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Um prêmio Nobel tardio

David Cohen Se houve alguma surpresa no anúncio do Prêmio Nobel de Economia de 2016 foi apenas que ele chegou atrasado. Em sua conta no Twitter, o economista americano Paul Krugman afirmou que era “tão óbvio” que Oliver Hart e Bengt Holmström mereciam a honra que seu primeiro pensamento foi: “Eles ainda não tinham ganhado?” […]

OLIVER HART: professor em Harvard ganhou Nobel de economia ao lado do finlandês Bengt Holmström / Mary Schwalm/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2016 às 20h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.

David Cohen

Se houve alguma surpresa no anúncio do Prêmio Nobel de Economia de 2016 foi apenas que ele chegou atrasado. Em sua conta no Twitter, o economista americano Paul Krugman afirmou que era “tão óbvio” que Oliver Hart e Bengt Holmström mereciam a honra que seu primeiro pensamento foi: “Eles ainda não tinham ganhado?”

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Hart, de 68 anos, um britânico de origem judaica que vive nos Estados Unidos e é professor em Harvard, sabia que seus trabalhos acabariam lhe valendo um Nobel. Ele disse ter acordado às 4h40 da madrugada, na expectativa. “Eu já estava pensando que havia ficado tarde para contar com o prêmio este ano quando felizmente o telefone tocou. Minha primeira reação foi abraçar minha mulher, depois acordei meu filho mais novo e telefonei para meu colega de prêmio.”

Holmström, de 67 anos, um finlandês da minoria de origem sueca que também vive nos Estados Unidos e é professor do MIT, disse que é amigo de Hart há décadas e ficou muito feliz de ter dividido o prêmio com ele. “Ele é meu amigo intelectual mais próximo, e um amigo pessoal também”, afirmou.

Os dois foram agraciados por suas contribuições à teoria dos contratos, em trabalhos que vêm sendo feitos desde a década de 1970 – e que influenciaram campos tão diversos quanto governança corporativa e a remuneração de executivos, privatização de atividades do setor público e pagamento de franquias no mercado de seguro de saúde. Vão dividir o prêmio de 8 milhões de coroas suecas (quase 3 milhões de reais), concedido pela Academia Real de Ciências da Suécia.

Todo contrato é incompleto

A escolha deste ano corrobora uma mudança que vem ocorrendo desde o início da década de 1990: a perda de prestígio da macroeconomia e sua ênfase em grandes teorias prescritivas. Desde 1991, 22 prêmios foram para estudos nos campos de teoria dos jogos, teoria dos contratos, assimetria de informações no mercado e organização industrial.

São, em sua maioria, observações e ideias que ajudam a aprimorar o funcionamento dos modelos econômicos. É o caso dos trabalhos de Hart e Holmström. Eles não apontam a forma ideal de um bom contrato, já que isso depende das circunstâncias, mas ajudam a pensar mais claramente sobre questões cruciais em sua elaboração.

Contratos são um elemento fundamental do funcionamento da sociedade, até para além da esfera econômica. Um contrato permite que duas partes com interesses diferentes trabalhem juntas em prol de um objetivo. Sem contratos, não há como uma economia de mercado funcionar.

O problema é que existem inúmeras armadilhas para a confecção de um contrato, em especial os derivados da assimetria de informação (imagine a compra de um carro usado: só o vendedor sabe dos problemas que o carro pode ter apresentado).

Dois exemplos de efeitos negativos da assimetria de informação são a seleção adversa e o risco moral. O que acontece no mercado de carros usados é uma instância da seleção adversa: como o comprador não tem como saber o histórico do carro, é racional assumir o pior. Assim, o vendedor que tenha um carro bem cuidado é penalizado, porque o preço de mercado leva em conta o risco de o carro ter problemas.

Já o risco moral decorre de um comportamento assumido depois do contrato ser assinado. Se você acabou de aderir a um plano de saúde, é possível que comece a marcar consultas e fazer exames que antes não faria (porque teria de arcar com todos os custos). Ou seja, o seu comportamento mudou em relação ao que era antes do contrato.

As análises das imperfeições dos contratos ajudam a entender a realidade. Em 1937, o britânico Ronald Coase percebeu que, se não houvesse nenhum custo na elaboração de cumprimento dos contratos, não haveria motivos para que as empresas existissem. Elas só fazem sentido porque, dados os custos de transação, torna-se mais eficiente realizar certas atividades internamente. Segundo Coase, se tudo pudesse ser perfeitamente planejado e medido, a lógica seria contratar todos os serviços no mercado.

Hart deixou sua marca justamente estudando os “contratos incompletos” – aqueles em que é impossível verificar todos os seus aspectos. Sua ideia central é que, já que o futuro é incerto, um contrato deve especificar quem terá o poder de modificá-lo, quando as partes não mais concordarem.

Ele também teve o insight de que o poder de decisão é uma forma de remuneração. Isso explica por que é mais eficiente deixar que as pessoas empreendam do que pagar-lhes um salário para inovar. Dessa forma, elas ganham a maior parte dos lucros caso os resultados sejam positivos, mas perdem o controle da companhia caso não façam sucesso.

Os estudos de Hart também lançam luz sobre quais ativos estarão melhor nas mãos do Estado e quais devem ser privatizados. Em artigos na década de 1990, ele demonstrou que concessionários privados têm um forte incentivo para reduzir custos, o que pode resultar em perda de qualidade. Um de seus exemplos foi o sistema prisional. Segundo a Academia Sueca, “de fato as autoridades federais nos Estados Unidos estão encerrando as prisões privadas, em parte porque – de acordo com um relatório do Departamento de Justiça – as condições ali são piores do que nas prisões públicas”.

Um sabático de 40 anos

A importância de Holmström está mais ligada ao problema de agência – quando se contrata alguém para agir no lugar do principal. É o caso típico dos executivos nas grandes empresas, e as teses de Holmström foram fundamentais para a elaboração dos modernos esquemas de remuneração.

Segundo Holmström, em situações em que é impossível medir as ações do empregado, faz sentido colher todo tipo de informações relevantes. Nesse contexto, é comum que se tome o resultado como um indício de que as ações seguiram o curso desejado. Holmström defendeu, porém, que se colhessem “todos os resultados que possam servir para prover informações sobre as ações que foram tomadas”. Isso inclui, por exemplo, os resultados dos concorrentes, que iluminam o tipo de ação que poderia ter sido tomada.

Duas décadas depois das teses de Holmström, quando ocorreram os escândalos de contabilidade criativa nas empresas americanas no início do milênio — como a companhia de energia Enron —, percebeu-se que na maioria das companhias a remuneração dos executivos era vinculada apenas ao resultado da empresa –  como o mercado todo crescia, executivos que iam muito mal em relação aos concorrentes ainda ganhavam fortunas.

Outro estudo influente de Holmström, de 1991, “mudou a forma como os economistas pensam na compensação ótima e no desenho das funções dos executivos”, segundo o comunicado da academia sueca. O artigo, em parceria com Paul Milgrom, observa que os empregados em geral realizam múltiplas tarefas, e nem todas apresentam a mesma facilidade de medição. A recomendação parece óbvia, mas na prática dificilmente é aplicada: a compensação deve ser estruturada de forma a incentivar o desempenho em todas as tarefas, não apenas nas que são mais fáceis de quantificar.

Isso pode levar a conclusões inesperadas. O trabalho de um professor, por exemplo, inclui inúmeros objetivos. Se ele for remunerado apenas com base nas notas dos alunos, pode ser levado a gastar mais tempo do que o ideal na preparação de testes, e menos tempo ensinando ao aluno habilidades igualmente importantes (mas mais difíceis de medir), como exercer a criatividade e pensar por si próprio.

Neste caso, um salário fixo, independente de medidas de desempenho, poderia levar a uma alocação mais equilibradas dos esforços do professor. Para que isso funcione, porém, ele recomenda outro tipo de incentivo: uma cultura forte, uma burocracia eficiente, regras claras.

O caminho de Holmström para se tornar um dos economistas mais influentes em planos de remuneração foi incomum. Nos anos 1970, ele trabalhava numa empresa finlandesa e foi encarregado de formular um plano para aproveitar os ganhos de eficiência que a adoção do computador poderiam trazer. Ele então percebeu que havia um problema: como os computadores poderiam melhorar a eficiência se não estavam processando as informações que levavam os trabalhadores a serem mais produtivos?

O que importava não era resolver o problema técnico, e sim conseguir acesso a essas informações. Pouco depois, Holmström foi estudar em Stanford, no que deveria ter sido uma pausa em seu trabalho. O ano sabático se transformou numa carreira de 40 anos como acadêmico e economista, coroada hoje com o anúncio do Nobel.

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