Bovespa: "O ambiente é muito mais importante que o arcabouço regulatório", diz diretora da CVM (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2015 às 09h25.
São Paulo - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um salto na regulação do mercado de capitais nos últimos anos, mas ainda esbarra em obstáculos como penas defasadas e limitações no campo probatório avalia Luciana Dias, diretora que deixará o colegiado da autarquia em dezembro, após oito anos de casa.
Em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, ela comenta a evolução da regulação no Brasil, o atual momento do mercado de capitais e os impactos da turbulência político-econômica sobre seu desenvolvimento.
"Com a atual crise econômica e política, não acho que mesmo que tivéssemos a governança da Suécia estaríamos fazendo IPOs (oferta pública inicial de ações). O ambiente é muito mais importante que o arcabouço regulatório", diz. A prova, pontua, é o grande número de empresas que foram a mercado em 2006 e 2007 apesar de termos regras bem menos sofisticadas à época.
A advogada que chegou à CVM como superintendente de desenvolvimento de mercado - responsável por questões regulatórias - se destacou nos últimos meses pela atuação em julgamentos polêmicos, como a condenação de fundos de pensão por voto em conflito de interesses em assembleias da Petrobras e, em especial, por condenar a União Federal por atuação abusiva enquanto controladora da Eletrobras.
A multa aplicada à União foi a pena pecuniária máxima ao alcance da CVM, de R$ 500 mil. A diretora considera o limite defasado e já chegou a dizer que "não faz cócegas" no bolso dos agentes do mercado. A CVM trabalha em um projeto de lei para atualizar essas penalidades que, na visão de Luciana, poderiam ser indexadas a um índice ou ao faturamento das empresas. A despeito disso, afirma que o peso reputacional das condenações não pode ser menosprezado.
"A CVM não é um leão sem dentes. Quando morde afeta a reputação das pessoas, que é um elemento bastante caro no mercado", diz. A diretora rechaça as propostas de encarregar o regulador do mercado de capitais do ressarcimento de investidores lesados. Além de tumultuar a rotina da CVM, isso em sua opinião não evitaria que os acionistas fossem aos tribunais.
O componente probatório é outro limitador da atuação sancionadora da CVM, avalia. Ao contrário da norte-americana Securities and Exchange Comission (SEC), a autarquia brasileira não tem poder para se valer de provas como a quebra do sigilo bancário, telefônico e a busca de documentos, que exigem autorizações judiciais. Isso dificulta sobretudo a comprovação de acusações de uso de informação privilegiada ("insider trading").
"Sem essas provas fundamentais a gente acaba construindo casos de 'insider' fracos e que muitas vezes terminam em absolvição", admite. Para preencher essa lacuna probatória a CVM tem buscado estreitar relações com o Ministério Público e a Polícia Federal via convênios, mas Luciana acredita que ainda há um longo caminho pela frente.
Regulação
Ao longo do período na CVM Luciana Dias participou de um processo de ampla reforma da regulação. Foram renovadas instruções que tratam de temas como infraestrutura de mercado, fundos de investimento, voto à distância em assembleias e a Instrução 480, que ampliou o nível de transparência das companhias abertas ao instituir o formulário de referência, documento anual que traz um raio-X das empresas, a exemplo do 20F americano.
Uma das novidades trazidas pela 480 foi a exigência de abertura da remuneração mínima, média e máxima da diretoria e do conselho de administração. Um grupo expressivo de companhias abertas reagiu e até hoje se vale de uma liminar judicial para não divulgar seu maior salário, sob alegação de que a privacidade e segurança dos seus principais executivos ficaria ameaçada.
Para Luciana, a argumentação é frágil e vai contra a evolução do mercado. "Entendia a liminar nos primeiros anos, mas agora... Ninguém foi sequestrado, não vejo ninguém expondo menos riqueza", critica.
A lógica da transparência da remuneração é simples na visão da advogada. O primeiro argumento é que o investidor tem o direito de saber quanto está pagando ao administrador de seu empreendimento, como acontece nos fundos de investimento.
O segundo é que em companhias sem controle definido o poder dos executivos sobre o próprio salário é enorme. O acionista corre o risco de pagar caro sem incentivar a melhor gestão se não souber quanto e como os administradores estão sendo recompensados.
Assim como a abertura da remuneração, a diretora da CVM acredita que a vinda de novas bolsas para o mercado brasileiro é questão de tempo. Luciana participou das discussões sobre a eficiência do mercado brasileiro em 2012, quando bolsas como Direct Edge e Bats mostravam interesse em se instalar no País. O movimento arrefeceu junto com a economia, mas não está descartado.
"É uma evolução natural do mercado ter mais de um ambiente de negociação. Como isso vai acontecer, se (a nova bolsa) terá que ter infraestrutura própria, é um desafio para a CVM. É bom porque concorrência gera melhora, aperfeiçoamento", opina.
OPAs
Questionada sobre a polêmica que sempre permeia as operações que envolvem mudanças no controle de uma companhia e a necessidade (ou não) de uma oferta pública de aquisição de ações (OPA)aos acionistas minoritários, Luciana defende a mudança do modelo, com a obrigação de oferta sempre que houver a negociação de mais de 30% do capital da companhia.
"Nesse caso você presume uma alteração substancial nos rumos da companhia e por isso dá ensejo à OPA. Se eu tivesse que escolher uma discussão seria a reforma da OPA, já que aqui ela é menos efetiva que em outros lugares", diz.
A proposta demandaria uma alteração na Lei das S.A.. Em 2010 houve uma tentativa de incluir essa regra no Novo Mercado da BM&FBovespa, mas ela foi vetada pelas companhias listadas no segmento. Na prática, as divergências de interpretação acabam levando as discussões à CVM, que tem decidido caso a caso.