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Bicentenário da Independência não pode ser reduzido a narrativas políticas

As mais variadas forças tentarão adequar as comemorações às suas estratégias eleitorais, mas a conjuntura do Brasil em 1822 levanta questões ainda pertinentes

Bandeira do Brasil no Rio de Janeiro (Cesar Okada/Getty Images)

Bandeira do Brasil no Rio de Janeiro (Cesar Okada/Getty Images)

Por João Camargo e Pedro Henrique de Almeida*

A motivação momentânea do brado retumbante naquele 7 de setembro de 1822 é sabida: uma carta enviada pela princesa Leopoldina a D. Pedro avisava sobre as novas restrições à autonomia do Brasil e à autoridade do príncipe regente. Restrições impostas pelas cortes constitucionais de uma Lisboa em ebulição.

 Não fosse a pressão das cortes constitucionais portuguesas contra a autonomia que a condição de Reino Unido havia garantido ao Brasil, talvez a separação administrativa se desse mais adiante. A ideia da autonomia havia perdido o fôlego nas elites locais após os avanços ocorridos com a vinda da família real em 1808, tais como a abertura dos portos às nações amigas e a permissão dada à atuação da imprensa.

 O termo Independência, recorrente nos ditos populares e nas lutas locais até então, raramente fazia referência à emancipação – a despeito dessa identificação se acentuar posteriormente –, referia-se quase sempre à insubordinação ao status quo constituído naquele momento, isto é, à Coroa, como bem esclarece a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira em suas obras. Além disso, historiadores como István Jancsó e João Paulo G. Pimenta explicam que, no início do século 19, a identidade nacional e a brasilidade ainda eram embrionárias e restritas a certos grupos. O grosso da população não se via como brasileira. Quando estudamos as reivindicações que chacoalharam o Brasil pré-independente, vemos que não havia ali uma configuração nacional. A privação de liberdade raramente era associada à sujeição a uma nação estrangeira –Portugal não era encarado dessa forma; mas era comumente associada ao trono e à monarquia absolutista.

As disputas políticas em Portugal, que exigiram o retorno da Corte e que reivindicavam a restauração à condição de colônia para o Brasil, replantaram em nossas terras a ideia de separação administrativa. Só que dessa vez, as ideias foram plantadas em solo muito mais fértil.

Desde a vinda da família real em 1808, o Brasil havia se tornado refúgio de interesses absolutistas de portugueses preocupados com o avanço das ideias liberais em Lisboa. Foi o processo que historiadores como Maria Odila Leite da Silva Dias chamaram de interiorização da metrópole; é essa interiorização que estabeleceu as condições para o grito 14 anos depois. Portanto, não é errada a interpretação que enxerga a independência do Brasil como resultado de uma guerra civil entre portugueses, mas é certa a importância daquele grito na construção de nossa história.

 Aquele 7 de setembro de 1822 não pode ser interpretado isoladamente, deve ser lido como fundamento, estágio e consequência de um longo processo revolucionário que começa em 1808 e termina com a fuga de D. Pedro I. Um conjunto de transformações que, mesmo associadas ao momento daquele grito, não se restringem a esse evento.

 O grito como fundamento de um processo de construção de identidade nacional. O grito como etapa de um processo revolucionário marcado por uma série de eventos como a chegada da Corte em 1808, a abertura dos portos, os tratados de 1810, a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815, a insurreição de 1820 em Portugal, o Dia do Fico em 1822, a Constituição de 1824 e a abdicação de D. Pedro I em 1831. O grito como consequência da interiorização dos interesses absolutistas da metrópole.

 A História não deve ser reduzida a mero repositório de exemplos a serem adequados convenientemente a qualquer narrativa política. É essencial que tenhamos isso em mente na

comemoração deste bicentenário, quando as mais variadas forças tentarão adequar as comemorações às suas estratégias eleitorais, mas a conjuntura do Brasil em 1822 levanta questões que ainda nos são pertinentes duzentos anos depois. O que é ser brasileiro? O que nos une como nação? Quais as forças políticas que subjugam nossa autonomia? Quais os interesses aqui contidos conduzem nossa história?

Naquele 7 de setembro de 1822, efetivava-se nossa revolução. Ali moldou- se a nação que se sucedeu nos 200 anos seguintes. Ali nascia mais do que uma nova região administrativa, moldava-se a brasilidade como confuso sentimento, que amadureceu e nos manteve unidos por duzentos anos. Iniciava-se um processo intenso de construção de cidadania, de politização dos brasileiros e popularização do debate público. Um processo em que ainda há muito o que avançar, mas orgulha a caminhada que tivemos até aqui.

*João Camargo é empresário e CEO da Esfera Brasil

*Pedro Henrique de Almeida é advogado e historiador e trabalha como relações-governamentais da Esfera Brasil

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