As regras do jogo protegem quem investe em bolsa?
Queixas de acionistas minoritários em operações da Oi, do UOL e da Petrobras mostram que os controladores ainda têm poderes demais no mercado brasileiro
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2013 às 10h06.
São Paulo – Imagine um investidor que, ao final do ano passado, fez a leitura correta do mercado e entendeu que os países europeus teriam profundas dificuldades para pagar suas dívidas e que era a hora de comprar apenas ações defensivas, como de empresas de energia e telecomunicações. Agora imagine que o mesmo investidor fez a análise fundamentalista dos papéis em circulação no mercado e chegou à conclusão de que a maioria já estava cara, mas descobriu que havia empresas como a Oi e a Brasil Telecom que ainda eram negociadas a preços bastante atrativos.
Por ter feito seu trabalho direitinho, ter antecipado a crise no mercado e ter garimpado papéis baratos, esse investidor deveria ganhar um belo dinheiro neste ano, correto? Errado. A crise na Europa veio, a maioria das ações da BM&FBovespa caiu, muitos papéis de energia e telecomunicações geraram um retorno bem maior que a renda fixa, mas a Oi e da Brasil Telecom não foram muito além do péssimo retorno do Ibovespa. E o problema não foi setorial, uma vez que a TIM e a Vivo andaram muito bem na bolsa (veja os retornos obtidos por cada ação na tabela abaixo):
Empresa de telecom | Desempenho das ações na Bovespa neste ano (até o dia 26/09) |
---|---|
TIM | 28% |
Telesp | 25,90% |
Brasil Telecom PN | -4,40% |
Telemar N L PNA | -15,80% |
Telemar PN | -20,50% |
Telemar ON | -32,20% |
Por que então a Oi e a Brasil Telecom não se beneficiaram da corrida dos investidores por empresas seguras que geram muito caixa e pagam bons dividendos? Para especialistas, a principal resposta a esta pergunta está na falta de governança da companhia. Procurada, a Oi não quis se manifestar.
A Oi anunciou em maio que faria uma operação para simplificar sua estrutura societária. O grupo possui hoje quatro empresas com sete classes de ações negociadas na BM&FBovespa. Após a operação, só restariam dois papéis: Brasil Telecom ON e PN. A mudança aumentaria a liquidez dos papéis da “supertele nacional” e daria mais transparência aos investidores. Na teoria, portanto, o negócio tinha tudo para ser outra fonte de alegria para quem investe. Mas não foi nada disso que aconteceu.
O problema da operação está no laudo de avaliação que estabeleceu a relação de troca dos papéis de todas as empresas do grupo por ações da Brasil Telecom. Da mesma forma que desagradaram os investidores minoritários o valor estabelecido pelo governo para os barris de petróleo do pré-sal na capitalização da Petrobras e o preço fixado pela Folhapar para a recompra das ações do UOL com vistas ao fechamento de capital, a Oi também sugeriu uma relação de troca que é muito mais favorável para os controladores do que para quem compra e vende ações em bolsa.
“Laudos de avaliação são hoje o principal problema do mercado de capitais brasileiro”, diz Edison Garcia, o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Ainda que cada uma das três operações acima tenha suas especificidades, em todas os controladores foram bem generosos com eles mesmo ao definir os termos dos negócios. “Vejo um grande problema quando quem corta o bolo também tem o direito de pegar o primeiro o pedaço”, diz Claudio Andrade, sócio da Polo Capital, uma gestora de recursos que está entre os principais acionistas minoritários da Brasil Telecom.
A operação da Oi é bastante controversa porque, em tese, os principais pontos das legislação brasileira foram cumpridos. Propostas de incorporação entre empresas do mesmo grupo devem seguir o parecer 35, editado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2008. A legislação estabelece que os termos de troca das ações das companhias devem ser os mesmos para controladores e minoritários e que um comitê independente deve ser nomeado para avaliar a forma mais justa de concluir o negócio.
No caso da Oi, o comitê independente praticamente referendou a proposta da companhia e decidiu que a relação de troca das ações seria baseada nas cotações das ações de todas as empresas do grupo em bolsa nos 30 dias anteriores ao anúncio da proposta de reestruturação. Os membros indicados pelos minoritários no conselho fiscal e no conselho de administração da Brasil Telecom apresentaram queixas formas contra a decisão. Eles reclamam que os três membros do comitê independente foram indicados pelos administradores e controladores da Oi, o que comprometeu a lisura de todo o processo.
Os minoritários dizem que as ações da Brasil Telecom que circulam no mercado estavam depreciadas no momento em que a troca foi proposta. A empresa distribuía menos dividendos que a Oi e também emprestava recursos para a coligada abater suas dívidas. “É como se alguém colocasse para vender uma casa por 500.000 reais e o vizinho espalhasse lixo pelas ruas e contratasse uma banda de pagode para tocar permanentemente ali”, diz Claudio Andrade, da Polo Capital. “Depois de várias tentativas frustradas de encontrar um comprador entre quem visitou a residência, a pessoa acaba vendendo o imóvel para o próprio vizinho por 300.000 reais porque precisa do dinheiro.”
Para os minoritários, a fórmula mais justa de avaliar o preço de cada empresa teria sido o tradicional fluxo de caixa descontado. O comitê independente chegou a cogitar essa possibilidade e contou com o subsídio de laudos apresentados por bancos contratados pela própria Oi, o Itaú BBA e o Bradesco. Ao final, o comitê concluiu que não haveria grande diferença entre utilizar o fluxo de caixa descontado ou o valor de mercado dos papéis. O problema, segundo os minoritários, foram as premissas utilizadas para chegar a essa conclusão.
O laudo de avaliação do Itaú considerou que a receita por usuário da Oi seria igual à da Brasil Telecom apesar de a renda no centro-sul (onde atua a segunda) ser bem maior que nas regiões Norte e Nordeste (região da primeira). Outra premissa adotada nos cálculos é que o Ebitda da Brasil Telecom vai cair nos próximos três anos, o que, para os minoritários, não faz nenhum sentido. Um terceiro ponto questionado foi que o laudo não levou em consideração na hora de avaliar o valor da Brasil Telecom alguns ativos importantes, como o portal iG, a Globenet e a área de call center. A queixa dos minoritários é que tudo isso foi feito para que se chegasse a uma conclusão sob medida aos objetivos da Oi.
Para garantir a lisura desse tipo de negócio, a Amec promete reencaminhar à CVM uma proposta para que sempre haja ao menos um membro indicado pelos acionistas minoritários no comitê independente formado para avaliar as relações de troca em incorporação de empresas do mesmo grupo. A associação também pedirá que o conselho fiscal da empresa seja sempre convidado a participar das discussões e que os votos de cada membro do comitê especial sejam públicos. “Sem esses procedimentos, o controlador deveria ser impedido de votar na assembleia de acionistas que analisará os termos de troca da incorporação devido ao conflito de interesses”, diz Garcia, da Amec.
Procurado, Otavio Yazbek, diretor da CVM, afirmou que o parecer 35 trouxe diversos avanços e que muitas operações semelhantes realizadas após sua edição foram muito bem-avaliadas no mercado. Segundo especialistas, um caso exemplar foi a incorporação da Vivo pela Telesp, em que o comitê independente analisou durante 148 dias a relação de troca mais justa e chegou a uma resultado equitativo entre controlador (no caso, a Telefônica) e minoritários – apenas para comparação, o comitê da Oi trabalhou durante só 32 dias.
Yazbek afirmou que não comentaria o caso específico da Oi, mas admitiu que o parecer 35, assim como qualquer legislação, não é perfeito e depende da boa-fé das partes envolvidas para funcionar a contento. “Sempre que o mercado apresentar questionamentos, estaremos abertos a avaliar a aprimoramento de nossas normas, incluindo o parecer 35”, disse o diretor da CVM.
No caso da Oi, a Polo Capital promete ingressar com um pedido formal na CVM para que os controladores sejam impedidos de votar na assembleia de acionistas que deverá ratificar a relação de troca das ações do grupo Oi. Outros fundos minoritários que acompanham o caso de perto são a ARX BNY Mellon, a GMO, a Quest, a JGP, a Opus, a BBM e a Pollux. Os controladores da Oi e a maior parte do mercado, entretanto, acreditam que a reestruturação societária será aprovada em todas as instâncias até o final do ano.
São Paulo – Imagine um investidor que, ao final do ano passado, fez a leitura correta do mercado e entendeu que os países europeus teriam profundas dificuldades para pagar suas dívidas e que era a hora de comprar apenas ações defensivas, como de empresas de energia e telecomunicações. Agora imagine que o mesmo investidor fez a análise fundamentalista dos papéis em circulação no mercado e chegou à conclusão de que a maioria já estava cara, mas descobriu que havia empresas como a Oi e a Brasil Telecom que ainda eram negociadas a preços bastante atrativos.
Por ter feito seu trabalho direitinho, ter antecipado a crise no mercado e ter garimpado papéis baratos, esse investidor deveria ganhar um belo dinheiro neste ano, correto? Errado. A crise na Europa veio, a maioria das ações da BM&FBovespa caiu, muitos papéis de energia e telecomunicações geraram um retorno bem maior que a renda fixa, mas a Oi e da Brasil Telecom não foram muito além do péssimo retorno do Ibovespa. E o problema não foi setorial, uma vez que a TIM e a Vivo andaram muito bem na bolsa (veja os retornos obtidos por cada ação na tabela abaixo):
Empresa de telecom | Desempenho das ações na Bovespa neste ano (até o dia 26/09) |
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TIM | 28% |
Telesp | 25,90% |
Brasil Telecom PN | -4,40% |
Telemar N L PNA | -15,80% |
Telemar PN | -20,50% |
Telemar ON | -32,20% |
Por que então a Oi e a Brasil Telecom não se beneficiaram da corrida dos investidores por empresas seguras que geram muito caixa e pagam bons dividendos? Para especialistas, a principal resposta a esta pergunta está na falta de governança da companhia. Procurada, a Oi não quis se manifestar.
A Oi anunciou em maio que faria uma operação para simplificar sua estrutura societária. O grupo possui hoje quatro empresas com sete classes de ações negociadas na BM&FBovespa. Após a operação, só restariam dois papéis: Brasil Telecom ON e PN. A mudança aumentaria a liquidez dos papéis da “supertele nacional” e daria mais transparência aos investidores. Na teoria, portanto, o negócio tinha tudo para ser outra fonte de alegria para quem investe. Mas não foi nada disso que aconteceu.
O problema da operação está no laudo de avaliação que estabeleceu a relação de troca dos papéis de todas as empresas do grupo por ações da Brasil Telecom. Da mesma forma que desagradaram os investidores minoritários o valor estabelecido pelo governo para os barris de petróleo do pré-sal na capitalização da Petrobras e o preço fixado pela Folhapar para a recompra das ações do UOL com vistas ao fechamento de capital, a Oi também sugeriu uma relação de troca que é muito mais favorável para os controladores do que para quem compra e vende ações em bolsa.
“Laudos de avaliação são hoje o principal problema do mercado de capitais brasileiro”, diz Edison Garcia, o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Ainda que cada uma das três operações acima tenha suas especificidades, em todas os controladores foram bem generosos com eles mesmo ao definir os termos dos negócios. “Vejo um grande problema quando quem corta o bolo também tem o direito de pegar o primeiro o pedaço”, diz Claudio Andrade, sócio da Polo Capital, uma gestora de recursos que está entre os principais acionistas minoritários da Brasil Telecom.
A operação da Oi é bastante controversa porque, em tese, os principais pontos das legislação brasileira foram cumpridos. Propostas de incorporação entre empresas do mesmo grupo devem seguir o parecer 35, editado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2008. A legislação estabelece que os termos de troca das ações das companhias devem ser os mesmos para controladores e minoritários e que um comitê independente deve ser nomeado para avaliar a forma mais justa de concluir o negócio.
No caso da Oi, o comitê independente praticamente referendou a proposta da companhia e decidiu que a relação de troca das ações seria baseada nas cotações das ações de todas as empresas do grupo em bolsa nos 30 dias anteriores ao anúncio da proposta de reestruturação. Os membros indicados pelos minoritários no conselho fiscal e no conselho de administração da Brasil Telecom apresentaram queixas formas contra a decisão. Eles reclamam que os três membros do comitê independente foram indicados pelos administradores e controladores da Oi, o que comprometeu a lisura de todo o processo.
Os minoritários dizem que as ações da Brasil Telecom que circulam no mercado estavam depreciadas no momento em que a troca foi proposta. A empresa distribuía menos dividendos que a Oi e também emprestava recursos para a coligada abater suas dívidas. “É como se alguém colocasse para vender uma casa por 500.000 reais e o vizinho espalhasse lixo pelas ruas e contratasse uma banda de pagode para tocar permanentemente ali”, diz Claudio Andrade, da Polo Capital. “Depois de várias tentativas frustradas de encontrar um comprador entre quem visitou a residência, a pessoa acaba vendendo o imóvel para o próprio vizinho por 300.000 reais porque precisa do dinheiro.”
Para os minoritários, a fórmula mais justa de avaliar o preço de cada empresa teria sido o tradicional fluxo de caixa descontado. O comitê independente chegou a cogitar essa possibilidade e contou com o subsídio de laudos apresentados por bancos contratados pela própria Oi, o Itaú BBA e o Bradesco. Ao final, o comitê concluiu que não haveria grande diferença entre utilizar o fluxo de caixa descontado ou o valor de mercado dos papéis. O problema, segundo os minoritários, foram as premissas utilizadas para chegar a essa conclusão.
O laudo de avaliação do Itaú considerou que a receita por usuário da Oi seria igual à da Brasil Telecom apesar de a renda no centro-sul (onde atua a segunda) ser bem maior que nas regiões Norte e Nordeste (região da primeira). Outra premissa adotada nos cálculos é que o Ebitda da Brasil Telecom vai cair nos próximos três anos, o que, para os minoritários, não faz nenhum sentido. Um terceiro ponto questionado foi que o laudo não levou em consideração na hora de avaliar o valor da Brasil Telecom alguns ativos importantes, como o portal iG, a Globenet e a área de call center. A queixa dos minoritários é que tudo isso foi feito para que se chegasse a uma conclusão sob medida aos objetivos da Oi.
Para garantir a lisura desse tipo de negócio, a Amec promete reencaminhar à CVM uma proposta para que sempre haja ao menos um membro indicado pelos acionistas minoritários no comitê independente formado para avaliar as relações de troca em incorporação de empresas do mesmo grupo. A associação também pedirá que o conselho fiscal da empresa seja sempre convidado a participar das discussões e que os votos de cada membro do comitê especial sejam públicos. “Sem esses procedimentos, o controlador deveria ser impedido de votar na assembleia de acionistas que analisará os termos de troca da incorporação devido ao conflito de interesses”, diz Garcia, da Amec.
Procurado, Otavio Yazbek, diretor da CVM, afirmou que o parecer 35 trouxe diversos avanços e que muitas operações semelhantes realizadas após sua edição foram muito bem-avaliadas no mercado. Segundo especialistas, um caso exemplar foi a incorporação da Vivo pela Telesp, em que o comitê independente analisou durante 148 dias a relação de troca mais justa e chegou a uma resultado equitativo entre controlador (no caso, a Telefônica) e minoritários – apenas para comparação, o comitê da Oi trabalhou durante só 32 dias.
Yazbek afirmou que não comentaria o caso específico da Oi, mas admitiu que o parecer 35, assim como qualquer legislação, não é perfeito e depende da boa-fé das partes envolvidas para funcionar a contento. “Sempre que o mercado apresentar questionamentos, estaremos abertos a avaliar a aprimoramento de nossas normas, incluindo o parecer 35”, disse o diretor da CVM.
No caso da Oi, a Polo Capital promete ingressar com um pedido formal na CVM para que os controladores sejam impedidos de votar na assembleia de acionistas que deverá ratificar a relação de troca das ações do grupo Oi. Outros fundos minoritários que acompanham o caso de perto são a ARX BNY Mellon, a GMO, a Quest, a JGP, a Opus, a BBM e a Pollux. Os controladores da Oi e a maior parte do mercado, entretanto, acreditam que a reestruturação societária será aprovada em todas as instâncias até o final do ano.