Sem mais cortes de juros, prefixados e títulos de inflação perdem espaço
Investidores têm feito movimento de vender papéis do Tesouro que se valorizam com queda da Selic
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de fevereiro de 2020 às 08h51.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2020 às 09h01.
São Paulo — Os investidores estão intensificando a retirada de dinheiro do Tesouro Direto antes do prazo de vencimento dos títulos. O movimento é conhecido como "recompra", pelo qual quem investiu vende os papéis para o próprio emissor - o governo. O produto que registrou maior fuga no fim de 2019 foi o Tesouro IPCA com juros semestrais (NTN-B), título pós-fixado atrelado à inflação, que paga dividendos por semestre.
Na comparação de dezembro passado com o mesmo período de 2018, houve aumento de 132% nos resgates antecipados desse tipo de papel. O ativo foi seguido pelo Tesouro Selic, que apresentou aumento de 108% nas retiradas; e pelos títulos prefixados, que aumentaram as recompras em 73% (para os que pagam juros semestrais) e em 56% (para os tradicionais).
"Muitos investidores optaram por resgatar os títulos antes do prazo para aproveitar a marcação a mercado (preço dos títulos que varia como uma ação, indicando quanto ele vale se for resgatado naquele momento)", diz o gerente do Tesouro Direto Diego Link. Ele explica que isso acontece porque cortes na Selic aumentam o preço dos títulos ligados à inflação. Esses papéis têm um prêmio predefinido sobre o IPCA. Logo, se determinado título promete render 6% a mais que a inflação (IPCA+6%) e os juros caem, esses títulos ficam mais valiosos no mercado. Isso acontece porque essa remuneração se torna mais vantajosa do que a taxa básica de juros.
O mesmo ocorre com a rentabilidade dos prefixados. Eles não têm a inflação em sua composição e, portanto, toda a sua remuneração é predefinida. Quando a Selic cai, eles se valorizam na marcação a mercado, pois se tornam mais vantajosos em relação à nova taxa.
Já o aumento da recompra do Tesouro Selic, que é pós-fixado, tem outra explicação. O Tesouro Direto teve 415 mil novos CPFs cadastrados no ano passado, atingindo o número de 1,2 milhão de investidores nos títulos de dívida do governo.
O papel mais demandado por essas pessoas em dezembro foi o Tesouro Selic, cuja participação nas vendas atingiu 56,2%. "O Tesouro Selic foi o que mais cresceu em compras, por isso, também foi o que mais cresceu em recompras", disse Link. "O investidor está começando pelo Tesouro, pois tem alta liquidez. Com ele, é possível fazer resgates para investir em outras coisas", afirma.
Tendência
Não são só as pessoas físicas que estão diminuindo a alocação em papéis que perdem com a manutenção da Selic. Os gestores de fundos têm apresentado o mesmo movimento. As decisões desses profissionais estão ancoradas em suas leituras do que deve acontecer daqui para frente com a taxa básica de juros.
Na última reunião do Copom, o comunicado divulgado indicou que o BC deve suspender o ciclo de cortes na Selic no curto prazo. "Já temos reduzido nossas posições em prefixados faz tempo. Quando o Banco Central anuncia que não haverá mais cortes, acaba a oportunidade de ganhar dinheiro no curto prazo com esses papéis", diz André Perfeito, economista-chefe da Necton.
O sócio do family office Brainvest, Dennis Kac, segue na mesma toada, mas adianta que os títulos pós-fixados do Tesouro Selic também não são a solução do problema. "Na hora de construir uma carteira, o pós é sempre maior que o pré, porque reduz a volatilidade. Mas também não achamos que o pós-fixado tenha um bom risco/retorno", diz. Ele conta que a gestora diminuiu em cerca de 50% a alocação em prefixados e em 20% as de pós-fixados.
Retorno
O Tesouro Selic foi o título do Tesouro Direto que apresentou o menor retorno nos últimos cinco anos, segundo dados compilados pela Economática, a pedido do Estado (mais informações nesta página). Já o Tesouro IPCA com pagamento semestral, que se beneficiou da queda de juros, foi o que teve melhor desempenho no mesmo período.
Para o CEO da asset Sparta, Ulisses Nehli, os prefixados e atrelados à inflação tiveram, de fato, rendimento excepcional no passado. "Mas isso não vai acontecer mais tão cedo", diz. Ele lembra, porém, que, para o investidor conservador, a gestão de fundos de renda fixa terá de ser ainda mais eficiente.
Outros caminhos
Dentre as opções alternativas aos títulos do governo que não caminham diretamente para o risco, estão ainda o Certificado de Depósito Bancário (CDB), Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), todos ativos emitidos por bancos e garantidos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). "Percebemos que algumas instituições começaram a pagar taxas mais competitivas nesses tipos de ativos, porque reforçaram os seus caixas para ter mais capacidade financeira de emprestar dinheiro", disse Fabio Macedo, diretor comercial da Easynvest.
"A questão é: as pessoas estão saindo dos prefixados para ir para onde? Se for para ir para a Bolsa, vemos, de fato, mais rentabilidade. Mas ainda enxergamos também oportunidades no curto prazo para os títulos prefixados. Acreditamos que de 3 a 6 meses eles podem ter um bom prêmio", diz Sérgio Silva, co-gestor de estratégia macroeconômica da AzQuest. Ele ainda acredita na possibilidade novos cortes da Selic passado o período de análise anunciado pelo BC. Fernando Fridman, responsável pela área de produtos da Ourinvest, aposta em uma carteira de renda fixa diversificada. Na composição da carteira, 60% dos ativos são pós-fixados, sem deixar de acreditar nas oportunidades de alguns CDBs e Letras de Câmbio (LC). Os outros 40% seguem divididos em títulos prefixados e indexados à inflação.