre o rumo da empresa, resultando em frustração e desmotivação.

Quando a desmotivação dá lugar à politicagem

Em um ambiente onde a desmotivação se instala, é comum que o foco das interações entre funcionários mude do trabalho colaborativo e da inovação para a busca de interesses pessoais. A politicagem começa a ganhar espaço quando os colaboradores, sentindo-se desconectados dos valores e da missão da empresa, passam a priorizar a autopreservação e o avanço pessoal em detrimento do bem comum. Esse comportamento pode gerar um clima de competição desleal, minando a confiança e a cooperação dentro da equipe. À medida que a politicagem se intensifica, a cultura organizacional se deteriora, afastando ainda mais a empresa de sua essência original e dificultando a retomada do foco nos objetivos coletivos.

Reflexão final

O sucesso de uma empresa, muitas vezes, traz consigo desafios inesperados. O crescimento, que deveria ser motivo de celebração, pode se tornar uma fonte de desmotivação quando a cultura e os valores que sustentaram a empresa desde o início começam a se perder.

As grandes marcas não são construídas apenas sobre a eficiência, mas sobre a capacidade de manter o foco no core business, sem negligenciar uma cultura organizacional que cultive um ambiente de desconforto criativo necessário para lidar com os riscos do insucesso ao buscar ser inovador ou disruptivo.

Saber manter o “espírito do fundador” é fundamental para preservar a conexão emocional com funcionários e consumidores. Reconhecer nossas limitações, valorizar a paixão e humanizar as relações no ambiente de trabalho são passos essenciais para manter a cultura organizacional viva e relevante.

Essa reflexão nos leva a pensar sobre como os valores e a cultura de uma empresa podem ser mantidos, ou até mesmo reforçados, em um mundo que valoriza cada vez mais a conformidade. Em um cenário onde se espera que todos sigam processos e diretrizes padronizadas, será que a conformidade é boa ou ruim para a saúde de uma organização?

Essa é uma questão que exploraremos no próximo artigo, onde discutiremos os impactos da conformidade na inovação, na cultura organizacional e na motivação dos funcionários.

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