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Brasil continua a caminho do grau de investimento, diz Kenneth Rogoff

Ex-economista-chefe do FMI e professor de Harvard diz a EXAME que país poderá ser considerado seguro para investimentos dentro de um ano

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Leia abaixo entrevista exclusiva com Kenneth Rogoff, professor de Economia da Universidade de Havard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, que veio ao Brasil a convite do banco BBM Investimentos:

EXAME - Em julho, o FMI revisou a projeção do PIB mundial de 4,9% para 5,2%. O sr. acredita que a crise pode afetar as projeções de crescimento?

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Kenneth Rogoff - Com certeza. Especialmente o crescimento nos Estados Unidos, que pode ser um pouco mais baixo. O que não está claro é se o crescimento no final deste ano já está comprometido. E dizer que o crescimento global em 2007 será bom não significa que a tendência no futuro é boa.

EXAME - No passado, crises nos Estados Unidos significavam recessão mundial. Hoje, muitos economistas acreditam que a influência da economia diminui. O sr também acha que o papel da economia americana será menor no futuro?

Rogoff - A economia americana provavelmente será tão importante como sempre foi. Nas décadas recentes, os Estados Unidos tiveram somente pequenas flutuações, com curtos processos de recessão. Nesse meio tempo, as pessoas passaram olhar a China como uma superpotência, e os Estados Unidos, não mais. Isso está errado. O fato é que os Estados Unidos estavam vivendo uma fase de estabilidade que não era fonte de preocupação. Mas se os Estados Unidos entrarem numa recessão séria, assim como nós vimos em 1983, teremos um impacto enorme no resto do mundo. Até tivemos períodos que chamamos de crise em 1991 e 2001. Mas eles foram muito pequenos nos EUA. O fato é que estamos no começo de um período que nem podemos definir se temos uma crise ou não. Mas estamos vendo um elevado risco de crise. Para o Fundo Alfa da Goldman Sachs, por exemplo, já estamos em crise. Mas nós não estamos em crise - ainda. Eu diria que no momento essa é a fumaça do incêndio e não propriamente o fogo. É um momento de risco.

EXAME - Alguns analistas do mercado dizem que a crise do subprime e a conseqüente contração do crédito nos Estados Unidos estavam fadadas a acontecer. A crise era tão óbvia assim?

Rogoff - O que é óbvio num mercado que sobe e desce o tempo todo? Os mercados nem sempre refletem o bom momento ou o mau momento de uma economia. E o atual parece ser de reprecificação do risco de crédito para um patamar mais acurado - e não uma crise. Alguns operadores tiveram grandes perdas, mas têm capacidade de absorvê-las. Eu vou me repetir: não existe uma crise ainda, mas estamos cada vez mais perto de uma.

EXAME - Uma crise na China pode contaminar outros países e ampliar ainda mais a crise?

Rogoff - A China pode ter um impacto enorme na economia global. Se a economia chinesa desacelerar do seu nível atual, que é de cerca de 10% ao ano, para por exemplo 6% por um ou dois anos, isso quebraria o mercado de commodities. Haveria uma grande recessão colada no baixo crescimento da China. Mas, no momento, os Estados Unidos são um risco maior de crise. Acredito que as maiores chances são de uma desaceleração suave, que levará bastante tempo.

EXAME - Quanto tempo isso duraria?

Rogoff - Cerca de três anos. Os Estados Unidos estão definitivamente desacelerando, mas uma crise na China poderia ser muito mais feia porque eles não têm as ferramentas políticas e o mercado financeiro para ajudar. Existe risco de crise na China, mas nos Estados Unidos o risco é muito maior hoje.

EXAME - Quais seriam as conseqüências da queda de produtividade americana?

Rogoff - Os investimentos podem cair e ainda haver um aumento no déficit em conta corrente do país. Também existe ainda um grande risco de inflação. Mas acredito que haverá uma forte pressão para o Federal Reserve (o banco central americano) cortar taxas durante esta transição.

EXAME - O que o sr achou da intervenção de mais de 420 bilhões de dólares dos bancos centrais dos Estados Unidos, União Européia e Japão?

Rogoff - Eles estão tentando sobreviver à crise sem promover um corte na taxas de juros. Eles definitivamente não querem cortar os juros. Existe uma grande preocupação com inflação e não está claro se eles conseguiram afastar esse problema. No entanto, não é claro também se essas intervenções funcionam. Eles estão tratando os sintomas imediatos. Não há casos que mostrem que esse tipo de intervenção seja efetiva. E até agora, os mercados continuam nervosos. Suspeito que o Fed terá que cortar taxas de juros mais para frente.

EXAME - Essa injeção de recursos no mercado não avalizaria as atitudes temerárias no mercado, o chamadomoral hazard?

Rogoff - Acho que sim. Embora eles digam que não, eles estão criando um tipo de moral hazard. De certa forma, o Banco Central Europeu está avalizando créditos ruins dos bancos. Os bancos tomaram risco sim, mas ganharam muito dinheiro também. Há preocupações em relação ao mercado imobiliário e à produtividade em desaceleração. Agora, o mercado financeiro não está liderando o problema, mas apenas refletindo o que está acontecendo no momento. O problema dos subprimes só existe porque os preços das casas pararam de subir.

EXAME - Como o Brasil pode atravessar esse momento?

Rogoff - Eu acredito que a posição do Brasil é muito forte de diversas formas. A economia brasileira não está alavancada. O mercado imobiliário não está alavancado e as companhias não estão muito endividadas. E mesmo a posição do governo é melhor do que já foi. Então, mesmo que o crescimento econômico diminua um pouco, o balanço de pagamentos do Brasil é muito bom.

EXAME - Quais oportunidades podem surgir durante crises para países como o Brasil?

Rogoff - O Brasil combina um dinâmico e saudável setor privado com um setor público doente. É claro que a grande oportunidade para o Brasil seria melhorar o setor público. E embora o Banco Central faça um bom trabalho, o resto do governo não é funcional. Há uma série de vantagens em função da economia global e nada acontece aqui. E essa é uma grande preocupação. Falando apenas dos preços de mercado, acho que muitos operadores precisam tomar decisões difíceis em meio a uma turbulência e, eventualmente, pode ser uma boa opção comprar Brasil. Mas não é fácil agora ver no mercado onde as oportunidades estão. Meses atrás ninguém diria que os hedge funds que estão sofrendo agora iriam mal.

EXAME - É possível que a crise no mercado imobiliário americano venha afetar a economia real brasileira?

Rogoff - Eu não acho. Se a economia americana começar a diminuir, poderá machucar o Brasil no sentido que mexe com o crescimento global e, consequentemente, com o mercado de commodities. Mas se for apenas um aperto no crédito e não um problema mais profundo, eu acho que o Brasil vai lidar bem com isso. Afinal, as commodities devem continuar bem, o agronegócio tem ajudado o país ter uma boa receita. Eu sou muito otimista em relação em Brasil. A economia americana está desacelarendo, mas não a economia global. Se a economia global for bem, acho que o Brasil irá bem junto, mas por enquanto.

EXAME - A atual crise atrapalha o Brasil em busca do grau de investimento?

Rogoff - O Brasil vai continuar no caminho para o grau de investimento. Também não vou prometer que o Brasil não dará um calote - e é bem provável que não. Mas acho que a promoção pode acontecer em um ano.

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