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Precisamos reconhecer que é difícil fazer boas políticas públicas

Parece óbvio, mas muitas decisões governamentais são tomadas sem o vínculo entre a causa do problema e o sintoma a ser resolvido

Não há como evitar o conflito, as decisões difíceis e, muitas vezes, a priorização do todo, mas as individualidades podem - e devem - ser tratadas e respeitadas dentro de uma agenda especial de gestão. (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Não há como evitar o conflito, as decisões difíceis e, muitas vezes, a priorização do todo, mas as individualidades podem - e devem - ser tratadas e respeitadas dentro de uma agenda especial de gestão. (Klaus Vedfelt/Getty Images)

O Brasil está a poucos dias de escolher quem será o Presidente da República pelos próximos quatro anos. É um momento em que os dois candidatos fazem campanha, participam de debates e anunciam as últimas ideias na disputa pela preferência dos brasileiros. Trata-se de uma discussão sobre as decisões que serão tomadas e como elas podem afetar os cidadãos e as empresas. Há, contudo, pouco reconhecimento de que é difícil fazer boas políticas públicas no Brasil.

Políticas públicas são desenhadas para tentar solucionar problemas que afetam a sociedade. Elas propõem aprimoramentos em temas de interesse coletivo, como a saúde, a economia, a defesa, o meio ambiente entre outras. Também se referem às preferências da população, como em temas relacionados ao aborto, à posse de armas e à pena de morte. Essas decisões, contudo, não são feitas automaticamente, como num passe de mágica. Nas democracias, as escolhas são submetidas às forças políticas e aos interesses de diversos atores, públicos ou privados, bem como aos procedimentos legais e demais condicionantes inerentes ao processo decisório. Depois desse longo caminho, as soluções mais viáveis são transformadas em políticas públicas na forma de normas, leis, programas ou dotações orçamentárias.

Durante o período eleitoral, a mídia e as redes sociais dão ênfase às propostas dos candidatos, suas ideologias e declarações, mas há pouca avaliação da capacidade de realizá-las ou da motivação por trás delas. Mesmo os candidatos não conseguem detalhar a conexão entre as razões de suas escolhas e os impactos esperados. O candidato que sair vitorioso das urnas, independentemente quem seja, terá de superar questões complexas para melhorar o nível de bem-estar da população e conseguir entregar parte de seu plano de governo.

Um primeiro ponto a ser vencido relaciona-se à capacidade de gestão de políticas públicas. Durante a disputa, os candidatos apresentam diferentes propostas, sobre como resolver, por exemplo, problemas econômicos, sociais ou ambientais, mas não especificam suas diversas causas nem como pretendem resolver tais assuntos. Parece óbvio, mas muitas decisões governamentais são tomadas sem o desejável vínculo entre a causa do problema e o sintoma a ser resolvido. São meras ideias, expressões de preferências, que ficam mais no plano de como “fazer algo”, em vez de como “resolver algo”. Sem ampliar a capacidade de realizar diagnósticos com base em informações e evidências, a explicação das propostas fica prejudicada e seus argumentos restam enfraquecidos.

Algumas iniciativas para melhorar a gestão das políticas públicas já estão em desenvolvimento no Brasil. Inspirado no modelo britânico, o governo federal criou, em 2018, manual para orientar os gestores na avaliação ex ante das políticas públicas. A publicação fornece modelos, criando padrões para que os ministérios enviem os projetos à Casa Civil da Presidência da República e estabelece critérios objetivos para auxiliar as decisões. O roteiro é basicamente estruturado em: diagnóstico do problema; objetivos, ações e resultados esperados; desenho, estratégia de implementação e focalização; impacto orçamentário e financeiro; estratégia de construção de confiança e suporte; monitoramento, avaliação e controle. A prática, contudo, ainda não foi amplamente consolidada no Executivo.

O Legislativo também apresentou proposta para aprimorar a elaboração de políticas públicas. O PLS 488/2017, de autoria do senador Roberto Muniz (PP-BA), propõe que o Poder Executivo “realize e encaminhe ao Poder Legislativo uma avaliação de impacto da norma que criará determinada política pública”. O projeto foi aprovado, em 2018, pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados, onde aguarda deliberação. O próprio Legislativo, entretanto, não adota a avaliação de impacto na grande maioria das proposições legislativas, trazendo justificativa simples e, não raro, genérica.

A ausência da lógica sequencial entre diagnóstico e expectativa de solução dificulta a avaliação do impacto gerado pela política pública. É comum que as iniciativas sejam criadas e executadas, ano após ano, sem que se saiba qual benefício que efetivamente geram para a população. É mais comum observar o debate sobre o que foi feito e seu custo do que explicar se a política pública melhorou determinada situação. Além do desconhecimento acerca da qualidade do gasto com aquela opção, o recurso alocado fica impedido de ser alocado a outra política pública. Desse modo, parece fundamental saber se a política pública fracassou ou não em seus objetivos, porque isso permitiria sua extinção ou seu aprimoramento. É preciso aumentar a quantidade das políticas públicas avaliadas, aprimorar a qualidade dessas avaliações e implementar metodologias de revisão orçamentária, como os spending reviews.

O Executivo e o Legislativo iniciaram esforços para mitigar também esse problema de gestão. O governo publicou o segundo guia, também em 2018, o Guia prático de análise ‘ex post’, para o monitoramento e avaliação de políticas públicas. O governo criou o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), em 2019, para avaliar iniciativas financiadas por gastos diretos da União. Em tramitação no Legislativo, a PEC 26/2017 propõe criar um sistema integrado pelos três Poderes para avaliar políticas públicas, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A proposição foi aprovada em primeiro turno no Senado, em 2019, mas não avançou desde então.

Se as questões anteriores são desafios à gestão pública, outro se refere ao processo político de tomada de decisões. Há fatores que condicionam a capacidade de formular boas políticas públicas dos decisores e que devem ser observadas. Trata-se, por exemplo, da compreensão do funcionamento das instituições, da economia, política, mídia, opinião pública e mesmo das relações internacionais. Como não considerar, por exemplo, os efeitos da pandemia da Covid-19 ou da guerra na Ucrânia na agenda decisória? Ou a força dos grupos de interesse, que levam informações e argumentos aos políticos, manifestando suas legítimas preferências aos decisores? Qual o papel das novas mídias e da opinião pública sobre os temas? Como se dá a relação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional, essencial para a governabilidade? Esses são tópicos que contribuem para entender avanços e retrocessos de diversas políticas públicas.

É preciso apreciar e aceitar a complexidade do processo que envolve as políticas públicas. Fazer boas políticas públicas é algo difícil no mundo todo, e o Brasil não é exceção à regra. Não basta apenas ter boas ideias e intenções para gerar prosperidade para os cidadãos e as empresas. Ampliar a capacidade de gestão de políticas públicas e aprimorar a articulação política são medidas essenciais para consolidar esse avanço. O presidente eleito deve liderar esse esforço, de modo a diminuir a distância entre as ideias que o elegeram e a realidade que conseguirá entregar para a população brasileira em 2023!

*Arthur Wittenberg é mestre em Políticas Públicas pela King’s College London e professor no Ibmec.

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