Uma cartilha para a inovação
Competing Against Luck: The Story of Innovation and Customer Choice Autores: Clayton Christensen, Taddy Hall, Karen Dillon e David S. Duncan Editora: HarperBusiness 288 páginas ——————— David Cohen O professor da Universidade Harvard Clayton Christensen entrou para o panteão dos grandes pensadores de negócios com o livro O Dilema da Inovação, de 1997, em que […]
Da Redação
Publicado em 7 de janeiro de 2017 às 07h22.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.
Competing Against Luck: The Story
of Innovation and Customer Choice
Autores: Clayton Christensen, Taddy Hall,
Karen Dillon e David S. Duncan
Editora: HarperBusiness
288 páginas
———————
David Cohen
O professor da Universidade Harvard Clayton Christensen entrou para o panteão dos grandes pensadores de negócios com o livro O Dilema da Inovação, de 1997, em que descrevia como concorrentes podem oferecer produtos piores, a princípio, mas com o tempo derrubar as forças dominantes de um mercado – um exemplo clássico é a Kodak, ultrapassada pela tecnologia de fotografia digital que ela própria inventara mas que não adotou, por ser, no início, muito pior (e menos lucrativa) que os filmes.
O conceito de “inovação disruptiva” foi tão bem aceito que em pouco tempo o termo passou a servir para designar qualquer ideia bacana, ambiciosa e inovadora. Antes disso, porém, Christensen soube surfar em sua própria onda. Escreveu várias continuações do livro (sobre a universidade inovadora, inovação na saúde ou como prever o futuro) e fundou uma consultoria e um fundo de investimentos.
O problema era que sua tese, segundo ele próprio, estava incompleta. Era uma teoria para se defender de concorrentes – uma “resposta competitiva”, em suas palavras. Não que isso fosse pouca coisa. Ela ressoa em estratégias como a do Google ou do Facebook, de comprar concorrentes pequenos antes que eles se tornem ameaçadores, ou no agora disseminado hábito de separar unidades criativas para que a cultura empreendedora não seja contaminada pelos temores da empresa-mãe.
De qualquer forma, faltava o braço “de ataque”. É este braço que Christensen apresenta em seu novo livro, Competing Against Luck (Competindo contra a sorte), escrito com três colaboradores.Seu objetivo é criar um mapa para a inovação. Daí vem o título: segundo Christensen, quem seguir esse processo não dependerá da sorte para chegar a inovações que lhe permitam sustentar uma posição de destaque no mercado.
Basicamente, a ideia é que clientes não compram produtos ou serviços. Eles os utilizam para realizar o que consideram algum progresso em sua vida. “Nós chamamos esse progresso de ‘a tarefa que se está tentando realizar’, e na nossa metáfora nós dizemos que os clientes contratam produtos ou serviços para realizar essa tarefa”, diz Christensen.
A tese do milk-shake
Não é um conceito assim tão novo. Há algumas décadas, o professor de marketing Ted Levitt já afirmava que as pessoas não querem uma broca de um quarto de polegada, elas querem um buraco de um quarto de polegada. E o mais famoso guru da administração, Peter Drucker, costumava dizer que o cliente raramente compra o que a empresa acredita que está vendendo.
Para quem já assistiu a algum seminário de Christensen, a tese será familiar: ele cunhou há alguns anos o termo de “tarefas a serem realizadas” (jobs to be done, em inglês). Seu exemplo mais repetido é o do milk-shake do McDonald’s – no livro, Christensen não cita o McDonald’s, mas costumava dar o nome da rede em suas palestras.
Segundo ele, suas pesquisas identificaram dois públicos distintos para o milk-shake, com diferentes “tarefas a realizar”. O primeiro era o público das 9 da manhã: em geral, homens que iriam dirigir durante um bom tempo até o trabalho. Para eles, o milk-shake servia como algo para matar a pouca fome que surgiria durante a viagem sem precisar parar o carro, com as vantagens de não acabar rápido (é uma bebida densa) e não fazer sujeira nos bancos como os biscoitos.
O segundo público era de pais que iam à lanchonete com os filhos, no final da tarde. Depois de dizer “não” às crianças durante o dia todo, eles queriam, segundo Christensen, sentir que podiam fazer um agrado ao filho sem estragar demais sua saúde: o milk-shake cumpria esse papel.Só entendendo a tarefa que o produto está cumprindo é possível compreender quem são os concorrentes e como se pode satisfazer os clientes com mais propriedade.
Uma tarefa não é uma necessidade. “Eu quero ser mais feliz” é uma aspiração, não uma tarefa. Uma tarefa é mais específica, mas não tão específica a ponto de poder ser resolvida por produtos de um único tipo. Por exemplo: “Eu preciso de um milk-shake de chocolate que esteja numa caneca de meio litro” não é uma tarefa, diz Christensen. Os possíveis candidatos que você poderia contratar para realizar o serviço estão todos na categoria dos milk-shakes.
Para descobrir a tarefa, é preciso “subir mais um nível de abstração”. Neste caso, seria algo como “eu preciso de algo que me mantenha ocupado enquanto dirijo, sem tirar minha atenção da estrada; eu gostaria que isso me alimentasse um pouco, para que eu não esteja morrendo de fome durante a reunião das 10 da manhã.” Esta é uma tarefa, com vários candidatos: uma fruta, um milk-shake, um chocolate, um sanduíche etc.
Quando um produto realiza bem uma tarefa, o cliente se dispõe a pagar um preço mais elevado por ele, diz Christensen. E, se a empresa mantiver o foco na tarefa a ser cumprida, muito dificilmente será destronada.
Olhando para trás é mais fácil
Apresentada assim, a teoria parece um tanto óbvia. Difícil é fazer.
Embora tenha escrito que não iria cair na tentação de explicar casos de sucesso em retrospecto – “é sempre tentador olhar para histórias de inovação e construir uma explicação de por que elas foram um sucesso” – Christensen faz isso várias vezes: o walkman da Sony resolveu a tarefa de andar e escutar música; a Ikea resolve a tarefa de mobiliar uma casa com urgência; a Khan Academy resolve a tarefa de explicar matemática a crianças e adolescentes de maneira simples e divertida; os fundadores do Airbnb imaginaram 45 situações em que seu serviço resolveria problemas de hospedagem das pessoas.
Quando o assunto é olhar para a frente, entram as incertezas. Segundo Christensen, quando a BMW encampou a tese das tarefas a serem realizadas, lançou sua linha de carros elétricos e começou a investir em pilotos automáticos. Mas ninguém sabe se isso sustentará a empresa num hipotético futuro em que a gasolina seja abandonada.
É fácil dizer, como alertou Levitt, que as ferrovias estavam em apuros porque não perceberam que estavam no negócio de transportes, não de ferrovias. Mas quase todas as empresas de petróleo já se definem, hoje, como empresas de energia – infelizmente para elas, a troca de nome, apenas, não garante nada. Nem mesmo uma troca de cultura garantiria.
Esta é a questão central do livro. Christensen é um homem religioso (mórmon) e acredita que também nos negócios as boas ações podem garantir a prosperidade.“Há indústrias inteiras, como o Venture Capital, que se organizam em torno da crença de que a inovação é essencialmente um jogo de probabilidades”, diz. “Mas é hora de acabar com esse paradigma.”
Para Christensen, sua tese o habilita a prever sucessos.Não foi o que aconteceu, por exemplo, com o Uber, que ele descartou como uma inovação pouco relevante (depois mudou de ideia, embora diga, corretamente, que a inovação não garante que a empresa vá ser bem-sucedida no futuro).
Também não foi o que aconteceu com um dos produtos mais transformadores da indústria da tecnologia. Em 2007, Christensen disse à revista Business Week que a Apple não teria sucesso com o iPhone (“A história é muito clara sobre isso, as possibilidades de sucesso são limitadas”, afirmou). Depois se retratou: explicou que o iPhone não representava uma ruptura em relação aos telefones, mas não percebera que era uma ruptura em relação aos computadores… Ainda assim, em 2012 apostava que o Android venceria a corrida contra o iPhone.
É claro que todo mundo está sujeito a erros de vez em quando. Mas é justamente este o ponto. Christensen se sente tão seguro de suas teses que o curso de MBA que ministra em Harvard se chama “Construindo e Sustentando uma Empresa de Sucesso”.
Ele diz que uma boa teoria nos ajuda a entender o como e o porquê. “Ela nos ajuda a formar um sentido de como o mundo funciona e prever as consequências das nossas decisões e das nossas ações.” Sim e não. Em ciência, como alertava o filósofo Karl Popper, uma teoria deve ter a qualidade de ser falsificável. Quer dizer, ela tem de ser passível de ser negada pelos fatos. Em ciências humanas, a tentação é grande demais de reinterpretar os fatos para dar uma sobrevida às nossas teses.
As vantagens do guia
Isso não quer dizer que a tese das tarefas não ajude ninguém. Ela é um excelente exercício para que as empresas mudem o foco. Não para o cliente, como virou clichê, e sim para aquilo que o cliente quer realizar.
A empresa Medtronic, fabricante de marcapassos, usou a teoria para entender o mercado na Índia. Descobriu que seu maior competidor era o não consumo: o processo de identificar a necessidade do produto eram tão complicado que as pessoas deixavam de se tratar. Ela então organizou clínicas de saúde do coração pelo país, dando às pessoas acesso grátis a especialistas e a equipamentos de ponta, sem ter de entrar numa fila do serviço de saúde antes. Hoje, o país é considerado um dos mercados mais promissores para a empresa – que mantém parcerias com mais de cem hospitais em 30 cidades.
O guia para a inovação contém várias recomendações que parecem óbvias, mas somente depois que alguém nos chama a atenção para elas. O Facebook, encarado como uma pausa para se distrair do trabalho, concorre com o cigarro. A Netflix, como bem definiu Reed Hastings, seu fundador, compete com qualquer coisa que ajude a pessoa a relaxar. Só de enxergar a porosidade das fronteiras entre indústrias uma empresa já se torna mais perspicaz.
A chave para o sucesso, diz Christensen, é encontrar as tarefas que seus clientes (ou o que ainda não são seus clientes) querem realizar.
Para isso, é preciso entender como eles usam o seu produto. Por exemplo, os fabricantes do xarope NyQuil descobriram que muita gente tomava duas colheres do medicamento para dormir melhor, mesmo sem estar doentes. Daí surgiu o ZzzQuil, para oferecer ajuda no sono sem os ingredientes ativos de que elas não precisavam.
As melhores empresas acabam se organizando de forma a sempre estar atentas às tarefas que seus clientes querem realizar. Isso inclui entender que o importante não são as especificidades de um produto ou serviço, mas a experiência que eles proporcionam.
Quase nenhum desses conselhos é exclusivo da tese de Christensen e seus colaboradores. Mas, em conjunto, ajudam a tornar essa perspectiva robusta. Só fica faltando mesmo um ingrediente para garantir que a inovação se transforme em ótimos resultados: a sorte.