Análise de crédito por redes sociais dá primeiros passos
O método busca indícios como modelo de aparelho celular utilizado ou estilo de vida retratado nas redes sociais
Estadão Conteúdo
Publicado em 31 de outubro de 2016 às 13h11.
Última atualização em 6 de julho de 2018 às 11h42.
São Paulo - O uso intensivo da tecnologia e a análise da vida digital dos consumidores têm ganhado peso na avaliação das instituições financeiras na hora da liberação de crédito . O fenômeno está mais avançado no exterior, mas começa a ensaiar os primeiros testes no Brasil, sobretudo nas fintechs, empresas que unem tecnologia a serviços financeiros.
Defendido como maneira para agilizar a análise e confirmar a autenticidade dos dados, o método busca indícios, como modelo de aparelho celular utilizado ou estilo de vida retratado nas redes sociais , e também pode ajudar na inclusão financeira.
A discussão ganha importância em um momento de paradeira na concessão de crédito e taxa de juros elevadas. Segundo dados do Banco Central, o estoque de crédito acumula retração de 3,4% no ano. Ao mesmo tempo, apesar da recente redução da taxa Selic, o spread dos bancos - a margem de ganho entre o custo de captação e o juro ofertado ao consumidor - resiste e mantém a escalada, chegando a 41,2 pontos porcentuais no crédito livre aos consumidores.
A empresa de gestão de risco GoOn aposta nessa análise alternativa. De acordo com o diretor da companhia, Eduardo Tambellini, está em gestação um projeto para definir critérios mais subjetivos e favorecer a liberação de crédito para o público de baixa renda no financiamento de gastos em saúde e reforma de habitações populares.
"O desafio é dar um crédito mais seguro com menor inadimplência possível. Estamos nos voltando a bases completamente diferentes às do crédito tradicional", diz Tambellini.
Na fintech Geru, Facebook e o LinkedIn são alguns dos itens que vão pesar na decisão de dizer se a pessoa merece ou não ter o crédito. "No caso de autônomos, vemos que ele tem uma página, anunciando serviços ou produtos, e que as pessoas interagem. Isso mostra uma disposição para o pagamento", diz Karin Thies, sócia-fundadora da companhia.
Outros perfis que se beneficiam da varredura são pessoas que não são casadas e não têm como comprovar a união, assim como empresários que estão com problemas nas companhias e veem resistência nos bancos. A pesquisa nas redes, segundo Karin, também evita crimes como estelionato, porque oferece informações mais precisas sobre o tomador.
Rafael Pereira, da fintech Simplic, explica que nada é vasculhado sem a prévia autorização, e que podem ter casos que a rede apresenta um perfil de mau pagador, mas nenhum item é visto isoladamente na hora de negar o crédito. "Utilizamos apenas 30% de informações financeiras, diferente dos bancos, que levam em consideração uma única conta em débito para deixar de dar o crédito".
A intermediadora financeira Bom Pra Crédito faz o cadastro de consumidores e o distribui para 22 agentes financeiros, aumentando a chance de aprovação do crédito. Segundo Ricardo Kalichsztein, presidente da empresa, apenas 15% das análises de crédito são aprovadas no mercado, enquanto na Bom Pra Crédito o índice vai a 30%.
Nesse processo, é grande o uso de tecnologia. Já no cadastro, o cliente envia uma selfie, que pode ser usada em programas de reconhecimento facial. Além disso, o sistema envia os dados de qual dispositivo o cliente está fazendo a consulta (celular, tablet ou desktop), assim como a sua geolocalização.
"A empresa pode cruzar com os dados de endereço enviados pelo consumidor e saber quais regiões ele frequenta", explica Kalichsztein. Ele enumera algumas possibilidades abertas na análise das redes sociais. "Com as redes sociais é possível checar quem são as referências passadas pelo cliente. Também é possível traçar um perfil social: que tipo de restaurante ele vai? A renda que ele mostra é compatível com o que declara?"
Tradicionais
Mesmo nos birôs mais tradicionais de crédito, como o SPC Brasil, essas novas ferramentas começam a ser vistas como válidas. "Crédito está ligado a confiança. Por isso existe essa busca para entender quem é a pessoa que está do outro lado, para saber qual é o tamanho do risco", diz Nival Martins, superintendente do SPC Brasil. Segundo ele, as redes sociais podem ser usadas quando há dúvidas na análise de crédito, mas ainda é necessário um método para utilizar essas informações com menos subjetividade.
Nos bancos, essa aposta ainda é tímida. O Banco do Brasil tem utilizado, desde 2015, dados de redes sociais para complementar a análise comportamental dos clientes. Segundo o vice-diretor, Raul Moreira Júnior, a ideia é adotar postura mais ativa para prever riscos de inadimplência. Os demais bancos consultados pela reportagem (Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander) não responderam ou informaram não adotar a prática.
Raio X da análise de crédito comum
Cadastro
A empresa solicita alguns dados para cadastro, como RG, CPF, telefone e comprovante de endereço. Com essas informações, o credor consulta órgãos de proteção ao crédito para verificar pendências e histórico de pagamentos.
Referências
Para confirmar que você é quem diz ser, a empresa pode pedir referências, ou seja, contatos de pessoas que possam confirmar os dados que você passou. Algumas empresas também usam sistema de reconhecimento facial a partir de fotos e cruzam dados nas redes sociais.
'Score'
As instituições fazem uma análise estatística chamada 'score de crédito'. Esse método dá uma pontuação com base em informações como idade, estado civil e local da residência. Modelos estatísticos mostram se um determinado perfil é mais ou menos propenso a ficar inadimplente.
Renda
Com comprovantes de renda, a instituição também avalia se a parcela do empréstimo 'cabe no bolso' do cliente, que normalmente não deve ficar entre 20% e 30% do salário. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.