EUA: o país é o número um no mundo em número de mortos e infectados. / REUTERS/Sarah Silbiger (Sarah Silbiger/Reuters)
Janaína Ribeiro
Publicado em 9 de julho de 2020 às 18h13.
Desde março, tenho sido mais receptivo do que outros comentaristas sobre a possibilidade de uma recuperação em forma de "V" da crise induzida pela pandemia (embora eu também tenha constantemente alertado sobre os desafios estruturais que muitas economias enfrentarão na próxima década). Onde quer que eu tenha expressado esse otimismo, precisei voltar atrás por causa da aparente profundidade e tamanho da atual crise. E, no entanto, à medida que avançamos em julho, muitos clássicos e coincidentes indicadores líderes de curto prazo ainda apontam para uma recuperação em forma de V, assim como o economista-chefe do Banco da Inglaterra, Andy Haldane.
Apesar das complicações trazidas pela covid-19, os mesmos indicadores semanais e mensais nos quais tenho confiado há muito tempo são úteis para separar o joio do trigo. Nos meus primeiros dias como Economista-Chefe da Goldman Sachs, ajudei a desenvolver um índice, O Indicador Líder Global (Global Leading Indicator -GLI) elaborado para ser igualmente preciso, porém mais rápido que o antigo índice da OCDE, além de mais preditivo sobre o comportamento do mercado financeiro.
Desde que deixei o setor financeiro há sete anos, continuo monitorando os informes publicamente disponíveis do GLI todos os meses. Isso inclui índices dos gerentes industriais de compras nos EUA (PMIs); novos pedidos para suprir estoques; entradas semanais no seguro desemprego nos EUA; a pesquisa belga sobre confiança nas empresas; e valores mensais de exportação da Coréia do Sul. E para obter dicas adicionais sobre a situação da economia global, também pode-se acompanhar pesquisas conhecidas do PMI de outros países, bem como pesquisas mensais como o Ifo Business Climate Index na Alemanha. Basicamente, muitos indicadores semelhantes estão disponíveis para a China e geralmente são mais confiáveis do que os críticos desse país gostariam que fossem.
Além desses coincidentes indicadores líderes de curto prazo, estão os que dizem respeito às condições financeiras de maneira mais abrangente. Do final de fevereiro a março, quando o COVID-19 estava em declínio na Coréia do Sul e na Itália, os mercados financeiros reagiram à ampla percepção de que a crise alcançaria proporções pandêmicas. Os mercados de ações sofreram uma acentuada queda e as condições financeiras globais se restringiram significativamente.
Como resultado, todos os indicadores de alta frequência mencionados anteriormente entraram em colapso. Em março e abril, as exportações sul-coreanas caíram bruscamente, os indicadores do PMI entraram em colapso em todos os lugares e o desemprego em muitos países (principalmente nos Estados Unidos) disparou, apesar das dramáticas iniciativas de muitos governos locais para amenizar o golpe. Essas tendências seguiram previsivelmente a propagação repentina do COVID-19 pelo mundo desenvolvido, onde as taxas de infecção dispararam e as economias se fecharam.
Desde então, a pandemia tem sido bastante agressiva nas economias emergentes e em desenvolvimento, assim como em várias regiões dos EUA. A enorme escala da emergência de saúde pública, combinada com a experiência sem precedentes de medidas de bloqueio em toda a economia, conferiu uma qualidade dramática e apocalíptica à crise. Não é de se surpreender que muitas pessoas questionem uma perspectiva otimista.
No entanto, os atuais indicadores de alta frequência sugerem que uma recuperação em forma de V ainda parece possível. Afinal, os governos de todo o mundo obtiveram uma resposta político-econômica absolutamente maciça, intervindo com notáveis medidas monetárias e fiscais. Muitos governos já suplantaram amplamente as dimensões em resposta à crise e à recessão financeira global de 2008-10.
É verdade que os formuladores de políticas têm se concentrado mais em conter as urgências na saúde e na economia do que em estímulos; mas muitas das iniciativas mais importantes de resposta a crises continuarão a ter um efeito duradouro. Por exemplo, esquemas subsidiados de auxílios para sustentar a renda das famílias durante o pior período de bloqueio, em muitos casos, impulsionaram os investimentos em poupança, o que se traduzirá em aumento de gastos no futuro (se as circunstâncias o permitirem). E essa é apenas uma entre muitas razões pelas quais os índices do mercado financeiro subiram muito nas últimas semanas.
Esses podem não ser tempos normais, mas, normalmente, essa retomada sugeriria uma recuperação econômica. Além disso, muitos dos principais indicadores de alta frequência também estão melhorando – alguns visivelmente. Dois meses consecutivos de dados de emprego nos EUA e indicadores mensais do PMI nos EUA, Europa e Ásia estão todos apontando para cima.
Notadamente, apesar dos atuais desafios da China, o índice PMI de serviços de Caixin teve uma alta equivalente a um período de dez anos, de 58,4 em junho. E para quem duvida da validade dos dados chineses, vale lembrar que em fevereiro, o mesmo índice caiu para 26,5. Além disso, as exportações sul-coreanas foram substancialmente maiores do que nos meses anteriores (embora ainda estivessem 11% menores no comparativo anual).
Obviamente, todo esse movimento em direção a uma recuperação em forma de V é temporário. Se as principais economias forem forçadas a fechar novamente, os principais indicadores de alta frequência e as condições financeiras mais abrangentes, sem dúvida, darão outra guinada para pior. Mas se os bloqueios permanecerem localizados e temporários, se os sistemas de saúde continuarem ampliando os testes e, especialmente, se uma vacina ou tratamentos mais eficazes forem desenvolvidos, as perspectivas econômicas não precisam ser tão sombrias quanto muitos acreditam.
Se uma recuperação em forma de V chegar, será importante desviar a atenção para outros problemas, como a qualidade do crescimento futuro. Não devemos repetir os erros de 2009-10, quando a recuperação deixou muito a desejar em termos de ganhos de produtividade e inclusão. Os formuladores de políticas precisarão pensar de forma mais criativa e radical do que pensavam uma década atrás. Mas esse é tópico para outro comentário.
Jim O'Neill, ex-Presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é presidente da Chatham House.