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Investir na turbulência

Para mais de 1 milhão de novos investidores, a atual crise na bolsa embute uma lição -- comprar ações é uma aplicação de risco

Bolsa de Nova York: turbulências no mercado americano põem o mundo em alerta
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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2010 às 21h17.

Nos últimos quatro anos, a Bolsa de Valores de São Paulo passou a fazer parte da vida de um contingente crescente de brasileiros. O número de pessoas que começaram a investir diretamente em ações desde 2003 soma quase 200 000. Se forem contabilizados os que chegaram ao mercado de capitais via fundos de ações, esse número ultrapassa a barreira do milhão. Para todos esses estreantes em bolsa, até agora ação era sinônimo de valorização e alegria. O Índice Bovespa, principal indicador de desempenho da bolsa paulista, bateu recorde atrás de recorde até chegar à máxima histórica de 58 124 pontos em 19 de julho deste ano. É verdade que alguns tropeços tinham dado um susto momentâneo. A turbulência de maio de 2006, causada pelo temor de um maior aperto monetário nos Estados Unidos, e a de fevereiro deste ano, iniciada na China, assustaram, não há dúvida. Mas o período de incerteza nesses dois episódios durou pouco -- algumas semanas em 2006, poucos dias no começo do ano.

O grande choque de realidade para os novos aplicadores brasileiros é justamente o momento atual. Pela primeira vez em muito tempo, a palavra crise voltou ao vocabulário de economistas, analistas e investidores em geral. Desde que a inadimplência do mercado de crédito imobiliário americano contagiou grandes bancos nos Estados Unidos, espalhou-se para a Europa e derrubou pregões mundo afora, foram muitos os momentos de tensão. Na quinta-feira 16 de agosto, o Índice Bovespa chegou a cair 8,8% durante o pregão. O Ibovespa foi tragado pela saída de investidores estrangeiros, é certo, mas também pela corrida de brasileiros. Desde então, a bolsa tem alternado momentos de certa tranqüilidade com quedas abruptas, acompanhando a volatilidade internacional. Pela primeira vez em anos, a percepção geral no mercado financeiro mundial é de que há, sim, o risco de uma crise mais séria. Milhares de pequenos aplicadores estão tendo de conviver com essa nova realidade. "Ainda que não tenha chegado ao fim, essa turbulência já deixou várias lições para os brasileiros recém-chegados ao mercado de capitais", diz o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest Investimentos, gestora de recursos com sede em São Paulo.

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Os sustos tiveram o papel pedagógico de lembrar que bolsa é renda variável -- e renda variável, por definição, é uma aplicação de risco. Quem se esqueceu dessa premissa básica e colocou em ações o dinheiro de que ia precisar no mês seguinte ou uma grande parcela de suas economias já pode ter perdido parte do patrimônio (ou, pelo menos, do ganho). Do começo da turbulência, em 23 de julho, até o final de agosto, o Índice Bovespa acumulou queda de 6%. Uma parcela dos novos investidores brasileiros compra e vende ações quase todos os dias com a ajuda do home broker, sistema que permite tomar essas decisões pela internet. Em momentos de estresse, esses "operadores" formam um grupo dos mais vulneráveis. Quem, por exemplo, comprou ações da Vale do Rio Doce, as mais negociadas da bolsa, no início do pregão de 15 de julho e as vendeu no dia seguinte perdeu 6%. "Comprar e vender diariamente é uma tarefa difícil até para os profissionais", disse o americano Arthur Kalita, vice-presidente executivo do ING Investment Management. "O melhor é pensar em ações como investimento de longo prazo." Apesar das oscilações recentes, os fundos de ações foram a melhor aplicação do ano até agora. Na média, renderam 23,5%.

Melhores e piores de janeiro a agosto
Apesar da crise, o desempenho dos fundos de ações e de alguns dos principais indicadores do mercado foi positivo até o final de agosto(1) - rentabilidade em %
Fundos de ações(2)23,5
Índice Bovespa22,9
Fundos multimercados(2)9,0
Taxa Selic(3)8,1
Fundos de renda fixa(2)7,3
Poupança5,4
Inflação2,3(4)
Fundos cambiais(2)-4,7
Dólar(5)-8,2
(1) De 10/1/07 a 31/8/07 (2) Média de retorno dos fundos abertos para captação (3) Média anual até 31/8 (4) O IPCA acumulado de 10/1/07 a 31/8/07 (5) Variação da cotação do dólar frente ao real Fontes: CEF/FGV e Economática

É impossível saber hoje se já vimos o pior da crise -- e essa dúvida deve continuar gerando altos e baixos nas bolsas mundiais. Motivos para pânico, no entanto, não existem. "Mesmo que ainda pairem incertezas, não dá para acreditar que estejamos vendo os últimos dias do capitalismo", diz Mendonça de Barros. "As crises têm um ciclo, acabam, e quem tem coragem de comprar ações certas nesses momentos sai ganhando." Não se trata de sair comprando ações indiscriminadamente. É fundamental escolher os papéis corretos. O que favorece o investimento em bolsa são as perspectivas positivas da economia brasileira. As previsões indicam um crescimento acima de 4% para este ano e também para 2008. "O Brasil vive um momento de ouro, beneficiado pelo ciclo favorável das commodities e pela expansão da China", diz Roger Wright, diretor da Arsenal Investimentos e ex-sócio do banco Garantia. Esse cenário só mudará no caso de uma recessão séria nos Estados Unidos, o que afetaria, em 2008, o crescimento não apenas brasileiro mas de todo o mundo.

Fora da bolsa, nas aplicações de renda fixa, a grande questão para os investidores brasileiros é acertar qual será a decisão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e de seus diretores em relação à taxa básica de juro, a Selic. A disparada dos preços de alimentos nos últimos três meses -- alta de 5% -- soou como alerta, e muitos analistas passaram a prever uma interrupção momentânea na queda da taxa, atualmente em 11,25%. Não quer dizer que a taxa não vá cair mais -- o ritmo, porém, deve ser mais lento. "Há algum risco de aumento da inflação nos próximos meses, mas não a ponto de impedir novas quedas da Selic", diz Ilan Goldfajn, sócio da gestora Ciano Investimentos e ex-diretor do BC. Mesmo com a perspectiva de queda mais lenta dos juros, o cenário para a renda fixa continua a ser pouco atraente. Já há fundos DI rendendo menos que a poupança. O resumo da ópera é que cuidar dos investimentos tornou-se mais incerto. Para garantir um bom retorno, não há mágica. Será preciso, cada vez mais, aceitar uma dose extra de risco -- com todas as emoções contidas nessa escolha.

Os guias para a tempestade
Confira abaixo o depoimento de quatro especialistas à repórter Giuliana Napolitano
"Acredito na capacidade que os mercados têm de se recuperar.Um dado positivo é que as aplicações de fundos de pensão e outros investidores institucionais que olham para o longo prazo têm aumentado em bolsas de todo o mundo há algum tempo.Como esses investidores não costumam fazer apostas especulativas, a presença deles deve ajudar a conter a atual volatilidade. Num momento como esse, o investidor tem de comprar ações aos poucos.Não vale a pena tentar acertar o timing do mercado, isto é, entrar no menor preço e vender no maior."

Arthur Kalita, vice-presidente executivo do ING Investment Management

"Ainda estamos no meio da turbulência.Vivemos um momento de recuperação dos preços dos ativos, que caíram demais nas últimas semanas em razão da aversão a risco gerada pela crise americana.Isso significa que é hora de fazer investimentos, porque há ações baratas no mercado e títulos públicos pagando juros um pouco mais elevados que as taxas de alguns meses atrás. São oportunidades de ganho,mas todas no longo prazo. O investidor também deve ficar atento ao risco do aumento da inflação no Brasil.Para se proteger, vale a pena aplicar em papéis do governo atrelados a índices de preço."

Ilan Goldfajn, sócio da gestora Ciano Investimentos e ex-diretor do Banco Central
"Os investidores estrangeiros vão continuar aplicando na bolsa brasileira porque muitas ações estão baratas quando comparadas a concorrentes internacionais.E sse fluxo de recursos contribui para deixar o mercado em alta.Is so não mudou com a crise.Mas as expectativas de retorno diminuíram um pouco, e o cenário de curto prazo deve ser mais acidentado. O conselho que dou aos investidores é se preparar para deixar o dinheiro na bolsa por mais de dois anos e aplicar em setores que serão os grandes temas do mercado: infra-estrutura e consumo interno."

Olivier Lemaigre, estrategista da Legg Mason, uma das maiores gestoras de recursos do mundo

"O cenário da crise atual é o ideal para aplicar na bolsa de valores. As perspectivas são positivas tanto para as ações de grandes companhias como para as de empresas de menor valor de mercado - o melhor mesmo é mesclar esses papéis. Recomendo colocar metade do patrimônio em ações e a outra metade em fundos multimercados, de maior e menor risco. Fundos DI só para quem vai precisar do dinheiro em poucos meses - caso contrário, não vale a pena, mesmo em meio à turbulência, porque os retornos estão caindo de forma sistemática e as perspectivas de longo prazo também são de queda."

Roger Wright, diretor da Arsenal Investimentos e ex-sócio do banco Garantia
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