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Os derivativos podem quebrar a Aracruz?

Para corretora Planner, empresa pode falir se tiver de liquidar operações com o dólar a R$ 2,70

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Vítima dos derivativos de câmbio, a Aracruz prende a respiração a cada repique da moeda americana, como a verificada nesta quarta-feira (22/10), quando o dólar disparou 6,67% e encerrou o dia a 2,38 reais. A companhia possui uma exposição cambial de 6,26 bilhões de dólares em derivativos. A pergunta do mercado é: até que ponto a Aracruz pode resistir à disparada da moeda americana? Para a corretora Planner, a resposta é 2,70 reais por dólar. "A essa taxa, a empresa estará no pior dos mundos, e pode quebrar", afirma Peter Ping Ho, analista de papel e celulose da corretora.

A situação da Aracruz é complicada, mas só ficará desesperadora caso o dólar continue sua escalada e se mantenha em um patamar alto durante um longo período de tempo. Ping Ho diz que com o atual cenário a empresa teria perdas, mas conseguiria arcar com seus compromissos. As agências de classificação Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch reduziram a classificação de risco (rating) da Aracruz após as perdas. A Fitch, no entanto, concorda que não há razão para pânico no atual cenário. "A exposição em derivativos da empresa é muito alta, mas, nesse atual nível de câmbio, o risco de falência é remoto", disse a EXAME Joe Bormann, diretor da Fitch em Chicago.

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Ping Ho explica que o que poderia levar à insolvência da Aracruz é a conjugação de vários fatores: os contratos de derivativos que ainda não foram liquidados, as outras dívidas em dólar da empresa, não necessariamente atreladas aos derivativos, e a necessidade da empresa de continuar desembolsando dinheiro para manter suas atividades no dia-a-dia. "Isso tudo pode comprometer o caixa operacional da empresa", afirma o analista.

Administrar uma empresa é como gerir o orçamento doméstico. Sua conta corrente pode ser comparada ao caixa da empresa. O total de pagamentos que você efetua no mês equivale aos compromissos da companhia com fornecedores, bancos, etc. A principal fonte de recursos de qualquer empresa é a sua atividade operacional - aquilo que ela fatura produzindo e vendendo. É o chamado caixa operacional. Quando o caixa é insuficiente para pagar todos os compromissos, a empresa recorre a empréstimos, como qualquer pessoa faz quando o mês é mais comprido que o salário. Ou cai na inadimplência, se ninguém lhe der dinheiro porque acredita que você não poderá pagar.

É exatamente esta situação que a Aracruz corre o risco de enfrentar. De julho a setembro, a produção e venda de celulose contribuíram com 222,257 milhões de reais para o caixa da Aracruz. Para honrar seus compromissos, como investimentos e despesas financeiras, a companhia recorreu a empréstimos e financiamentos. Conseguiu encerrar o terceiro trimestre com 315,221 milhões de reais. O importante aqui é que a Aracruz já está contratando crédito para quitar suas obrigações. No jargão dos analistas, sua alavancagem está subindo.

Perdas potencializadas

Ainda não está claro se a Aracruz liquidou - e em que medida - os polêmicos contratos de derivativos que assustaram os investidores e derrubaram seus papéis nas últimas semanas na Bovespa. A própria empresa adiou a teleconferência de resultados trimestrais para avaliar melhor a situação.

Mas alguns pontos já chamam a atenção. Os contratos de derivativos conhecidos como "target forward" têm um valor médio mensal de 340 milhões de dólares e prazos de 12 meses. Esse valor é o que os especialistas chamam de "nocional" - apenas uma referência. O acerto de contas entre a Aracruz e os bancos é feito todo mês pela diferença entre o preço do dólar no contrato e a taxa de câmbio efetiva. No caso dos "target foward", o preço de contrato (chamado de strike) é 1,76 real por dólar. O problema é que esses contratos potencializam as perdas. Quando o dólar supera o strike no dia do vencimento, a Aracruz é obrigada a pagar o dobro da diferença. Ou seja, se a moeda americana estiver valendo 2,76 reais, em vez dela desembolsar 1 real por dólar, terá de pagar 2 reais.

No caso dos derivativos vinculados ao adiantamento de exportações, o valor mensal de referência é de 180 milhões de dólares, com prazo de 12 meses e strike de 1,90 real por dólar. Neste caso, os contratos prevêem apenas o ajuste pela diferença. Isto é, se o dólar estiver valendo 2,90 reais no dia do vencimento, a Aracruz paga apenas 1 real, segundo as notas explicativas divulgadas pela empresa junto com os números do terceiro trimestre. "A melhor saída para a Aracruz seria renegociar os contratos, mas o problema aqui é que eles vencem ao longo de 12 meses", diz Ping Ho.

Assim, o dilema é: antecipar o pagamento de todos os contratos e arcar com um câmbio atualmente acima de 2,30 reais ou esperar o vencimento mensal, expondo-se à torturante montanha-russa em que se transformou a taxa de câmbio? Afora um ponto objetivo - a Aracruz pode não ter caixa para arcar com a quitação integral dos derivativos -, Ping Ho recomenda calma à direção da empresa neste momento. "Se fosse o gestor, liquidaria apenas os contratos que vencem até janeiro, e esperaria para ver como o dólar vai reagir", diz.

Outras dívidas

A Aracruz é uma grande exportadora de celulose. Cerca de 98% de sua receita é vinculada ao dólar. Assim, a alta da moeda americana também beneficia a companhia e ajuda a aliviar a pressão sobre o caixa. O problema é que ela se expôs excessivamente aos derivativos de câmbio. E, além de ter de honrar esses contratos, também precisa tocar o dia-a-dia. A Aracruz possui 25% de seus custos de produção atrelados ao dólar e 85% de sua dívida em moeda estrangeira.

No final de setembro, a dívida total era de 3,820 bilhões de reais. Desse montante, apenas 633 milhões são em reais - basicamente, empréstimos do BNDES. Os outros 3,2 bilhões de reais são dolarizados.

Para se ter uma idéia do tamanho do estrago causado pelos derivativos e pela exposição da empresa ao dólar, basta lembrar que as despesas financeiras líquidas no terceiro trimestre dispararam para 2,5 bilhões de reais. Entre abril e junho, essa rubrica havia contribuído com uma receita líquida de 242 milhões de reais. O resultado foi um prejuízo líquido de 2,4 bilhões de reais.

O risco de a dívida crescer rapidamente foi avaliado pelo Santander. O banco considerou a dívida líquida da empresa no final do primeiro semestre, e a geração de caixa projetada para os 12 meses seguintes. No cálculo, a relação dívida líquida/ebitda ficou em 1,6 vezes. Se a dívida crescesse 1 bilhão de dólares, a relação subiria para 2,7 vezes. Com 2 bilhões de dólares a mais, chegaria a 3,7 vezes. E, com 3 bilhões, bateria em 4,5 vezes o ebitda - lembrando que empresas brasileiras com uma relação superior a 2,5 vezes dificilmente têm “grau de investimento”.

Mesmo que a situação aperte, a companhia tem algumas opções, como tomar dinheiro emprestado no mercado, vender ativos ou investir em uma fusão. "A Aracruz deveria ser capaz de atrair o interesse para seus bens", afirma Stephen Atkinson, vice-presidente da empresa americana de gestão de ativos BMO Capital Markets.

Pingo Ho, da Planner, concorda que com o dólar a 2,70 reais a solução seria vender ativos. "Nesse caso, a empresa poderia ser forçada a se vender no mercado por um preço baixo e outros rivais poderiam se interessar pelo negócio, como a Stora Enzo e a International Paper", diz. Por ora, a VCP, que negocia uma fusão com a Aracruz, paralisou as conversas à espera que a situação se aclare.

Outra alternativa para a Aracruz é tentar renegociar a dívida com os bancos - o que a empresa já está fazendo. Segundo reportagem do jornal Valor, as instituições financeiras que estruturaram as operações com derivativos estão dispostas a aceitar, no máximo, o aumento do prazo para a liquidação das operações. A Aracruz terá, no entanto, que honrar os compromissos assumidos integralmente.

Procurada por EXAME ontem e nesta quinta-feira (23/10), a Aracruz preferiu não se manifestar sobre as declarações dos analistas. A empresa quer concluir os trabalhos de avaliação de suas posições antes de conceder entrevistas.

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