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Por que o risco eleitoral já não assusta o grande investidor estrangeiro

O saldo de recursos do exterior alocados na B3 ficou positivo em todas as sessões desde meados de dezembro, a sequência mais longa desde ao menos 2008

Prédio do Congresso Nacional em Brasília | Foto: Ueslei Marcelino/Reuters (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Bloomberg

Publicado em 26 de fevereiro de 2022 às 07h45.

PorVinícius Andrade e Augusta Saraiva*

A comunidade de investidores abraçou a postura anti-establishment de Jair Bolsonaro há cerca de quatro anos e o clima era de entusiasmo nos círculos financeiros antes de sua eleição. Agora, eles estão se acostumando a um rosto muito familiar no cenário político brasileiro: Lula.

Gestores de recursos têm aumentado sua alocação em ativos brasileiros, um movimento que levou o dólar ao menor nível desde julho e impulsionou um rali no mercado acionário doméstico. A alta ocorre em meio a um dos ciclos de aperto monetário mais agressivos do mundo e enquanto Luiz Inácio Lula da Silva, o político de esquerda que foi eleito presidente do país pela primeira vez duas décadas atrás, ensaia um retorno.

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Lula, que tem liderado as pesquisas de opinião para a eleição de outubro, ainda não deu uma direção clara a respeito de quais seriam suas principais políticas econômicas. Enquanto seus assessores sinalizam mais gastos públicos caso ele seja eleito, os mercados estão apostando em uma postura pragmática e mais moderada -- longe das políticas intervencionistas vistas durante o governo de Dilma Rousseff, sua sucessora escolhida a dedo.

“Lula é o diabo que conhecemos”, disse Edwin Gutierrez, chefe de dívida soberana de mercados emergentes da abrdn, em Londres. “De tempos em tempos, ele vai dizer coisas que vão incomodar o mercado em relação a preços de energia e o papel do Estado, mas, no geral, ele não vai marcar um retorno à era Dilma.”

Investidores estrangeiros colocaram mais de R$ 56 bilhões líquidos (aportes menos resgates) em ações na B3 neste ano, ajudando o Ibovespa a subir mais de 6%. O saldo de recursos estrangeiros ficou positivo em todas as sessões desde meados de dezembro, a sequência mais longa desde ao menos 2008. O dólar, por sua vez, caiu 8% desde o início do ano, com o real liderando os ganhos entre todas as divisas globais.

A queda no risco político alimentou o otimismo com os ativos brasileiros, que já haviam se tornado mais atrativos ao investidor estrangeiro em meio a valuations descontados.

“Passa um tempo, os estrangeiros voltam de novo para fazer os mesmos tipos de operação, provocam o mesmo tipo de distorção”, disse Felipe Guerra, sócio fundador da Legacy Capital, em um evento no início deste mês. “Aí depois eles vão embora e a gente fica com a batata quente aqui no Brasil.”

Mas mesmo os gestores locais, que não estão tão otimistas quanto os estrangeiros, começam a se preparar para um potencial retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder. Fundos domésticos reduziram a posição vendida no real em US$ 2,6 bilhões desde 3 de janeiro.

Rogério Xavier, que ajudou a fundar a SPX Capital, disse em um evento recente que a boa performance dos ativos brasileiros refletiu o ajuste de política monetária e o afastamento do “risco de cauda” com as eleições.

A recepção a Lula é diferente do comportamento visto no ano passado, quando os mercados brevemente entraram em pânico diante da perspectiva de que ele poderia concorrer. Sinais de que Lula poderia ser eleito também pesaram sobre os mercados em 2018, quando ele foi posteriormente impedido de participar da disputa, e em 2002, quando preocupações sobre um possível calote pressionaram os ativos.

Desta vez, bastou uma dose de moderação para os investidores se convencerem de que um terceiro mandato não será tão negativo para a economia e os mercados. Em meio a críticas sobre a política de preços da Petrobras e a sinais de que a reforma trabalhista será revisada, o ex-presidente sinalizou que ele pode escolher o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin como seu vice-presidente.

“Lula é esperto o suficiente para saber o que ele precisa dizer para deixar o mercado confortável”, disse Cathy Hepworth, da PGIM Fixed Income, que tem US$ 72 bilhões em dívida emergente sob gestão. “Ele já fez isso antes.”

Os estrangeiros também foram encorajados por movimentos similares no Chile e no Peru, onde recentemente políticos esquerdistas recém-eleitos moderaram o seu discurso após tomarem posse.

Enquanto a retórica de Lula assusta os investidores, os ativos brasileiros subiram durante a maior parte dos oito anos em que ele comandou o país, parcialmente apoiados por escolhas ortodoxas para o Ministério da Fazenda e o Banco Central, mas também ajudados por um super ciclo de commodities. Após recuarem em 2002 antes da eleição, o real e a bolsa avançaram nos outros cinco anos seguintes, reduzindo ganhos em 2008 em meio à crise financeira global.

As últimas pesquisas de opinião mostram Lula com uma vantagem sobre Bolsonaro e a consultoria política Eurasia vê 70% de chance de Lula ser eleito.

Bolsonaro, que assumiu o poder em 2018 diante de uma onda anti-establishment e anti-esquerda, tem apresentado dificuldade em melhorar sua popularidade à medida em que a inflação pesa sobre o poder de compra dos brasileiros e a recuperação econômica encontra dificuldade para ganhar tração.

Na campanha de 2018, os mercados foram impulsionados por apostas de que Bolsonaro enxugaria o tamanho do Estado e aprovaria uma série de reformas econômicas, em um rali que foi chamado por muitos de “Bullsonaro”. Enquanto Bolsonaro de fato entregou algumas das promessas -- incluindo a aprovação da reforma da Previdência --, ele também assustou os mercados ao elevar os gastos públicos e alterar a âncora fiscal do Teto dos Gastos.

“Bolsonaro seria um A-, se ele tiver um segundo mandato. Lula está mais para um B, mas não acho que ele seria um D”, disse Jason Devito, gestor da Federated Investment Management Co., que tem US$ 669 bilhões sob gestão. “Não estou esperando um resultado desastroso.”

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