STF vota possibilidade para reduzir jornada e salários de servidores
Até o momento, placar está 4 a 1 contra a permissão para estados endividados reduzirem a jornada e os salários dos servidores públicos
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de agosto de 2019 às 16h53.
Última atualização em 22 de agosto de 2019 às 17h29.
O relator de oito ações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ministro Alexandre de Moraes , votou nesta quinta-feira, 22, a favor da possibilidade de Estados e municípios endividados reduzirem a jornada de trabalho e cortarem o salário de servidores públicos. Os ministros Edson Fachin,Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram contra o relator.
Esse dispositivo, previsto na lei sancionada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, foi suspenso por unanimidade pelo STF em 2002.
O tema é um dos pontos mais polêmicos do julgamento sobre a validade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que entra agora na sua terceira sessão plenária dedicada ao assunto. Os ministros analisam agora definitivamente o mérito da questão.
Conforme o jornal O Estado de S. Paulo informou na última segunda-feira, 19, a possibilidade de Estados e municípios em crise financeira reduzirem a jornada de trabalho e cortarem o salário de servidores públicos deve dividir o plenário da Corte.
Em seu voto, Moraes observou que a Constituição prevê, em situações extremas, a própria demissão de servidores públicos estáveis, enquanto a Lei de Responsabilidade Fiscal permite a adoção de medidas menos radicais, com a flexibilização temporária da jornada de trabalho e salário. Para Moraes, o caminho intermediário preserva a estabilidade do serviço público.
"A discussão não é reduzir salário e jornada ou seguir como está. É isso ou desemprego. A Constituição fez o 8 ou o 80. É perda da estabilidade com consequente perda do cargo público para sempre por questões orçamentárias, fiscais. O que a lei de responsabilidade fiscal fez foi permitir uma fórmula intermediária, aqui não é hipótese de perda da estabilidade. A Constituição previu o mais radical. A lei não poderia de forma absolutamente razoável estabelecer algo menos radical e temporário?", disse Moraes.
"Por que a lei não poderia permitir de forma razoável, proporcional, sempre temporária, a chance do servidor público se manter no seu cargo (por um salário inferior)? Por que exigir que ele perca o cargo, se em um ano e meio, dois anos, a situação (do Executivo) pode se alterar? A hipótese mais radical (prevista na Constituição) vai transformar os servidores públicos estáveis em desempregados", indagou o ministro.
Em seu voto, Fachin discordou de Moraes. "Não cabe flexibilizar mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas do ponto de vista político aos líderes públicos devidamente eleitos", disse Fachin.
"Por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas, a ordem constitucional vincula - independentemente dos ânimos econômicos e políticos - a todos. A Constituição não merece ser flexibilizada, apesar das 'neves dos tempos'", continuou o ministro.
"Caso se repute conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial do funcionalismo público como política de gestão pública, o receituário é o que está na Constituição", acrescentou Fachin.
Rosa Weber acompanhou Fachin no voto. "A Constituição Federal afirma a irredutibilidade do subsídio e dos vencimentos, com algumas ressalvas. Dentre as ressalvas apontadas, não se encontra a ressalva, a hipótese criada pela Lei de Responsabilidade Fiscal", disse a ministra. "Não vou expressar meu entendimento pessoal, qual seria o meu posicionamento, a verdade está comigo? Não. Talvez esteja na Constituição", completou a integrante da Corte.
O ministro Ricardo Lewandowski concordou no sentido de barrar a medida. "Não podemos atribuir crise aos servidores públicos brasileiros", disse.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, divergiu parcialmente dos colegas, ao permitir a redução da jornada de trabalho dos servidores, mas sem a diminuição dos vencimentos. Na prática, isso significa que um Estado endividado poderia alterar a jornada de trabalho dos servidores, mas sem mexer no seu salário.
Dramático
O ministro Luís Roberto Barroso, no entanto, acompanhou o entendimento do relator das ações, ministro Alexandre de Moraes, no sentido de permitir a redução de salário caso o limite de gasto com pessoal de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) seja atingido. Barroso observou que a solução que propôs não é a que o "seu coração desejaria", mas é a que decorre da "imposição dos fatos".
"O Estado brasileiro está vivendo para pagar salários. Temos quadro dramático para o qual não há solução fácil. Esta é a triste realidade. O Estado brasileiro vai precisar ser enxugado e haverá vítimas eventuais e colaterais nesse processo, o que é muito ruim, dramático, mas menos dramático, a meu ver, do que a quantidade de vítimas que haverá se não formos capazes de diminuir esse Estado gigantesco e ineficiente", afirmou Barroso.
"É socialmente melhor permitir a redução da jornada de trabalho do que obrigar o administrador a decretar a perda do cargo. Portanto, não está aqui em questão saber quem está do lado do servidor e quem está contra o servidor. E, sim, diferentes interpretações de qual é a solução menos gravosa para o servidor", acrescentou.
Para Barroso, permitir a redução da jornada de trabalho é "uma providência menos gravosa para o trabalhador do que a sua exoneração".
Limite
O artigo suspenso da lei permite reduzir jornada de trabalho e salário de servidores caso o limite de gasto com pessoal de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) seja atingido.
O sinal verde à aplicação dessas medidas daria aos governadores instrumentos para lidar com as dificuldades. Nas contas do Tesouro Nacional, 12 Estados fecharam 2018 gastando mais que o permitido com a folha de pessoal. Com a redução da jornada, os Estados que ultrapassam o limite poderiam economizar até R$ 38,8 bilhões, conforme revelou o Estado em maio.