O tropeço dos estrangeiros
Michael Geoghegan, executivo inglês que desembarcou à frente de um grupo de 20 funcionários do britânico HSBC para assumir o falido Bamerindus, ganhou notoriedade por uma de suas primeiras declarações públicas. "No Brasil as filas são grandes demais, os juros são altos e o atendimento é ruim", disse Geoghegan. "Podemos mudar tudo isso porque somos […]
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
Michael Geoghegan, executivo inglês que desembarcou à frente de um grupo de 20 funcionários do britânico HSBC para assumir o falido Bamerindus, ganhou notoriedade por uma de suas primeiras declarações públicas. "No Brasil as filas são grandes demais, os juros são altos e o atendimento é ruim", disse Geoghegan. "Podemos mudar tudo isso porque somos um banco global." Como ele, outros executivos estrangeiros que chegaram na mesma época estavam convencidos de que iriam crescer rapidamente e dominar um mercado que não era explorado por causa de uma suposta ineficiência dos bancos brasileiros. Ledo engano. Além de partirem de estimativas erradas, eles tropeçaram nas dificuldades legais, trabalhistas e culturais do Brasil.
O principal erro foi superestimar o mercado. Ao desembarcar, os estrangeiros fizeram uma conta simples que acabou se revelando simplista. Consideraram uma população economicamente ativa de 75 milhões de pessoas e subtraíram os cerca de 35 milhões de brasileiros que tinham conta em banco. O resultado era 40 milhões de clientes em potencial, o que tornava o Brasil um eldorado para os bancos. "O problema é que essa conta não fecha", diz Bernard Mencier, francês naturalizado brasileiro que preside o BNP Paribas. "Essa multidão não tem renda suficiente para abrir uma conta." Segundo o IBGE, metade da população economicamente ativa ganha menos de dois salários mínimos (480 reais) por mês. É pouco até para ban cos acostumados a mercados de massa, que requerem rendas mínimas de 600 reais por mês para que o cliente seja rentável. Uma das tentativas de atender esse enorme segmento da população é por meio dos bancos públicos. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal querem atrair quem ganha menos permitindo que as pessoas abram contas sem comprovação de endereço ou de renda, mas essas contas têm limites de atuação. Não podem, por exemplo, ter saldo superior a 1 000 reais. Outro problema é a informalidade. Bancos estrangeiros têm muita dificuldade em trabalhar com quem não consegue comprovar a origem do dinheiro que possui.
Os erros não pararam por aí. Os bancos brasileiros pareciam ineficientes, pois seus custos são altos em comparação com outros países. Um estudo da consultoria americana Bain & Company mostra que, em média, os bancos brasileiros tinham índice de eficiência (a fatia das tarifas absorvidas pelos custos operacionais e de pessoal) de 63,9% no ano passado. Esse resultado é pior que o 56,9% dos Estados Unidos e os 51% do Chile. Essa elevada taxa de ineficiência levou os estrangeiros a acreditar que bastava comprar bancos inchados e reduzir seus custos aos níveis da matriz para dominar o mercado. José Vicente Esparza, último presidente do BBV no Brasil, recitou esse script em uma entrevista a EXAME em setembro de 2002. "Nossas agências funcionam com sete pessoas por agência, enquanto os bancos brasileiros precisam de 22", disse Esparza. "Isso nos dá uma enorme vantagem." Três meses depois, o BBV foi vendido ao Bradesco. Os espanhóis até que conseguiram operar as quase 100 novas agências que abriram com poucos funcionários, mas não conseguiram repetir a façanha com a rede que receberam do Excel Econômico.
É um fato inegável que parte do inchaço de custos dos bancos brasileiros deve-se à ineficiência, mas há outras razões. "O custo operacional dos bancos locais é superior à média internacional pelas exigências da legislação e pelas características do mercado", diz Albrecht Curt Reuter, sócio da McKinsey especializado no sistema financeiro. "Por exemplo, as contas de serviços públicos são pagas nos bancos." A violência também custa caro. "O sistema financeiro gasta 1 bilhão de dólares por ano em sistemas de segurança e vigilância", diz Cypriano, do Bradesco. Acrescente-se a isso um ambiente legal que favorece o devedor. É difícil para os bancos recuperar na Justiça os créditos que não foram pagos -- pela lei de falências em vigor, o banco é o úl timo credor a receber se o devedor quebrar. A bizantina legislação trabalhista, finalmente, completa o ambiente hostil para quem não o conhece em profundidade. Geoghegan, do HSBC, que deve voltar para a Inglaterra em 2004, que o diga. "Antes de trabalhar no Brasil, eu pensava que o esporte nacional era o futebol", diz. "Só quando cheguei aqui descobri que a atividade favorita dos brasileiros é processar o patrão." Quando assumiu o Bamerindus, o HSBC herdou 7 000 processos trabalhistas. O banco não divulga quantos tem hoje, apenas informa que esse número cresceu. Mas uma coisa é certa: invariavelmente, a Justiça do Trabalho decide contra o sistema financeiro, favorecendo os empregados.
CASAMENTOS NA POLICIA
CHOQUE CULTURAL E PANICO NA MATRIZ
Os pecados também ocorreram na comunicação interna. Logo na saída, o HSBC enviou um memorando a todos os funcionários do recém-comprado Bamerindus contendo novas regras de procedimento. Algumas recomendações eram pertinentes, como conhecer os produtos do banco para atender melhor o cliente e planejar as reuniões para torná-las mais produtivas. Outras, no entanto, causaram irritação e constrangimento, como as que falavam da necessidade de os funcionários tomarem banho regularmente ou desaconselhavam o uso de roupas provocantes no trabalho. A despeito das críticas, a direção do HSBC considera o resultado final positivo. "As palavras poderiam ter sido mais bem escolhidas, mas é inegável que hoje os funcionários do HSBC se vestem muito melhor do que o faziam sete anos atrás", disse Geoghegan em um e-mail enviado a EXAME. Em inglês, pois ele não adquiriu fluência em português, apesar de seus sete anos no Brasil.
Geoghegan pode estar convencido de que agiu corretamente, mas quem costuma acompanhar processos de fusão diz que o memorando foi uma péssima idéia. "Comentários como esse desqualificam a cultura da organização que foi comprada", diz Betânia Tanure, professora da fundação mineira Dom Cabral e autora do livro Fusões e Aquisições no Brasil. "É algo absolutamente desaconselhável, pois as pessoas se sentem tratadas como objetos descartáveis, o que afeta negativamente os resultados." Sete anos e várias mudanças de estratégia depois da aquisição, o HSBC ainda não conseguiu mostrar um desempenho expressivo no Brasil. O banco melhorou seus índices de produtividade, mas sua fatia de mercado encolheu de 2,4% para 1,8% dos créditos concedidos. O lucro por funcionário aumentou de 1 560 reais para 5 540, mas seu desempenho no Brasil é inferior à média dos outros 78 países onde atua. O Brasil responde por 10% dos funcionários e 5% dos clientes no mundo, mas por apenas 1% dos lucros. "Temos 3 milhões de clientes", diz Emilson Alonso, vice-presidente e futuro CEO do HSBC. "Precisamos de mais 2 milhões, pelo menos." Daí a lógica de adquirir o Lloyds, que também inclui a financeira Losango. Segunda maior do mercado, a Losango tem 11 milhões de clientes cadastrados, um terço deles ativos. Esses clientes poderiam equiparar o HSBC a outros líderes de varejo e elevar sua rentabilidade em pouco tempo. Daí também os insistentes rumores de que a falta de escala faria o HSBC vender suas operações no Brasil ao Bradesco. Ambas as partes negam a transação.
O fator definitivo para reduzir a competitividade dos bancos estrangeiros foi a perda de apoio nas matrizes. A crise na Argentina em 2001 fez os bancos estrangeiros perderem um total estimado em 6 bilhões de dólares. "A Argentina reinventou o conceito de crise fi nanceira", diz Gilberto Munhoz, sócio da consultoria KPMG para a área bancária. "Os bancos estrangeiros descobriram que poderiam perder não só seu patrimônio, mas também teriam de cobrir as perdas dos clientes." A reação dos executivos, cujos bônus dependem do preço das ações, foi reduzir os negócios ao mínimo possível. Uma das formas é emprestar menos dinheiro. Antes de 2001 o Brasil tinha 24 bilhões de dólares em limites de crédito internacionais. Hoje esse limite está entre 17 bilhões e 18 bilhões, após ter caído para 11 bilhões. Outra forma é colocar o negócio à venda, caso do rentável Lloyds. O banco obteve 31 milhões de reais de lucro no primeiro semestre deste ano, mas mesmo assim a intenção é de venda. "Os ingleses queriam sair do Brasil", diz um executivo que acompanhou as negociações. "O fato de o Lloyds dar lucro só os animou a cobrar mais caro."
CHEGADAS E PARTIDAS | ||||
Chegou em | Comprou | Saiu em | Vendeu para | |
Quem saiu | ||||
Espírito Santo | 1997 | Boavista | 2000 | Bradesco |
Caixa Geral de Depósitos | 1997 | Bandeirantes | 2000 | Unibanco |
BBV | 1998 | Excel Econômico | 2003 | Bradesco |
Chegou em | Comprou | |||
Quem ficou | ||||
HSBC | 1997 | Bamerindus | ||
Santander | 1997 | Geral do Comércio, Noroeste, Meridional, Bozano e Banespa | ||
ABN Amro | 1998 | Real, Bandepe, Paraiban e Sudameris | ||
Fonte: bancos |