Representatividade na política: 2022 tem recorde de pessoas LGBTI+ eleitas
A representatividade LGBTI+ em cargos públicos ainda é recente, mas tem ganhado mais espaço em candidaturas e também dentre pessoas eleitas nos últimos pleitos
Da Redação
Publicado em 22 de outubro de 2022 às 09h57.
Por JP Polo*
Representatividade nos espaços sociais e laborais tem sido uma das pautas dos movimentos de populações historicamente minorizadas já há muito tempo. Quando observamos isso em relação à comunidade LGBTI+, entendemos que ter pessoas abertamente lésbicas, gays, bissexuais, trans ou travestis, dentre outras identidades, em posições de liderança, poder e decisão nas instituições, empresas e na política, é fundamental para criar referências positivas, dar destaque às potencialidades e talentos, defender e ampliar direitos coletivos e políticas públicas e, obviamente, no combate à LGBTfobia.
Quando fazemos o recorte especificamente político, a representatividade LGBTI+ em cargos públicos ainda é recente, mas tem ganhado mais espaço em candidaturas e também dentre pessoas eleitas nos últimos pleitos. No próximo ano, por exemplo, teremos um recorde de cadeiras ocupadas por representantes da comunidade LGBTI+ no Congresso e nas Assembleias estaduais: 18, ao menos, sendo 16 mulheres – 5 delas trans ou travestis – e 14 pessoas negras.
A ONG #VoteLGBT, uma organização que, desde 2014, busca aumentar a representatividade de pessoas LGBTI+ em todos os espaços, sobretudo na política, mapeou 330 pessoas autodeclaradas LGBTI+ concorrendo às vagas públicas neste ano, num total de 325 candidaturas (esses números diferem pois temos candidaturas coletivas com mais de uma pessoa LGBTI+ as compondo). Isso representa mais que o dobro, no comparativo com 2018, quando tivemos 157 candidaturas para o Senado, Câmara Federal e Assembleias Legislativas Estaduais, com 11 pessoas eleitas.
Já nas eleições municipais de 2020, tivemos 556 candidaturas por todo o país, segundo a ONG, e 97 dessas foram eleitas. Importante reforçar que, para esse tipo de pesquisa, é sempre considerada a autodeclaração para o levantamento feito pelas organizações, já que não temos dados oficiais sobre o quesito LGBTI+ junto à Justiça Eleitoral.
O número em si ainda não está perto do ideal, se considerarmos o percentual estimado de pessoas LGBTI+ na nossa sociedade. Apesar de também não termos dados governamentais oficiais, vamos considerar, como base, um levantamento feito pelo Datafolha, encomendado pelas Havaianas e a organização All Out, lançado em setembro de 2022. A pesquisa, feita com pessoas com mais de 18 anos, mostrou que 9,3% dos entrevistados afirmaram pertencer à comunidade. Se teremos 18 representantes no próximo ano, num total de 594 congressistas (Senado e Câmara de Deputados), esse número equivale a 3% das cadeiras apenas.
Mulheres trans no Congresso
Da eleição desse ano, devemos destacar que, pela primeira vez na história, teremos mulheres trans ocupando cadeiras no Congresso Nacional, em 2023: Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT), por São Paulo e Minas Gerais, respectivamente.
Na capital paulista, nas eleições municipais de 2020, Erika já havia sido a mulher mais votada e, novamente, teve uma votação ampla, conquistando 256.903 votos. Duda também já era a vereadora mais bem votada em Belo Horizonte, há dois anos, e agora recebeu 208.332 votos, sendo a mulher mais votada em Minas Gerais nessas eleições e também a terceira pessoa mais votada no estado.
Para os cargos de Deputadas Estaduais, ainda tivemos a eleição de outras 3 mulheres trans: a covereadora Carolina Iara (PSOL), integrante da Bancada Feminista em São Paulo, Linda Brasil (PSOL), em Sergipe, e Dani Balbi (PCdoB) no Rio de Janeiro.
Representatividade e legitimidade
Desde 1988, nuca tivemos uma lei aprovada pelo Congresso que garanta direitos para a população LGBTI+. Isso espelha muito do conservadorismo da nossa sociedade e a ideia de que as pautas identitárias, principalmente em relação a diversidade sexual e de gênero, não são encaradas pela classe política como questões da democracia. Tanto que, as conquistas de direitos se deram sempre via Supremo Tribunal Federal, como o direito ao casamento de pessoas do mesmo gênero, a doação de sangue e a criminalização da LGBTfobia.
Outro dado alarmante é em relação às mortes de pessoas LGBTI+ no país, que há mais de uma década coloca o Brasil na liderança dessa estatística. Um dossiê apresentado pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil denuncia que, durante o ano de 2021, ocorreram 316 mortes violentas no país, motivadas pelo ódio ou aversão à orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. Houve, se comparado a 2020, um aumento de 33% de mortes.
Novamente, vale ressaltar, que esses são dados reunidos por organizações da sociedade civil que buscam criar estatísticas sobre a população LGBTI+, tendo em vista a falta delas por parte do poder público e suas instituições. Também importante dizer que, no caso dessas informações, o próprio Observatório afirma ter indícios para presumir que há subnotificação dessas mortes no Brasil.
Trazer isso à tona não tem como objetivo diminuir a importância das pesquisas e mapeamentos feitos por ONGs no país. Pelo contrário, vem para ressaltar a importância da representatividade de pessoas LGBTI+ na política com legitimidade para trazer a esse ambiente as demandas sociais da comunidade. É preciso, por meios governamentais, termos levantamentos mais precisos e sem limitações metodológicas para que possamos, a partir disso, exigir políticas públicas eficientes.
É necessário dar foco a essas pautas com a urgência que merecem, envolvendo também organizações privadas para que tenhamos os direitos básicos garantidos, como acesso ao ensino de qualidade sem a expulsão escolar comumente vivenciada pela população LGBTI+, saúde com dignidade e respeito e o fim da violência institucional em diversos âmbitos. Viver temendo pela preservação da sua existência, a todo momento, não deve ser mais a realidade enfrentada por pessoas LGBTI+ no mundo.
Termos representantes nas Casas Legislativas e no Executivo em todas as esferas (municipal, estadual e federal) é um dos caminhos fundamentais para que isso aconteça. Assim como o papel da iniciativa privada, que tem trazido cada vez mais a agenda ESG à frente dos negócios, devendo atuar via advocacy, por exemplo, utilizando sua influência e acesso para exigir mudanças legais. Outra atuação possível é a mudança de mentalidade interna, da cultura organizacional e também junto a todos seus stakeholders: treinamentos recorrentes, formação da liderança para esse tema, política de não tolerância a casos de discriminação, além da contratação e desenvolvimento de pessoas LGBTI+, valorizando a diversidade e promovendo a inclusão plena, transformando-se numa empresa realmente aliada à pauta LGBTI+.
*JP Polo é jornalista, professor e especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão