Pará: o estado com o maior desmatamento tem um plano para desenvolver a Amazônia
Em entrevista à EXAME, o governador Helder Barbalho afirma que fez a lição de casa e que vai à COP27 mostrar que a floresta em pé é o melhor negócio
Rodrigo Caetano
Publicado em 9 de novembro de 2022 às 11h57.
O governador do Pará, Helder Barbalho, foi reeleito em primeiro turno com 70% dos votos, nas últimas eleições. É um resultado expressivo, para um estado que foi o centro de uma das maiores polêmicas políticas nos últimos quatro anos: o desmatamento na Amazônia. Entre janeiro a outubro, o sistema Deter, do Inpe, identificou 3.197 quilômetros quadrados de área desmatada no Pará, o equivalente a 34% da destruição em toda a Amazônia Legal. O estado é o que apresenta o maior desmatamento anual desde 2006.
Barbalho, no entanto, tem uma narrativa diferente. “Nas áreas de competência do estado, reduzimos o desmatamento em 10%”, diz o governador. É preciso uma explicação: aproximadamente 65% do território paraense é de responsabilidade da União, ou seja, do Governo Federal. São áreas de preservação e terras devolutas, em que o governo estadual não possui jurisdição. “O desmonte das estruturas de fiscalização, no âmbito federal levaram ao aumento na destruição da floresta”, afirma.
Ele se refere à política do ex-ministro Ricardo Salles, que enfraqueceu o Ibama e atuou contra a aplicação de multas aos desmatadores. Salles acabou destituído após ser acusado de proteger madeireiros contra uma operação da Polícia Federal de apreensão de um carregamento ilegal de toras de madeira. Ele também ficou conhecido pela expressão “passar a boiada”, usada para se referir a uma avalanche de mudanças normativas que pretendia promover. Para Barbalho, essa política levou a um aumento da atividade ilegal, que é a grande responsável pelo desmatamento.
No que competia ao estado, a partir de 2019, quando Salles assumiu o comando do MMA, o governador preferiu adotar uma postura pró-mercado de controle do desmatamento. Ele apostou no mercado de carbono e na ideia de monetizar a floresta em pé, criou seu próprio fundo para financiar projetos ambientais, elaborou um plano de desenvolvimento da bioeconomia e foi à COP, a conferência climática da ONU, conversar diretamente com os financiadores. “Procuramos ocupar o espaço deixado pela mudança de postura do governo federal”, afirmou à EXAME.
Protagonismo dos governos subnacionais
A primeira COP de Barbalho foi a 25, em Madri, em 2019. A conferência aconteceria no Brasil, mas o recém-empossado governo de Jair Bolsonaro vetou o evento. O Chile assumiu a organização, porém, uma onda de protestos nas ruas impediu que o país sediasse o encontro, que migrou para a Espanha, com liderança chilena, ainda que figurativa. Esse foi o primeiro sinal do que viria a ser uma guinada radical na participação do Brasil no debate climática, liderada pelo ex-ministro Ricardo Salles.
O governo brasileiro, na prática, não foi à COP25. Salles esteve presente, porém, condicionou qualquer negociação a valores que, supostamente, seriam devidos ao Brasil por serviços ambientais. O tradicional papel brasileiro de mediador entre os países ricos, que são os maiores emissores, e os pobres, que sofrem as maiores consequências das mudanças climáticas, foi perdido. Criou-se um vazio representativo, e as negociações travaram.
Alguns estados, entre eles o Pará, buscaram sua própria representação, e encontraram guarida no estande da sociedade civil. O pequeno espaço, financiado coletivamente, ficava abarrotado. “Em 2019, buscávamos uma base para o diálogo”, afirma Barbalho. Por conta da pandemia, a COP26 aconteceu dois anos depois, em Glasgow, na Escócia. “Em 2021, com essa base estruturada, encontramos um outro ambiente, de muita curiosidade. Os estrangeiros queriam entender nossa proposta.”
Um novo paradigma na COP27
Barbalho se prepara para ir a Sharm el-Sheikh, no Egito, onde está acontecendo a COP27. Ainda não será dessa vez que ele terá o governo federal como aliada, porém, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva estará presente e deve sinalizar uma nova postura do Brasil na área ambiental. O governador do Pará trabalhou ativamente para convencer Lula a participar do evento.
O cenário será de um novo paradigma. Barbalho e os governadores do Consórcio Amazônia Legal, que reúne os nove estados amazônicos (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), contam, pela primeira vez, com um espaço próprio no pavilhão de eventos. Com uma atuação em bloco, esperam negociar com países estrangeiros pautas como o mercado de carbono, sob a ótica dos países em desenvolvimento. A postura será mais propositiva, de levar soluções para a proteção da floresta e para a crise climática.
Mercado de carbono e bioeconomia
“Os países desenvolvidos estão mais preocupados com a redução das emissões do que com o mercado de carbono”, diz Barbalho. “Mas, quando formos capazes de precificar a tonelada de carbono, é que vamos viabilizar modelos de desenvolvimento que priorizem a floresta em pé”. Para o governador, o modelo industrial atual foi desenvolvido e adotado pelos maiores emissores, e é responsabilidade deles propor um novo modelo.
No que se refere ao Pará, especificamente, ele acredita que o estado fez a lição de casa. “Criamos um plano para desenvolver a bioeconomia, um programa de regularização fundiária atrelado à produção agrícola sustentável, criamos o Fundo Amazônia Oriental e reduzimos o desmatamento nas áreas de competência do estado”, justifica. “O diálogo com o governo federal, agora, elimina uma etapa na negociação para acessar os recursos disponíveis lá fora.”
Sobre o desmonte da estrutura de fiscalização federal, Barbalho ressalta que sem comando e controle, é impossível conter o desmatamento. “Ao mesmo tempo, só com comando e controle também não resolve. É preciso monetizar a floresta em pé e criar modelos de desenvolvimento sustentável”, explica. “A Amazônia eleva o Brasil ao centro da agenda ambiental, que é uma das maiores pautas diplomáticas da atualidade. A questão é de que maneira o Brasil será protagonista.”
O que é a COP?
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) é um tratado internacional com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.
Uma das principais tarefas da COP é revisar as comunicações nacionais e os inventários de emissões apresentados por todos os países membros e, com base nessas informações, avaliar os progressos feitos e as medidas a serem tomadas.
Para além disto, líderes empresariais e a sociedade civil se unem para discutir suas participações no tema. Neste cenário, a EXAME atua como parceira oficial da do Pacto Global ONU Brasil, organização das Nações Unidas que congrega o setor privado.
COP27: quando acontece e qual a sua importância
O balneário de Sharm El-Sheihk, no Egito, será o palco do principal encontro climático deste ano: a 27ª sessão da Conferência das Partes, a COP27, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O evento, realizado desde 1995, reunirá os líderes de praticamente todos os países globais. Nos últimos anos, as COPs resultaram em alguns dos acordos mais importantes da história, como o Acordo de Paris, na COP21, e a criação do mercado global de carbono, na COP26.
A chamada COP27 estava originalmente prevista para ocorrer de 8 a 20 de novembro de 2021, mas por conta da pandemia de covid-19, a 26ª edição ocorreu em novembro do ano passado, deixando a 27ª edição para 7 a 18 de novembro de 2022.
Apesar de ainda não ter sido divulgada uma agenda fechada, já é possível esperar a participação de autoridades, como do alto escalão da ONU, entre eles Antonio Guterres, secretário-geral da ONU e Sanda Ojiambo, diretora-executiva do Pacto Global. Presidentes e representantes nacionais dos ministérios de clima, meio ambiente e sustentabilidade também são esperados.
Saiba mais sobre o histórico e a evolução das COPs e o que aconteceu na COP26