Mercados

Por que as ações dos bancos estão caindo se os lucros aumentaram?

Crescimento da concorrência e cenário adverso podem comprometer ganhos em 2020

Itaú: ações da companhia acumulam queda de 8% em 2020 (Gustavo Gomes/Bloomberg)

Itaú: ações da companhia acumulam queda de 8% em 2020 (Gustavo Gomes/Bloomberg)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 14 de fevereiro de 2020 às 13h04.

São Paulo - As ações costumam ser reflexo do desempenho financeiro e operacional das empresas. Mas isso não tem acontecido com os grandes bancos. Apesar de terem reportado lucros exorbitantes em 2019, de no mínimo 14,5 bilhões de reais, os papéis de Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil acumulam queda. Na lanterna do setor, os papéis do Santander caíram mais de 11,9% desde o começo de 2020. Já Bradesco caiu 7,99%, Itaú, 8,03% e o BB, 3,79%. Por quê?

O principal motivo é que provavelmente 2020 será muito diferente de 2019. Neste ano, três fatores devem impactar diretamente os balanços. O primeiro é uma taxa média de juros mais baixa. Com a Selic no patamar de 4,25% ao ano, a rentabilidade dos investimentos ficará comprimida. O segundo se refere à nova taxa de contribuição social sobre lucro líquido (CSLL) dos bancos que impacta a linha de lucro líquido. Por fim, mas não menos importante, está no teto dos juros do cheque especial em 8% ao mês, que foi definido pelo Banco Central (BC) e entrou em vigor neste ano. "Isso é corte de receita na veia, já que não vamos repassar isso para outras linhas", comentou Candido Bracher, presidente do Itaú, em teleconferência de resultados com jornalistas.

Não fosse o bastante, entra em funcionamento neste ano o pagamento instantâneo - iniciativa da agenda BC - que tem potencial para mudar o ambiente de transações financeiras no Brasil. Isso é ótimo para os consumidores, é claro, mas aumento de competição nem sempre é uma boa notícia para os resultados das instituições. Isso fica claro no balanço do Bradesco - e olha que o período analisado é de 2019. O aumento da concorrência fez com que a margem com mercado caísse 15,4% no ano passado, sendo compensada pelos ganhos de margem com cliente.

Na opinião de Carlos Daltozo, analista da Eleven Financial, as ações dos bancos “estão baratas” considerando outros setores, que tiveram melhor desempenho na bolsa recentemente. “A gente vê os resultados como positivos, mas as ações ainda não responderam. Pode ser um bom momento para investir no setor”, disse.

Eduardo Guimarães, analista da Levante, também vê os papéis dos bancos com preços “descontados”. “Mas se está barato ou caro vai depender do quanto o lucro vai aumentar ao longo do tempo. Olhando para o crescimento do Banco Inter, em 3 ou 4 anos, o múltiplo pode se tornar mais atrativo”, comentou.

O futuro dos bancos passa pelo acirramento da concorrência, que vem se intensificando desde o surgimento das fintechs. No segmento de adquirência, a ameaça das financeiras menores já se concretizou. Controlada pelo Banco do Brasil e Bradesco, a Cielo vem perdendo espaço para empresas como Linx e Pagseguro e o impacto disso já é sentido no balanço financeiro. Em 2019, o lucro líquido da Cielo caiu 49,7%. A queda constante dos resultados da companhia também refletem no preços de suas ações, que acumulam o pior desempenho do Ibovespa em 3 anos, período em que se desvalorizaram 65%.

Guimarães avalia que a regulamentação do open banking poderia fazer as fintechs avançar em áreas que, hoje, os bancos dominam, mas acredita que os efeitos serão menores do que o que ocorreu com o setor de adquirência.

Com o ambiente financeiro em transformação, muitos investidores têm optado pelos por instituições financeiras digitais na hora de montar suas carteiras. “Tudo que tem ‘tecnologia’ e ‘digital’ o mercado parece que pega mais”, comentou Guimarães.

A categoria, apesar de não ter os mesmos lucros que os grandes bancos - a soma do lucro líquido do Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander cresceu cerca de 17% passando de 69,7 bilhões de reais em 2018 para 81,7 bilhões de reais -, vem apresentando forte crescimento de sua base de clientes. Um dos maiores nomes do movimento, o Nubank, que embora ainda não dê lucro, dobrou sua quantidade de usuários no ano passado e chegou a 20 milhões de contas no início de 2020.

O Banco Inter segue passos semelhantes. Em 2019, quando alcançou seu primeiro bilhão em receitas, o banco aumentou em 180% o número de contas digitais, encerrando dezembro com 4 milhões. No ano, o lucro líquido do Inter ficou em 81,6 milhões de reais, 16,8% acima do registrado em 2018. 

Apesar do lucro ter crescido menos do que o do Banco do Brasil, a ação do Banco Inter teve alta de 145% no ano passado enquanto a do Banco do Brasil subiu 18%. “O investidor está se importando o crescimento [do número de rentistas] do que com o lucro”, disse Guimarães.

Para enfrentar a concorrência os grandes bancos cortaram os custos, reduzindo o número de agências, e investiram em uma melhor usabilidade de seus aplicativos. “Eles têm as melhores tecnologias bancárias do mundo e não estão dando sequer o benefício da dúvida”, afirmou Cadu Daltozo. Segundo o analista da Eleven Financial, a reação do mercado está sendo “exagerada”. “Ainda há um longo caminho até alguma fintech pegar parte do resultado dos bancos. As fintechs não vão dominar o mundo e os bancos não vão acabar.”

Guimarães vê os bancos buscando ficar “mais leves”, mas com um poder de reação mais “lento” para tentar enfrentar a concorrência. “É como se fossem um transatlântico.”

Acompanhe tudo sobre:AçõesBancosBB – Banco do Brasilbolsas-de-valoresBradescoFintechsItaúMercado financeiroSantander

Mais de Mercados

Goldman Sachs vê cenário favorável para emergentes, mas deixa Brasil de fora de recomendações

Empresa responsável por pane global de tecnologia perde R$ 65 bi e CEO pede "profundas desculpas"

Bolsa brasileira comunica que não foi afetada por apagão global de tecnologia

Ibovespa fecha perto da estabilidade após corte de gastos e apagão global

Mais na Exame