Por que o brasileiro vai beber menos na Copa do Mundo da Rússia
Angelica Salado, da consultoria Euromonitor, explica porque a edição da Rússia deve ser de "copo meio vazio" para a indústria de bebidas do Brasil
João Pedro Caleiro
Publicado em 17 de junho de 2018 às 08h00.
Última atualização em 17 de junho de 2018 às 08h00.
Artigo de Angelica Salado, Analista Sênior de Pesquisa da Euromonitor International
“Imagina na Copa ” foi uma das expressões mais utilizadas desde meados de 2012 até a Copa do Mundo FIFA de 2014: tanto para ilustrar cenários otimistas ou pessimistas. Se o país já enfrentava dificuldades financeiras, imagina na Copa. Se os brasileiros já amavam futebol, imagina na Copa.
Em 2018, no entanto, nem todos os fabricantes de bebidas brasileiros estão de fato imaginando o que vai ser na Copa: com perspectivas mais conservadoras, são poucos os que esperam alguma movimentação especial no período dos jogos.
Em 2010, com a Copa do Mundo FIFA acontecendo na África do Sul, os brasileiros consumiram cerca de 65 litros per capita de cerveja e 81 de refrigerantes, considerando vendas no varejo e também bares/restaurantes.
Já em 2014, com o evento sediado no Brasil, os volumes foram de 68 litros de cerveja e 78 de refrigerantes – um aumento e queda, respectivamente, de 4%.
Em 2018, no entanto, o consumo de cerveja por consumidor não deve passar dos 60, enquanto que o de refrigerantes deve cair para 62, apenas.
São vários os fatores indicados para explicar a visão mais conservadora da indústria neste ano e muitos deles reforçam tendências globais já consolidadas por aqui, como a questão da saudabilidade , por exemplo, estimulando um consumo mais consciente de álcool e de bebidas açucaradas.
Mas será que as perspectivas para 2018 são mesmo tão mais singelas que nas últimas duas Copas do Mundo ou há motivos concretos para este ceticismo?
Nós analisamos alguns dos principais fatores que devem influenciar o consumo de bebidas no Brasil em 2018.
Renda disponível continua sendo fator decisivo no consumo das famílias
Embora seja possível observar sinais de uma certa recuperação econômica refletida na renda disponível das famílias – com crescimento real estimado em 2,5% para 2018 – o consumo dos brasileiros ainda se mostra bastante tímido.
O alto índice de envididamento da população, somado às incertezas econômicas, contribui para inibir grande parte dos gastos com produtos considerados não essenciais (incluindo-se, por exemplo, cervejas e refrigerantes) e, especialmente, o consumo fora do lar.
Em 2010, a renda disponível por brasileiro era de R$ 19,7 mil ao ano. Em 2014, saltou para R$ 23,4 mil e, em 2018, não deve sequer chegar aos R$ 21 mil.
Com este cenário, o consumidor ainda se vê obrigado a racionalizar algumas de suas decisões de compra, buscando produtos, marcas e canais mais acessíveis ou até mesmo cortar despesas não essenciais.
A recuperação da renda disponível ao nível pré-crise, em 2014, só deve acontecer em 2022, de acordo com as estimativas da Euromonitor (em termos reais a preços constantes de 2017).
Menor contingente de consumidores em 2018: turistas ou residentes?
Um dos principais fatores atribuídos a uma expectativa mais conservadora para o mercado de bebidas em 2018 refere-se ao contingente de turistas estrangeiros no país durante a Copa do Mundo em 2014.
Dados da Euromonitor International, no entanto, apontam o contrário. O número de turistas estrangeiros chegando ao Brasil em 2014 foi de cerca de 6,5 milhões contra 5,2 em 2010.
Para 2018, no entanto, com o dólar favorável ao recebimento de turistas, este número deve alcançar 6,7 milhões de pessoas – um contingente ainda mais alto que em 2014.
Ainda assim, o consumo esperado de bebidas fica aquém do que foi registrado na última Copa do Mundo, indicando que os mais prováveis responsáveis por essa desaceleração no consumo são os próprios brasileiros.
Além da conjuntura econômica, a busca por um estilo de vida mais saudável somada à megatendência global de mindful drinking (consumo menor, mas focado em produtos com posicionamento superior) têm impacto significativo na redução do consumo de bebidas, sobretudo alcoólicas e açucaradas.
Sazonalidade influencia no consumo de bebidas
As temperaturas médias anuais mais elevadas e o verão prolongado – geralmente marcado pelo fim do Carnaval – influenciam positivamente no consumo de bebidas no Brasil, tanto alcoólicas quanto não-alcoólicas.
Em 2014, ano em que a temperatura média na região sudeste chegou a 28°C (segundo dados do Instituto de Meteorologia da UNESP) e o Carnaval aconteceu no início de março, a sazonalidade foi responsável por 20% do incremento no volume de vendas de cervejas no ano.
Para 2018, com Carnaval acontecendo em fevereiro e temperaturas médias até maio significativamente mais baixas em comparação aos anos anteriores, espera-se que a sazonalidade não seja um fator de peso para estimular positivamente a demanda por bebidas.
Datas e horários dos jogos menos convidativos ao consumo de bebidas alcoólicas
Os jogos do Brasil na primeira fase devem acontecer, majoritariamente, em dias durante a semana e com horários variando entre 11h e 15h.
Em pleno horário comercial e impossibilitadas de liberar seus funcionários por vários dias do ano, muitas empresas pretendem transmitir os jogos do Brasil dentro de suas dependências, providenciando os comes e bebes. É uma forma de garantir maior continuidade no trabalho, considerando que 2018 já trata-se de um ano de retomada do fôlego econômico.
Em comparação a 2014, quando a maior parte dos jogos acontecia no meio ou final da tarde, espera-se uma performance muito aquém no canal de bares/restaurantes.
Para cervejas, por exemplo, houve um aumento de 4% em volume de vendas no canal de foodservice em 2014, contra um incremento de apenas 0,1% esperado em 2018.
Impacto da crise dos combustíveis no preço final do produto também pode afetar as vendas
Intimamente associado à renda disponível do brasileiro, o preço do produto final ao consumidor continua sendo um dos fatores decisivos no ato da compra para bebidas.
Para 2018, a Euromonitor International projeta uma queda 1,2% nas vendas de refrigerante de cola no varejo, com um preço médio estável a R$ 3,81 no ano.
Se os custos adicionais resultantes da crise dos combustíveis forem repassados integralmente ao consumidor e caso o preço médio por litro ultrapasse os R$ 4, a queda no volume de vendas pode chegar a -2,3% em 2018, segundo projeção da ferramenta Industry Forecast Model da Euromonitor International.
No caso das cervejas, por outro lado, a consultoria projeta para as vendas de cerveja de marcas com posicionamento médio uma retração de 0,3% em volume no varejo, com um preço estável no ano em R$ 6,41.
Caso o preço médio chegue a R$ 6,70 até dezembro, as vendas podem fechar o ano com queda de 1,4%, desenhando um cenário pior que em 2017.
Produtos temáticos e edições especiais
A soma do impacto destes fatores também parece ter tido um peso significativo com relação aos investimentos dos fabricantes em novos produtos e edições especiais para a Copa do Mundo no mercado de bebidas, especialmente se comparados a 2014.
A marca de cafés Pilão (do grupo JDE) lançou uma edição dos seus cafés que traz uma camisa do Brasil com o nome de Neymar, na compra de duas embalagens de 500g do produto.
A Brahma (da multinacional AmBev) mudou o nome da marca para “Brasil” durante a o evento, além de ter revivido rótulos antigos da marca nos anos em que o país foi campeão do torneio.
É difícil dizer se trata-se de racionalização dos investimentos por parte das empresas, no sentido de priorizar a inclusão de marcas e produtos estratégicos em seus portfólios, ao invés de edições limitadas para a Copa do Mundo.
Contudo, não se pode negar que a expectativa da indústria é menos animadora que nas edições anteriores do evento e que, até que o evento esteja encerrado e as vendas reais dos fabricantes sejam analisadas, o mercado de bebidas brasileiro segue com o copo meio vazio.