ESG em 2022: o mercado cansou de falatório e quer planos concretos
Grandes bancos e gestoras intensificam discurso contra o green washing e pedem ação das empresas. A boa notícia é que estão dispostos a ajudar
Rodrigo Caetano
Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 12h15.
Não é segredo para ninguém que a sigla ESG (meio ambiente, social e governança, em inglês) surgiu para contabilizar financeiramente os aspectos éticos dos negócios. Um dos inventores do termo, o australiano James Gifford, inclusive, conta essa história nas páginas da Revista EXAME deste mês, em entrevista exclusiva . O desafio era convencer as empresas a reportarem um novo conjunto de dados relacionado às questões ESG. Para isso, o mercado precisava mostrar que, eticamente, olhar para os aspectos socioeconômicos e ambientais das empresas é o certo a fazer.
Desse processo, surge, em 2019, a carta do Business Roundtable , grupo que reúne os CEOs das maiores empresas dos Estados Unidos, que derrubou oficialmente a ideia de que as empresas existem apenas para gerar lucro – na verdade, elas devem gerar valor a todas as partes interessadas (stakeholders). Foi um ponto de virada cultural. A partir da carta, quem não sabia ou não acreditava no ESG ficou desatualizado. O discurso havia mudado.
Este ano começa com outra virada no ESG. Nesta semana, o CEO da BlackRock, Larry Fink, publicou sua já famosa carta anual ao mercado , na qual, há quase uma década, ele busca convencer seus clientes a abraçar o novo capitalismo. Dessa vez, o tom foi diferente. Ele já não se mostra preocupado em fazer os CEOs compreenderem a importância do ESG. Com a força da maior gestora do mundo, com 9,5 trilhões de dólares em ativo, Fink está cobrando planos e resultados.
“Nas últimas três décadas, tive a oportunidade de conversar com inúmeros CEOs e aprender o que distingue as empresas verdadeiramente excelentes. Repetidamente, o que todas elas compartilham é um claro senso de propósito; valores consistentes; e, de forma crucial, reconhecimento da importância de se envolver e atender aos principais stakeholders”, escreve Fink. “Essa é a base do capitalismo de stakeholders.”
Ele segue dizendo que nunca foi tão importante que os demonstrem ter uma estratégia consistente para suas empresas. E justifica com números. “Há dois anos escrevi que risco climático é risco de investimento. E, nesse curto período, vimos um deslocamento gigantesco de capital. Os investimentos sustentáveis atingiram USD 4trilhões”, aponta. “Isso é apenas o começo – o gigantesco deslocamento para os investimentos sustentáveis ainda está acelerando.”
Não ao desinvestimento
A carta aborda um aspecto polêmico do ESG, no geral, e da atuação da BlackRock, especificamente: o desinvestimento em setores de carbono intensivo. Fink é contra. “Desinvestimento de setores inteiros – ou simplesmente a passagem de ativos com uso intenso de carbono de mercados públicos para mercados privados – não fará com que o mundo tenha uma emissão zero”, diz ele. Eticamente, é questionável advogar em favor da descarbonização, enquanto apoia financeiramente empresas que fazem, justamente, o contrário. O ponto é que o ESG nunca foi sobre ética. É capitalismo.
Os maiores bancos brasileiros têm uma posição similar. Bradesco e Itaú, que entraram para a Net-Zero Banking Alliance e se comprometeram a descarbonizar suas carteiras, afirmam que a única forma de atingir o objetivo é engajando seus clientes. “Só seremos carbono zero se os nossos clientes também forem”, afirma Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do banco. “Precisamos ser propositivos.”
Para o Bradesco, que foi o primeiro a aderir à Net-Zero Banking Alliance, o intuito por trás da iniciativa é auxiliar os clientes a fazer a transição. “Não vamos atingir o objetivo, que é comum a todos, excluindo empresas”, diz Pasquini.
Fink está convencido de que as empresas que compreendem seu papel na sociedade e agem no interesse de seus funcionários, clientes, comunidades e acionistas melhoram seu desempenho. Ele deixa claro, na carta, que não há mais espaço para discussão sobre a validade dessa forma de olhar para as empresas. A única coisa que interessa é como implementar as mudanças. Para Renata Faber, head de ESG da EXAME, esse é o ponto crucial da mensagem. “Ele fala que as empresas que estão liderando essa transição representam uma enorme oportunidade de investimento”, diz Faber. “É investindo nelas que chegaremos a um mundo net zero.”
O capitalismo, diz Fink, tem o poder de moldar a sociedade e agir como um poderoso catalisador para a mudança. “Mas as empresas não podem fazer isso sozinhas, e não podem ser a polícia climática. Isso não trará um bom resultado para a sociedade. Precisamos que os governos forneçam caminhos claros e uma taxonomia consistente para a política de sustentabilidade, regulamentação e divulgação em todos os mercados. Quando usamos o poder dos setores público e privado, podemos realizar coisas realmente incríveis. Isso é o que devemos fazer.” O recado está dado.