Economia

Porto Alegre

O discurso atrapalha

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h50.

Porto Alegre é uma cidade cheia de paradoxos. Quem circula pelas arborizadas ruas da capital gaúcha - são mais de 1 milhão de árvores, ou 16 metros quadrados de área verde por habitante, apenas na via pública - percebe uma certa pujança, refletida no grande número de obras em andamento. Só neste semestre, Porto Alegre ganhou dois empreendimentos importantíssimos para a atração de novos negócios. Em outubro, foi inaugurado na cidade o mais moderno aeroporto do país, um investimento de 165 milhões de reais, com lojas e cinemas que funcionam 24 horas e capacidade para 3,5 milhões de passageiros por ano - mais que o dobro do antigo terminal.

Um pouco antes, fora inaugurado um hotel de luxo da rede americana Sheraton, com 22 andares e 174 apartamentos, anexo a um shopping center, um complexo de 45 milhões de reais. Parece incrível, mas a capital gaúcha não tinha um hotel cinco-estrelas. "Acreditamos no potencial de Porto Alegre e de sua região metropolitana como centro de negócios", diz Gabriel Hofnug, diretor de vendas e marketing do Sheraton.

Há uma série de empresas se instalando na região. A americana Boise Cascade Corporation acaba de inaugurar, em Guaíba, localizada do outro lado do rio que banha a capital, sua primeira unidade produtora de laminados e compensados na América Latina, gerando 170 empregos. O investimento foi de 77 milhões de reais. O grupo gaúcho Isdra investirá 142 milhões de reais numa planta de MDF que deverá ficar pronta em 2002 e vai gerar 530 postos de trabalho. Em 2003, a Souza Cruz inaugurará, também na região metropolitana, a maior fábrica de cigarros do país, num investimento de 500 milhões de reais. E a Latasa está colocando 80 milhões de reais numa fábrica de latas.

Essa movimentação em seu entorno, iniciada com a instalação do complexo automotivo da General Motors em Gravataí e da fábrica da Dell Computers em Eldorado do Sul, tem ajudado Porto Alegre a se especializar em centro de compras e serviços para uma região formada por 22 municípios que abriga quase um terço da população do estado. Nos últimos três anos, 16 novos hotéis foram abertos na cidade, com aumento de 50% no total de leitos disponíveis. Grandes construtoras nacionais também estão descobrindo o potencial da capital gaúcha, onde quase 45% dos domicílios urbanos são das classes A e B.

De olho na composição social da população porto-alegrense, a paulista Rossi Residencial investirá 30 milhões de reais na construção de cinco empreendimentos. "Porto Alegre conta com uma classe média forte, e o mercado imobiliário tem muito espaço para crescer", diz Rodrigo Martins, diretor da Rossi. A Alphaville Urbanismo vai investir 40 milhões de reais para dotar de infra-estrutura a área de 150 hectares que adquiriu na zona sul de Porto Alegre. O lançamento comercial do condomínio será em 2003. A 15 minutos do centro da cidade, a zona sul é o principal eixo de expansão urbana da capital.

Tudo isso acontece - e aí está um dos paradoxos, numa cidade que há 12 anos é governada por um partido de esquerda, o PT, que também governa o estado há quase três anos com um discurso anticapitalista. "Temos uma estrutura produtiva baseada em micro, pequenos e médios empreendimentos", costuma dizer o governador Olívio Dutra. "No passado recente, as autoridades abandonaram o que julgavam velho e pequeno em troca de uma nova matriz produtiva, gastando muito dinheiro público com a importação de megaempreendimentos."

Porto Alegre é tão paradoxal que, depois de 14 anos abrigando o Fórum da Liberdade, um dos maiores eventos para discussão de idéias e defesa da livre iniciativa, neste ano ficou internacionalmente conhecida por sediar o Fórum Social Mundial, uma espécie de anti-Davos, uma trincheira antiglobalização que se deve repetir no início de 2002. O interessante é que as qualidades que fazem de Porto Alegre uma cidade atraente para os negócios se sobrepõem às questões políticas. "Os governos vão e vêm", diz Pedro Chagas, presidente do Instituto de Estudos Empresariais. O IEE, que promove o Fórum da Liberdade, liderou uma caminhada pela prosperidade organizada simultaneamente em quase 120 cidades no mundo no último dia 2 de dezembro, com participantes vestindo azul, a cor-símbolo do capitalismo. Porto Alegre foi a única metrópole do Brasil a promover a caminhada.

O que atrai nessa cidade de 1,3 milhão de habitantes são os indicadores que a tornaram uma campeã em qualidade de vida entre as capitais. Em Porto Alegre, 99% da população tem água tratada, 85% dispõe de coleta de esgoto e 87% dos maiores de 10 anos são alfabetizados. A região abriga pelo menos quatro excelentes universidades, com mais de duas centenas de cursos de pós-graduação. Existem dezenas de incubadoras de biotecnologia e informática. Só a Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem 1,1 mil doutores, 76 na área de computação.

No ano que vem deverá ficar pronto o Centro de Excelência Ibero-Americano em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). Com ele, Porto Alegre vai se tornar um dos poucos lugares no mundo a desenvolver protótipos de chips e formar mão-de-obra especializada no domínio de circuitos integrados - aqueles componentes de microprocessadores utilizados em automóveis, computadores pessoais e outros equipamentos. "O Ceitec vai permitir que Porto Alegre atraia empresas de microeletrônica", diz Nery dos Santos Filho, secretário executivo do projeto, que resulta de uma parceria entre a Motorola, o governo do Estado, a prefeitura, entidades empresariais e universidades, que custará 25 milhões de dólares.

Apesar de indicadores invejáveis, Porto Alegre caiu do 2o para o 5o lugar na pesquisa elaborada pela Simonsen para EXAME - foi a que mais perdeu posições entre as dez primeiras. Em parte, isso ocorreu porque outras cidades melhoraram muito seus indicadores. Porto Alegre teve algumas derrapadas, como o aumento da violência urbana. O percentual de mortes violentas sobre o total de mortes aumentou de 11% para 17% em relação ao último levantamento. "Porto Alegre tem um dos mais altos impostos sobre serviços do país", diz Anton Karl Biederman, presidente da Pólo RS, agência criada por empresários para atrair investimentos para o estado. Novos shopping centers estão sendo construídos, mas a capital ainda se ressente de práticas modernas e condizentes com um pólo regional dessa envergadura, como a abertura do comércio aos domingos. Outro fator importante a considerar é que a euforia com o Mercosul esfriou muito. Um dos principais atrativos de Porto Alegre é justamente estar localizada num ponto equidistante entre Buenos Aires e São Paulo, o que a torna uma espécie de coração do Mercosul.

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