Por que a covid-19 não é um "cisne negro" na economia mundial
O criador do termo, Nassim Taleb, diz que não é possível afirmar que a crise sanitária era imprevisível, como tem feito várias instituições
Ligia Tuon
Publicado em 20 de julho de 2020 às 15h44.
Última atualização em 20 de julho de 2020 às 18h31.
Desde o início do ano, alguns economistas, agentes de mercado e formadores de opinião têm definido a pandemia de covid-19 como o "cisne negro" de 2020.
O termo ficou famoso após o economista libanês, Nassim Taleb, usá-lo para descrever eventos imprevisíveis e de grandes consequências econômicas — como o ataque de 11 de setembro nos Estados Unidos — em seu livro The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable ("Cisne Negro: o impacto do altamente improvável", numa tradução livre), publicado em 2007.
O especialista em análise de riscos vem afirmando, no entanto, que a pandemia não pode ser chamada de “cisne negro”, porque era um evento previsível pois já em janeiro havia sinais claros de que a doença poderia se alastrar, repetiu Taleb em evento para investidores promovido pela XP, na semana passada.
O economista cita outros surtos passados, como o da sars, um tipo de coronavírus, que preocupou o mundo em 2003, e destaca que a forma como os países estão integrados atualmente nunca foi tão favorável para a disseminação de vírus.
Nessa linha, Taleb disse em evento que a crise atual foi intensificada pela “incompetência” de autoridades e citou a atuação inicial lenta da Organização Mundial da Saúde (OMS) e equivocada do Centro de Prevenção e Controles de Doenças dos Estados Unidos, que chegou a decretar o fechamento das fronteiras americanas para a China, enquanto deixou aberta a outros países.
É ou não é cisne negro?
Apesar da polêmica, a mensagem que instituições quiseram passar ao usar o termo em suas análises de cenário foi clara, e o fato de Taleb desautorizar o uso publicamente também é um tipo de recado.
"A insistência do Taleb vem na forma de crítica para dizer que a pandemia não era algo totalmente fora do radar, pelo contrário, era uma vulnerabilidade já apontada por diversos especialistas. A gente não se preparou porque não quis",diz Joel Pinheiro, economista e mestre em filosofia pela USP.
Não importa muito, segundo Pinheiro, porém,se estamos usando o termo na definição exata que o criador deu a ele, porque a língua é viva e vai se transformando: "Hoje em dia, black swan virou um evento difícil de prever ou improvável, que causa danos na economia mundial, algo que estava fora do controle, como foi justamente o início da pandemia”, completa.
Em relatório publicado em fevereiro, o Société Générale alertou, em nota de rodapé, em meio a suas perspectivas sobre o mercado de capitais que, embora os indicadores parecessem positivos, todos deviam ficar atentos a um possível ‘cisne negro’, a partir do “caso do vírus de Wuhan”, que tem o potencial de rapidamente atrapalhar a dinâmica do mercado.”
O banco tinha o costume de publicar trimestralmente uma lista de possíveis "cisnes negros" para a economia mundial. Dessa lista já fizeram parte o Brexit, em 2016, e o risco deos Estados Unidos não aprovarem no Congresso cortes de impostosdesejados por Donald Trump, em 2017.
A Sequoia Capital, uma das maiores empresas de capital de risco do mundo, fez o mesmo ao enviar e-mail a empreendedores em abril alertando sobre os riscos de o coronavírus provocar uma desaceleração econômica global prolongada.O título do memorando era Coronavírus: The Black Swan of 2020 ("Coronavírus: o cisne negro de 2020").
Resultado: quem decidiu levar em consideração estes alertas em suas decisões de investimento se deu melhor do que os demais.