Rodrigo Maia: presidente da Câmara recua após ameaça ao TCU de corte de orçamento (Ricardo Moraes/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 12 de fevereiro de 2019 às 12h08.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2019 às 12h11.
Brasília - A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que a União não tem mais a obrigação de fazer repasses bilionários aos Estados por conta da Lei Kandir, segundo apurou o Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado.
O entendimento cai como uma bomba para os governadores, que veem nessa compensação uma fonte crucial de recursos e têm esperanças de aumentar o valor das transferências dos atuais R$ 3 bilhões para R$ 8 bilhões ao ano.
O dinheiro novo para irrigar os cofres dos governadores já vem sendo negociado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, ameaçou deixar o TCU sem orçamento até 2020 caso a corte de contas resolva tratar do assunto.
A declaração gerou mal-estar e levou Maia a se reunir com o presidente do TCU, ministro José Mucio Monteiro.
"Quem fala demais de vez em quando fala besteira, e ontem eu acho que cometi um equívoco", disse o presidente da Câmara em pedido público de desculpas.
Ele se comprometeu a colocar em votação até o fim de março o projeto de lei complementar para definir as regras de repasse da Lei Kandir. Monteiro também buscou amenizar o confronto e disse que o "equívoco" pode permitir uma solução ao impasse a partir de agora.
A Lei Kandir prevê que a União compense os Estados pelo ICMS que deixa de ser arrecadado com a desoneração das exportações. O valor dos repasses sempre é alvo de disputas e um importante fator de negociação das pautas no Congresso Nacional.
O tema voltou à mesa em meio às tratativas para a aprovação da reforma da Previdência e pode servir de moeda de troca pelo apoio dos governadores.
O Congresso tem o poder de legislar sobre os repasses da Lei Kandir. Mas agora vai expor publicamente que prefere tirar dinheiro de outras áreas para dar aos Estados (já que a despesa é sujeita ao teto de gastos) e contrariar uma opinião técnica do TCU, órgão de controle que é um braço do Legislativo.
A visão dos técnicos corrobora a tese que há anos a equipe econômica tenta fazer prevalecer, mas ainda precisa ser ratificada pelos ministros do TCU. O relator, ministro Aroldo Cedraz, optou por ouvir representantes dos Estados e parlamentares sobre o tema, que vinha sendo tratado com reserva nos bastidores da corte de contas.
O presidente do Comitê dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz), Rafael Fonteles, diz que estudos de técnicos estaduais demonstram que o repasse ainda é devido. "Os Estados já fizeram várias contas e divergem dessa posição (da área técnica do TCU)", rebateu.
A corte de contas começou a analisar os repasses da Lei Kandir por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), após o Congresso não ter aprovado até agosto de 2018 (prazo dado pelo Supremo) a lei para regulamentar a compensação.
Houve impasse porque a União queria pagar R$ 3,9 bilhões ao ano, mas os Estados pediram dez vezes esse valor: R$ 39 bilhões anuais.
Quando o assunto chegou ao TCU, os técnicos iniciaram as discussões por um ponto ainda intocado nos debates entre os parlamentares: se a compensação ainda é de fato devida a alguns Estados.
A emenda constitucional de 2003 estabeleceu que, quando 80% do ICMS for arrecadado no Estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços (no destino, segundo o jargão tributário), não haverá mais direito à compensação. É essa condição que foi preenchida, de acordo com o TCU.